Virgínia Assunção: Crônica ‘Fogos e fogos’


às 08:53 PM
No céu do Brasil, especialmente no Nordeste, junho sempre foi tempo de explosão. Explosão de cores, de sons, de cheiros. A cada fogueira acesa, o povo reacende a memória das festas juninas e das tradições. Os fogos estouram como sorrisos em pólvora, riscam o breu da noite com alegria iluminada. É festa. É vida. É a colheita do milho que faz a canjica, o manauê, o mungunzá, a pamonha. É a dança das quadrilhas, a dança das bandeirolas tremulando ao vento.
Mas há outros fogos no mundo. Fogos que não comemoramos, que não nos fazem dançar, que não anunciam festas, mas o fim.
Enquanto crianças soltam traques no quintal de casa, no outro lado do planeta, outras crianças correm de explosões que não têm hora para acabar, correm para tentar se esconder, correm para tentar não morrer. Em vez de fogueiras cercadas de risos, enfrentam incêndios que ardem cidades inteiras e ceifam milhares de vidas. O Oriente, berço de tantas civilizações, agora queima com o calor de bombas, e não com o calor da fogueira junina, como aqui. São fogos de guerra, que não iluminam: obscurecem. Que não aquecem: carbonizam.
As profecias falam em sinais. Céus em chamas, irmãos contra irmãos, nações ameaçando o planeta com a força de mil sóis comprimidos em ogivas. E, talvez, estejam aí os sinais, camuflados nos noticiários que quase ninguém mais vê com atenção. Enquanto um rojão sobe e se desfaz em aplauso de luz sobre o arraial, um míssil corta os céus do Oriente em silêncio, um drone acerta cirurgicamente seu alvo, sem música nem esperança.
Há quem diga que o mundo sempre esteve à beira de um abismo, que o ser humano carrega consigo tanto o talento da criação quanto o da destruição. Mas nestas festas juninas, quando o céu brasileiro se enche de luzes que dançam e alegram a todos, fica difícil não sofrer, não sentir o contraste da ironia cruel de ver fogos de festa aqui, enquanto lá fora os fogos ameaçam o mundo virar cinzas.
Quem dera nossos fogos fossem eternamente de São João. Quem dera pólvora servisse só para a arte, como os barcos de fogos da nossa cidade de Estância. Quem dera, no lugar de armas nucleares, os homens guardassem o costume de acender fogueiras para dançar em roda, batendo palmas, com o coração cheio de fé.
Porque se os fogos de guerra ganharem o céu de todos, não haverá mais quadrilha, nem futuro, nem planeta para celebrar.
Afinal, as profecias bíblicas nos advertem: o mundo inteiro pode virar um último estouro sem festa.
Virgínia Assunção
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Maria Virgínia de Assunção Feitosa Gomes, natural de Maceió/AL, residente há muitos anos em Aracaju/SE. É Professora licenciada em Letras Português/Francês; licenciada em Pedagogia e Jornalista. Pós-graduada em Língua Portuguesa e Literatura e em Psicopedagogia Institucional e Clínica. Dr. H.C. em Educação. Possui vários cursos de formação complementar na área de educação. É escritora e poetisa. Membro fundadora e presidente da AFLAS – Academia Feminina de Letras e Artes de Sergipe; membro fundadora da AMS – Academia Virtual Municipalista de Sergipe; membro efetiva da ALCS – Academia Literocultural de Sergipe; membro correspondente da FEBACLA, Federação Brasileira dos Acadêmicos das Ciências, Letras e Artes. Membro do Movimento Cultural Antônio Garcia Filho da ASL – Academia Sergipana de Letras.


Crônica excelentíssima, Virgínia!