Virgínia Assunção: Crônica ‘O vestido preferido de Teresa’
Dona Tereza é uma mulher virtuosa, mãe dedicada, dona de casa prendada, cozinheira de mão cheia, daquelas comidinhas caseiras, que são as melhores que têm. Ela morava em uma bela casa, muito grande com um quintal gostoso, com muitas plantas, um pé de mangueira, a casinha dos dois cachorros; um perdigueiro e um dobermann.
No final dos anos 1970, que foi quando se passou essa história, ela ainda não tinha máquina de lavar, tinha uma pessoa que ia duas vezes por semana para ajudá-la nas tarefas domésticas. Porém, o fato de não ter máquina de lavar, não a incomodava, pois uma das coisas que ela mais gostava de fazer era lavar roupa na bela lavanderia que o marido construiu para ela.
No fundo da casa tinha também um pequeno apartamento, bem bonitinho, feito para a sua mãe, dona Dalva, para que ela tivesse a privacidade necessária. Todas as vezes que dona Tereza ia lavar as roupas, a sua mãe sentava-se ao seu lado para ficarem ouvindo rádio, cantando, conversando e sorrindo, sorriam sem parar, o tempo todo.
Dona Tereza sempre foi vaidosa, sempre! Já está idosa, mas até hoje não deixa de andar arrumadinha e sempre cheirosa, mesmo dentro de casa.
Nesse dia em especial, ela estava com um vestido, já surradinho, mas que ela amava muito e ficava se sentindo, segundo ela, toda vez que o usava. Principalmente, porque ela pedia a opinião da mãe sempre que vestia qualquer roupa e a resposta nunca deixava de ser positiva.
Naquela manhã ensolarada e feliz de um dia qualquer nos anos 70, dona Tereza estava lá fazendo o que mais gostava: lavar roupa. Toda bonitinha, com o vestido com o qual ela achava que a deixava mais bonita ainda. A sua mãe, silenciosa, ouvindo a filha cantar e observando tudo, num momento de profunda sinceridade, que acredito que só as mães têm; disse:
– Minha filha, você é toda bonitinha, fica bonitinha com qualquer roupa, mas esse vestido não deixa você muito bem, não. Se eu fosse você, não usava mais ele.
Dona Tereza não acreditava no que ouvia:
– O quê? O quê mamãe? Eu ouvi direito? Eu não fico bem nesse vestido? Não! Não, meu Deus! Não posso acreditar! Não! Eu não estou ouvindo isso. Não pode ser.
Dona Tereza tem o perfil muito brincalhão, apesar da idade, sempre faz graça de tudo e quando isso aconteceu ela fez o maior drama; pegou toda a roupa que estava ensaboada e jogou no chão, revoltada com a revelação tardia da mãe. Enquanto isso, a sua mãe estava quase tendo uma síncope de tanta rir. E dona Tereza continuou com o drama:
– Meu Deus, depois de tanto tempo achando que eu estava abafando, o vestido já está velho e a senhora agora vem me dizer que eu não fico bem, não posso acreditar que a minha própria mãe fez isso comigo…Não, não, não!
Dona Dalva estava engasgada de tanto rir…
Dona Tereza se retirou e para completar o drama, voltou com o vestido cortado pela cintura, vestida só com a parte de cima e de calcinha; fez uma blusa e jogou a outra metade do vestido no meio do quintal.
– Mamãe, não quero mais sua opinião! Ainda tem alguma roupa que a senhora disse que fico linda e não é verdade? Fale agora para que eu corte tudo! Mulher, eu confiei tanto na senhora, perguntei mil vezes se estava bem com esse vestido; a senhora deixou ele ficar velho para me dizer que fico feia nele… Agora eu vou terminar de lavar a roupa assim, de calcinha e com o resto do vestido. Inacreditável o que a senhora fez comigo e ainda fica rindo de mim.
– Vá vestir uma roupa, Tereza! Seu marido chega já com os meninos da escola.
Dona Dalva conseguiu balbuciar, pois não tinha forças de tanto rir.
– Não vou! Quando perguntarem o que aconteceu, vou dizer o que a senhora fez comigo.
Dona Dalva, não conseguia falar mais nada, afogada no próprio riso.
Virgínia Assunção
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Maria Virgínia de Assunção Feitosa Gomes, natural de Maceió/AL, residente há muitos anos em Aracaju/SE. É Professora licenciada em Letras Português/Francês; licenciada em Pedagogia e Jornalista. Pós-graduada em Língua Portuguesa e Literatura e em Psicopedagogia Institucional e Clínica. Dr. H.C. em Educação. Possui vários cursos de formação complementar na área de educação. É escritora e poetisa. Membro fundadora e presidente da AFLAS – Academia Feminina de Letras e Artes de Sergipe; membro fundadora da AMS – Academia Virtual Municipalista de Sergipe; membro efetiva da ALCS – Academia Literocultural de Sergipe; membro correspondente da FEBACLA, Federação Brasileira dos Acadêmicos das Ciências, Letras e Artes. Membro do Movimento Cultural Antônio Garcia Filho da ASL – Academia Sergipana de Letras.