setembro 17, 2024
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Angelo Lourival Ricchetti: Continuação do livro que conta a história de uma família, desde 1400 até 2023. Ficção com base em documentos e narrativas de pessoas reais

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Angelo Lourival Ricchetti:  Continuação do livro ‘DA ARTE DE SE CRIAR PONTES’ 

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(continuação)
Desse momento em diante iria começar a maior luta de minha vida.
A família dela não queria o nosso namoro.
Nessa ocasião eu dirigia a entrega de jornal “O Movimento” juntamente com o João Macedo.
Eu havia contado a ele a minha felicidade e eu queria entregar os jornais rapidamente para encontrá-la na missa.
Mas muito mais rapidamente a mãe dela (D. Catita) soube do namoro e contou ao marido (Sr. Bento) e ambos começaram a combater o nosso idílio.  
Prenderam a Lucila em casa e mandavam as irmãs menores me vigiar. A Marina, logo abaixo de Lucila também namorava o meu amigo Lauro e os pais não queriam o namoro.
A Lalá recebia da mãe duzentos reis para contar se nós nos encontrávamos e eu dava outros duzentos reis para ela não contar nada. E ela contava tudo recebendo dos dois lados.
Afora as meninas ainda havia um espanhol, cria da casa que na mocidade fora o acompanhante do Sr. Bento quando percorria as fazendas.
O nome dele era Leão Morales. Para nos vigiar ele procurava os lugares escuros e nada. Nós estávamos bem no claro e rindo do modo do pobre homem.
Também nos olhavam o Sr. José da Silva Teles, a mãe de Nonhô Unzer e outros.
Nós nos encontrávamos nas casas de colegas da escola. Na casa da Silverinha e Hercília Araújo, filhas de Francisca Gerônimo Araújo, sempre nos encontrávamos.
O diretor da Escola Normal era outro que nos denunciava.
Não tínhamos saída para nada.
O diretor Dr. Homero de Alcântara Silveira (o diretor da E. Normal) chegou a pedir a Lucila em casamento e também arrumou uma classe no Jardim da Infância para ela (não estava ainda formada professora). Lucila, não dando esperanças ao Doutor. Ele veio a casar com outra colega chamada Silvia Rafanelli, filha do Sr. Rafanelli, gerente do Banco Francês-Italiano.
O “Dr.” fazia intrigas com o meu irmão Hermínio para ele ficar contra nós.
No Clube Recreativo havia um “rinque” para a patinação e eu patinava lá. Na parte de baixo do Clube havia uma mesa de ping-pong e as meninas do ginásio iam disputar as partidas e a Lucila ia também.
Num desses dias assisti a um caso que muito me desgostou.
O tal Genésio queria voltar com a Lucila e como ela não queria mais nada com ele, o tal, muito nervoso devolveu o romance que ambos escreviam. A Lucila chorou e eu fiquei muito chateado com a cena. Quis acabar ali mesmo o nosso namoro. A Lucila deu-me umas explicações e eu acabei esquecendo o incidente.
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Estamos em contato, Vô Lolou e eu por meio do Skype, um produto antigo, mas ainda muito bom para troca de som e imagem à distância. Reina um silêncio inquietante, rompido pelo Lolou. Aqui no meu apartamento as luzes ainda não foram acesas e tudo está envolvo em uma penumbra. Vem um som de música eletrônica do apartamento vizinho.
– Eu menti ontem quando falei sobre primeira visão da morte.
– Mas nós dois havíamos combinado que iríamos falar de vida, de amor…
– Sim, sim, vamos, mas preciso corrigir meu erro. Eu sei que não vou contar tudo sobre mim. Mas o que contar tem que ser contado certo.
– O que é certo para você pode ser errado para mim, que diferença faz?
– E o que é verdade para você pode ser falso, mentira, para mim! Porém eu vou revelar a você algo que ninguém sabe.
– Nesse caso tudo bem. Gosto que confie em mim. Prometo que não conto… vamos deixar as promessas de lado. Conte, por favor.
– Na casa do Santuário nós já éramos em três irmãos, eu, o José Eduardo e uma nascida há poucos meses, a Vera Maria. Uma vez estávamos brincando na sala da casa. Ela estava lá em um canto, minha mãe perto dela, conversando com uma vizinha e mais para cá o Zé Eduardo e eu brincando de puxar um tapete.
Acontece que esse tapete, na outra ponta, era onde estava sentada a Vera Maria. Meu irmão foi buscar um brinquedo no quarto. Estando sozinho resolvi dar um puxão no tapete para mais perto de mim. Minha irmã caiu e bateu a cabeça no chão. Minha mãe gritou, socorrendo a menina. Ela ficou dois dias em coma, beirando a morte. Todas as atenções eram para a Vera Maria. Lembro-me dela em um caixão pequeno de defunto. Não sei se era isso mesmo ou já estava alucinado por uma culpa que nunca mais me deixou.
– Mas ela não morreu que eu saiba.
– Não morreu. Parece que de repente, meus pais chorando, os parentes todos ali na sala escura, ela começou a melhorar e sair do coma. De tão culpado eu me senti que fiquei mais de trinta anos sem conseguir olhar para ela, falar com ela. Essa foi uma das minhas culpas, houve outras.
– Vamos falar de vida agora, de amor, certo Vô Lolou?
– Sim, sim vamos.
– Tem essa parte da devolução do livro que um namorado devolve por estarem escrevendo juntos e ela não querer mais voltar com ele por já estar namorando com o bisavô Uth. Ele ficou muito chateado. Seu pai sempre teve essa devoção por livros?
– Creio que não era devoção. Antes de eu começar a estudar no primeiro ano ele me obrigava a ler livros. Para ele era preciso que eu fosse o primeiro aluno da classe para orgulho dele. De modo geral os Ricchetti de São Manuel e seus descendentes tem orgulho de serem dessa família. Devia começar os estudos escolares já sabendo ler, escrever, fazer contas etc. A relação dele com os livros sempre foi algo como uma ferramenta para ter sucesso.
– Nesse caso por que ele ficou chateado com a devolução do livro que estava sendo escrito por sua mãe e um antigo namorado?
– Eu não sei. O que presenciei muitas vezes é que ele cuidava de minha mãe a ponto dele escolher tudo por ela.
Ele tinha muitos ciúmes dos outros que se aproximavam da Cila. Ela era católica praticante, mas depois de casada, meu pai a impedia ir à missa, “namorar o padre”. No começo ele ia também a acompanhava, mas o costume eram os homens saíram antes do sermão.
Para meu pai o padre não podia saber mais do que ele, pois nem podia casar como ia orientar as moças? Ele se dizia crente no espiritismo. Eu creio que naquele tempo a sociedade era mais machista do que hoje é.
– Mas você e todos os seus irmãos foram batizados.
– Fomos sim e cheguei a ser coroinha, expulso junto com os colegas, pegos que fomos quando roubávamos vinho da eucaristia no meio da semana e nos embriagávamos. Sempre tive problema com bebida alcoólica, depois falo disso.
– A sua mãe se formou em que?
– Não se formou. Depois de casada deixou o curso normal sem terminar. O desejo maior dela, ser professora, foi barrado pelo meu pai.
– Era para a gente conversar sobre vida, sobre amor e, no entanto, Vô Lolou você está traçando um quadro horrível do seu pai. Você não o amava?
– Sim e ainda o amo, mesmo morto, pois reconheço a fibra dele de lutar para que não morrêssemos de fome, tão pobres nós éramos.
Ele lutou muito para que cada um de nós tivesse o mínimo de estudo para “vencer na vida”.
Meu pai, ao contrário de mim que sempre fui muito covarde, enfrentou com coragem tudo que vinha atrapalhar nossa vida.
Lembro quando ele recebia o salário da Prefeitura de São Manuel e passava em um bar antes de chegar em casa comprando croquetes de carne para todos nós. A maior parte dos outros dias não podia comprar carne. Minha mãe era muito criativa e inventava pratos com massas, com mistura para comermos junto com o arroz feijão.
– Entendo. Ser pobre é uma situação horrível. Parece que os pobres perdem seus sentimentos, ficam embrutecidos.
– Concordo em parte, pois ricos são brutos também. Mas isso é outro lado da história.
Meu pai detestava me encontrar fora de casa quando chegava, ainda mais se eu estava jogando futebol na frente do Santuário com outros meninos tão pobres quanto eu. Éramos tão pobres todos nós jogadores que a gente pintava no corpo, a camisa do time, as meias…
Várias vezes esqueci do horário que ele chegava da Prefeitura e quando o via, começava a tremer de medo. Ele me mandava entrar em casa, tirava a cinta e me batia dizendo que eu não podia ficar com esses meninos da rua.
– Uma relação de amor e ódio você tinha para com ele.
– Eu e a maior parte das crianças, pois os pais naqueles tempos seguiam o costume das “palpadas” para se educar.
– Meu pai também me batia quando era menor. Mas não vou falar mal dele porque ele foi sempre um lutador.
– Fiquei chateado por contar essas coisas do meu pai e de mim. Acho melhor nós dois encerrarmos essa conversa sobre o texto do seu bisavô.
Não quero mais falar sobre isso. Fico amargurado. Sinto-me injusto para com a memória do meu pai.
– Também não estou gostando… Melhor pararmos mesmo. Vamos conversar outras coisas menos essas coisas de família.
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Uma semana depois, por curiosidade, voltei a ler o texto do Uth Ricchetti. Não ia comentar nada com Lolou. Queria conhecer melhor uma personalidade complexa como o pai dele.
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(Décimo texto do Uth Ricchetti)
Em 1932 arrebentou uma revolução em São Paulo e eu estava lá passeando.
Cheguei a me alistar no batalhão “Borba Gato” onde já estavam o meu irmão Fausto e os seus cunhados. Quando o meu irmão Fausto soube do meu alistamento me desligou do batalhão e eu voltei para São Manuel (eu estava com vinte anos).
Chegando em São Manuel eu e uns amigos formamos um batalhão Samanuelense.
Havia aqui muitos discursos para convocar os moços para defender São Paulo.
Minha futura sogra não sabia que o próprio filho dela e eu já estávamos organizando um batalhão e quando o promotor público Dr. Orlando de Sá Cardoso estava convocando a mocidade eu falei alto:
– Eu não vou para morrer coisa nenhuma.
E minha sogra indignada respondeu do palanque:
– Só os sangues de barata não irão.
Ora, eu, sangue de barata? Um moleque ativo que sempre fui? O pulador de cerca da chácara da Nicota Gato, onde furtava as laranjas? 
O pai dessa Nicota Gato era um bom atirador de bodoque (estilingue), pois até o “Dito louco” já havia recebido uma bodocada nas nádegas, porque ao pular a cerca ficou preso num galho da laranjeira.
Mais tarde o velho arrumou um cachorrão, mas nós tirávamos um pau da cerca e o cachorro saia para dar suas voltas e aí nós entravamos tranquilos.
Roubávamos bananas na plantação da “Estrela”, propriedade dos Duarte (mãe da Dona Linda Brolo).
Tomávamos banhos numa cachoeira que estava proibida a entrada para as pessoas estranhas.
Onde hoje é a Escola Agrícola, era uma fazenda e lá roubávamos os ovos das galinhas e os colonos corriam atrás da gente.
Na parte alta da cidade, no pasto do Pascoalino de propriedade de Pascoal Raimo (ao lado do cemitério), pegávamos cachos de bananas verde e enterrávamos para amadurecer.
Com uma cinta no pescoço do animal, montávamos os cavalos e morríamos de medo de um touro preto que havia por lá.
Certa vez o meu amigo Lauro de Oliveira e eu estávamos vigiando enquanto os outros roubaram e o tal touro apareceu, então nós trepamos numa árvore e o bichão ficou embaixo e só saiu dali quando os outros chegaram e desviaram a atenção do bruto. A árvore era um coqueiro.
Quando nossos pais souberam foi aquela sova, mas assim mesmo continuávamos a enfrentar o que para nós era o perigo.
Meu futuro cunhado Fernando fazia parte da turma, o primo Carlito Campos Mello também e às vezes outro irmão da Lucila, o Álvaro.
Mal sabia Dona Catita, mãe da Lucila, que dia depois jurávamos amor eterno diante de um crucifixo:
– Meu Jesus nos uma na vida e na morte! 
E ele nos uniu e continuamos unidos.
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Fico imaginando o amor do Uth pela Lucila sem saber se posso dizer também “o amor da Lucila pelo Uth”. Mas como ela aceitava esse poder que ele tinha sobre ela? Todas as jovens, ou quase todas, eram assim submissas aos maridos? Pelo amor que recebiam as mulheres nessa cultura machista não se rebelavam? Não aguento ficar pensando sem saber alguma resposta. Vou criar coragem e falar com meu avô Lolou. Mas quando ligo o notebook uma mensagem já está lá na minha tela:
– Prezado neto Kainã, depois de refletir cheguei à conclusão que podemos continuar a conversar sobre o texto do meu pai. Afinal eu estou me portando como uma pessoa adulta que procura entender como foi a vida dele, de meu avô, de meus parentes.
Para entender preciso fazer uma reflexão como e porque as pessoas agiam como agiram. Não são nossos tempos atuais.
Agora, em 2023, são outros tempos, outras estruturas de poder, o mundo ficou pequeno, as pessoas todas têm mais informações, há muitas e variadas influências e não podemos julgar fazer juízos de valor, sem antes compreender bem como as pessoas agiam sob um paradigma com valores e razões que não são de hoje.
Temos novos paradigmas.
Quando ler o que escrevi, por favor, diga se deseja continuar ou desistir.
– Pode ser coincidência vô Lolou, mas ia lhe escrever sobre isso mesmo. Fico cheio de dúvidas. Não entendo aqueles comportamentos.
– Que bom que estamos nos entendendo. Vamos continuar então.
Eu conto a meu avô que já pesquisei um pouco na história e na geografia para saber mais sobre o café, os barões do café, os políticos desde a proclamação da Republica,
Estudei o mapa, o relevo, etc. para entender um pouco mais sobre a produção agrícola de São Manuel, no centro do mapa do Estado de São Paulo, Brasil.
Li bastante sobre a imigração italiana, sobre as famílias que tinham uma existência de séculos atrás com valores tradicionais tão diferentes dos italianos que vieram “fazer a América” como diziam esses italianos. Na prática, tiveram de abandonar as suas terras por causa da grave crise do 1900.  Digo a Lolou:
– Eu me sinto mais preparado também por estar conhecendo mais sobre a China como primeira nação mais importante do planeta, em todos os sentidos, pela população que já é um terço de todas as populações das demais nações, com sobrevivem e como tem de preservar o ambiente com a falta de petróleo, de água, de território.
– Porque a China?
– Porque a Cinthya é nascida lá e me conta e em termos de estudos de Arquitetura eu preciso saber tudo isso, tanto o passado como o presente e imaginar o futuro.
Percebo que o mundo cada vez mais precisa de pontes para a locomoção de pessoas e cargas, grandes e necessárias obras arquitetônicas que pretendo criar e será o foco dos meus estudos.
– Construir pontes? Você fala de pontes materiais? Mas é preciso outras formas de pontes…
Não entendo o que ele diz de outras formas de pontes e não quero falar sobre isso e sim sobre o namoro. Mais cedo ou mais tarde vou ter mesmo que falar. Crio coragem, respiro fundo e digo:
– Estou namorando a Cinthya, agora é sério. O desejo dela é fazer pós-graduação para a construção de pontes usando tecnologia de ponta.
– E você?
– Sou apaixonado por pontes e pretendo trabalhar em alguma empresa de construções de pontes gigantescas!
Com cuidado começo a falar sobre minha namorada.
Você vai gostar da Cinthya, Lolou. E ela me ajuda muito a compreender tudo que preciso. Ela quer conhecer essa pessoa com quem tanto falo.
– Nosso acordo vai por água abaixo?
– Pode confiar nela. É uma jovem compenetrada de suas responsabilidades e nos amamos.
– Vou aceitar, embora não sei como ela vai guardar segredos, o que vai pensar de mim escrevendo sobre meus parentes desse modo tão cruel.
– No próximo sábado, quando formos, eu e ela, para Itapelinda vou leva-la para que você possa conhecê-la.
– E eu a ela… Vamos deixar as perguntar para o fim da semana então.
Fico aliviado que o Lolou está aceitando abrir as guardas, como falamos no Box, para irmos mais fundo nesse conhecimento. Menos apreensivo continuo a ler. Será que esse material daria um romance? Um ‘“novo” Julieta e Romeu?
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(Décimo primeiro texto de Uth Ricchetti)
Dias depois o Sr. Eliseu Augusto Teixeira pagava um vagão de passageiros que foi engatado num trem e nos levava para São Paulo e tomamos lugar no Batalhão Esportivo.
Embarcamos no dia 19 de junho. Na estação alguns membros das nossas famílias e as namoradas.
Eu estava preocupado, pois deixara mamãe chorando e o meu irmão Hermínio muito nervoso.
Despedi-me da Lucila e seu irmão Fernando despedia-se da Araci Padovam, filha de Cirilo Padovam (já falecido na época).
A Lucila me deu uma linda medalha de Nossa Senhora da Aparecida que perdi numa retirada brusca.
Ao chegar em São Paulo, alguns foram para Duque de Caxias antiga Quintaúna. Foram eles: Francisco Borges, Otávio Pascoal, Elias Francisco Araújo (Chicão), Gino, Menocchi, Domingos Felipe, Otto Kermer, Zito Zergelli.
Essa primeira turma somava cento e sessenta entre mais velhos, os moços e menores como o Mário Portes e eu. O Mário, menor de 16 anos, não foi recebido, precisava autorização do pai.
O irmão dele, Argemiro Portes trabalhava no Correio aéreo. Era quem recebia e enviava as nossas cartas da trincheira.
O Argemiro recebeu cartas do pai pedindo para o Mário voltar, pois a mãe estava de dieta de parto e muito nervosa.
Vim trazer o Mário e queria encontrar com a Lucila, mas a sua amiga Silveirinha falou que a Lucila não queria falar comigo. Era mentira.
No dia seguinte, antes do meu embarque a Lucila veio encontrar-se comigo e muito chorosa dizendo que não fosse por que ela estava com forte pressentimento de que algo iria me acontecer e fui ferido mesmo nos dois pés e no peito por isso baixei no hospital para tratamento. 
Quando cheguei em São Paulo o Batalhão Esportivo havia partido e eu fui procurar um outro que ia para o Este onde estavam os meus companheiros.
Alistei-me no Batalhão de Comércio que se incorporou depois no sétimo de Emergência.
Quando estávamos para partir soube que o Mário Portes estava no Batalhão dos Estudantes do Comércio e como eu conhecia o Capitão (do Batalhão) pedi para dispensar o Mário Portes, pois esse Batalhão ia se incorporar a Coluna Dalton de Oliveira que ia para o sul.
Levei o Mário para o meu Batalhão que seguiu para a cidade de Amparo para retomá-la dos inimigos que haviam ocupado um dia antes.
Chegamos à noite e a cidade estava às escuras. O Mário seguiu para um morro enquanto eu fui para outro morro. Quando amanheceu entramos num fogo cerrado. Conseguimos afastá-los, mas eles vieram novamente com uma força maior.
Chegaram: Infantaria, a cavalaria e Artilharia. Eles nos cercaram onde o nosso Tenente foi um herói. Ele disse:
 – Sargentos (eu era um deles) vou enfrentar com a metralhadora e vou fazer fogo de barragem para vocês se retirarem com os seus homens.
E foi aí que pudemos fugir,
Nunca mais vi o tenente, Deve ter morrido, pois o cerco foi forte.
Retiramos para a cidade de Pedreiras. Quando chegamos não vi o Mário Portes e fiquei muito nervoso.
Eu e os meus homens íamos procurá-lo, mas ele chegou com outros homens.
O capitão por minha desobediência de querer voltar e procurar o companheiro deu ordens de prisão, juntamente com todo o meu grupo (eu era sargento). Fomos para um vagão que seguia para Campinas no dia seguinte. O Capitão tirou a minha divisa e a do cabo.
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Estou indo de São Paulo para Itapetininga de carro com a minha namorada e seu veloz carro. Aproveito para ligar meu notebook e falar com Lolou.
– Vovô Lolou estamos a caminho! Logo mais estaremos ai. Avise a família toda.
– Estamos aguardando. Já está aqui em casa o seu pai Leon Francisco, sua mãe a Carla, sua irmã Amanda e suas filhas Mariana e Laura. A Maria Júlia, sua avó também está querendo conhecer a Cinthya. Todos estão. Mas você está dirigindo o carro e teclando? Não faça isso! É um grande risco!
– Calma, vô, quem está levando o carro e a Cinthya.
– Tudo bem. Diga a ela que a Maria Julia, minha esposa está falando que será bem vinda à nossa casa.
– Não desligue vô, deixa dizer que li a parte do seu pai na Revolução de 1932. Fiquei admirado! Ele foi um herói!
– Sem dúvida! Mas conversamos depois.
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Relato de Maria Júlia para mim sobre a ansiedade do marido, vendo vovô Lolou toda hora indo ver pela janelinha da frente da casa se Cinthya e eu estávamos chegando:
– Já deviam estar chegando… Júlia, será que aconteceu alguma coisa na estrada?
– Calma! Você sempre está imaginando coisas… Pior que só pensa ruim. Já vão chegar. Deixa de toda hora ir olhar se o carro já apareceu…
– Júlia, o carro dela não é com o nosso. É moderno, veloz. O almoço já está pronto Amanda?
– Não venha me apressar que tudo estará pronto na hora que tiver que estar. Vá ver se o Leon e Carla estão querendo para o almoço.
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O dia está maravilhoso! Muito sol, pouca poluição, pouco trânsito, quando entramos na cidade de Itapelinda. Já estamos chegando à casa do Lolou. Vejo que estão todos a postos, bem vestidos. Meus pais, minha avó Julia, minha irmã Amanda, as filhas minhas primas, a Mariana e a Laura. Parece que todos estão prontos para uma festa! Sinto um frio na espinha. Do meu lado está a minha primeira e espero que única namorada, muito nervosa.
– Kai estou bem? Meu cabelo está despenteado. Me sinto feia, Kai. Ela diz olhando-se rapidamente no espelhinho do carro.
– Você está linda! Dou um beijo nela, não nos lábios, no lado do rosto, porque ela está dirigindo. Agora estacionou. Todos saem da casa sorrindo e muito curiosos. Quando saio do carro minhas primas batem palmas e gritam:
– Kainã vai casar! Kainã vai casar!
Fico mais nervoso ainda e olho para Cinthya que está sorrindo e me agarra pelo braço para sentir mais segurança.
Todo mundo abraça todo mundo. Alguns vizinhos vem olhar o que está acontecendo. Penso: porque tudo isso? Vamos apenas anunciar nosso namoro!
Maria Julia começa a empurrar todo mundo para dentro da casa:
– Vamos entrando senão o almoço esfria! E a Amanda caprichou bastante!
Meu vô se adianta, pega as mãos de Cinthya e as minhas:
– Seja bem vinda Cinthya!
Ela olha, sorrindo para ele que. O olhar dele permanece no olhar dela por um breve tempo. Ele sorri.
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O almoço consta de bacalhau e batatas feito pela avó Maria Júlia e arroz de forno com salmão grelhado feito pela minha tia Amanda. Minha namorada adora muito o que lhe é oferecido e, aos poucos, está encantando a todos com sua graça e com seu modo franco de falar.
Anda pela casa toda conhecendo cada cantinho, as muitas fotos mostradas pela Mariana e Laura que se degradiam para mostrar e falar com ela.
Muitas histórias vão sendo contadas. No corredor se depara com as fotos dos antepassados da vó Maria Júlia e do vô Lolou. Quer saber detalhes das fotos.
Quando foi possível senta-se finalmente no sofá da sala de estar com vários de nós ao seu redor. Fala de sua comunidade na China, nos usos e costumes que deixou por lá, de suas saudades, de como o Brasil, São Paulo e outros lugares conquistam sua admiração.
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Agora estou mostrando como é a cidade para ela. Vamos de carro mas paramos várias vezes e descemos do carro. Eu mesmo estou “me mostrando” a minha cidade para mim. Porque está diferente! Digo isso para Cinthya e ela pergunta:
– Por que está diferente? Quanto tempo você não vem aqui?
– Faz 3 anos que moro em São Paulo Meu pai Leon Francisco e minha mãe Carla pagam minha despesa lá. Assim pude fazer cursos e me preparar para fazer a Faculdade. Venho poucas vezes a Itapetininga.
– Mas o que você está estranhando na sua cidade?
– Primeiro: parece que as pessoas estão mais alegres, mais felizes. Segundo: há muitos poucos carros nas ruas. Antes tudo ficava muito congestionado.
– Tem muita ciclovia pelo que reparo. As pessoas me parecem bem saudáveis. Não são pessoas gordas como encontramos em São Paulo.
– Há vários centros esportivos. Antes havia bem poucos. Estou achando diferentes também esses avisos nas lojas, no comércio, alertando para os planos de Munícipio Saudável. O que será isso?
– Na China houve algo parecido quando eu era menina. Bem antes havia acontecido uma chamada Revolução Cultural para a mudança de usos e costumes que não levassem em conta o socialismo.
A segunda dita revolução faz menos de 10 anos. Eu ainda vivia lá, antes de vir para o Brasil com meu pai.
– Mas aqui não é a China. Quando voltarmos vamos falar com o Lolou.
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Vô Lolou tenta não dar importância sobre o que está acontecendo. Diz que foram eleitas pessoas diferentes com outras idéias. Estava começando a haver mudanças. Nada imposto, tudo partindo de conversar e convencer as pessoas. Tem havido muita reação contra as passeatas, os discursos na Câmara, os encontros populares com os governantes. Jornais, rádios, a TV da antiga Rede Globo tem se manifestado contra essas mudanças.
– O que vem a ser esse plano de Município Saudável, vô? Eu pergunto ao mesmo tempo em que no íntimo pergunto a mim mesmo como não reparei e nunca soube disso tudo que ele conta.
– Não fiquem muito entusiasmados com isso. Não é um plano e sim um conjunto de planos. Talvez fracasse e na próxima eleição esse prefeito e companheiros na Câmara não sejam reeleitos.
– Sêo Lolou, me conte um pouco desses planos, por favor! Cinthya pede com aquele jeitinho faceiro de mocinha vinda da China.
– Vou falar por alto, moça. Alguns planos são fáceis e estão sendo implantados. Porém esse prefeito e vereadores tem muita audácia. Precisa de muita coragem para dizer à população e às lideranças escolhidas para transformar a agropecuária que usa agrotóxicos, a divisão das grandes terras agrícolas, rumo ao que se pode chamar de respeito total ao meio ambiente, à saúde e sua preservação, extinguindo as grandes pastagens, as extensas plantações de produtos com uso intenso de agrotóxicos, a eliminação de alimentos industrializados e a troca por alimentação vegetariana.
– Isso é mesmo. Fico imaginando as pessoas que lucram com essas coisas como vão reagir.
– Está muito no começo ainda. Não se sabe se vai dar certo. Por enquanto o que está sendo feito está dando algum resultado já. Os planos são decenais. E estamos ainda nos primeiros cinco anos!
– E tudo isso em menos de 10 anos? Como vai ser possível? Vô Lolou explica:
– A maior parte da população foi sendo atingida pela educação para a vida, os agricultores, os comerciantes, as poucas indústrias foram sendo doutrinadas pelo mal que fazem ao ambiente e à saúde. As pessoas com interesses na situação anterior se rebelaram e fizeram de tudo para que os candidatos aos cargos públicos não fossem eleitos. Mas eles foram e com o apoio da maior parte dos residentes em Itapelinda iniciaram os processos de inovação.
Minha namorada rí em todos os momentos, sempre admirada. Impressionada começa a falar como seu país inovou totalmente o modo de viver lá, como a vida humana passou a ser respeitada mais do que os demais valores, como passou a ser a primeira economia mundial conservando o meio ambiente, a natureza e o sentido profundo de se viver com responsabilidades.
Mas sua terra de nascença precisava da ajuda de outras nações, pois seu território não podia mais conter a população crescente, mesmo com a restrição de filhos por casal.
Além disso, todos os recursos naturais precisavam de métodos para não se esgotar rapidamente.
A educação comunitária e geral se voltou para incentivar descobertas, pesquisas, atividades que poupassem o uso desses recursos. Há muitos projetos de reciclagem de lixo, bem como propostas de não se produzir tanto lixo.
Foi considerado crime grave o consumismo desenfreado, característica dos países dominados pelo capitalismo selvagem. E termina assim:
– Então fico muito emocionada com o que está acontecendo aqui nesta cidade, neste município e como poderemos compartilhar e estreitar as relações de Itapetininga com a China!
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Quase 10 horas da noite. Mariana e Laura vem buscar a Cinthya para conhecer seus amigos e amigas, bem como a casa dos meus pais.
Ficamos eu e meu vô no quarto de estudos do Lolou para conversarmos.
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– Lolou pode confiar nesta moça. Faremos um juramento, certo?
– Que juramento?
Eu e Cinthya juramos juntos que tudo que estamos conversando sobre seus antepassados não será comentado para mais ninguém, a não ser com concordância sua.
– Duvido.
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A Laura, a Mariana e a Cinthya voltam dos passeios. Passa da meia noite. Conto para minha namorada do juramento. Lolou está passando pelo corredor e ela o chama:
– O Kai já me explicou tudo. Eu juro senhor Lolou! O que sei a respeito dos textos, dos comentários são muito importantes para sua família. São muito importantes para muitas pessoas, mas a decisão sobre uma publicação em forma de livro ou virtual precisa ser tomada por nós pensando bem em nossa responsabilidade e na imagem de sua família.
O Lolou, embora ele nunca vá admitir, também está tomado pela simpatia de Cinthya.
– É, concordo, pode ser que não valha a pena, o esforço, o sacrifício, ao menos o meu, pois estou emotivamente envolvido com os textos e comentários. Se, ao final, valer a pena, for para ajudar outras pessoas e não houver ninguém prejudicado, podemos pensar em publicação. Mas falta muito ainda a ser lido e comentado, não é?
– Que bom que você Lolou entende o que estamos propondo! A participação da minha namorada (quase que falo “futura noiva”, porém paro rápido) vai ser importante. Você vai perceber. E ela agora é da família, ou quase.
Vovô sorri. E explica:
– Eu tive um colega e amigo da Faculdade, o Manoel Cesário Simões, que uma vez me disse, que eu era da família dele. De fato conheci todos da família dele, inclusive uma jovem cantora que depois ficou conhecida internacionalmente. E também, mais tarde, outra jovem cantora e compositora.
Eu digo a ele que vamos continuar a ler e comentar. O que não ficar bom, excluímos sem dó em nossas notas. Lolou não concorda com isso:
– Isso não admito! Vamos respeitar os textos escritos pelo meu pai Uth Ricchetti. Não sei por que ele escreveu. Ainda precisamos pensar nessa questão. Em cerca de um ano, ele, certamente narrando de memória os fatos e achados à minha mãe, e ela escrevendo, nos deixaram todos esses textos. Ficar como estão é uma opção também, enquanto não soubermos por que ambos nos deixaram esse legado.
Nos levantamos os três e vamos dormir. Antes a Amanda anuncia que vamos tomar a sopa de feijão, amanhã, que é uma das maravilhas da culinária da minha tia. Como é inverno e está bem frio, a sopa vem em boa hora.
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Acordo bem cedo e já vou ler outro texto do Uth quando Cinthya acorda e fica me observando.
– O que foi? Está me admirando minha beleza?
– Ah bobinho! Bela sou eu!
Ela se levanta e bem me beijar.
– Gosto muito daqui! O ar parece tão limpo, o silêncio me faz escutar os menores barulhos…
– É por isso que sempre trago de São Paulo quando venho aqui um vidrinho e uma gravação. Eu falo misteriosamente. Ela me olha sem entender:
– O quê? Me explica, não estou entendendo nada. Eu dou uma gargalhada:
– Quando começo a sentir esse não poluído começo a passar mal e então abro o vidrinho que tem o ar poluído de São Paulo e aspiro um pouco…
Ela fica brava:
– Você é mesmo um bobão! E a gravação para que serve?
– Quando esse silêncio começa a me incomodar eu ouça a gravação dos ruídos de São…
Não consigo terminar. Ela joga um travesseiro em cima de mim, dando risada.
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(Décimo segundo texto do Uth Ricchetti)
O Zé Português que era de São Manuel e do Batalhão Esportivo tinha vindo buscar comida e encontrou com o Mário que lhe contou o meu drama.
Conseguimos enganar os guardas do vagão e fugimos para o Batalhão Esportivo levando nossos fuzis e mais três que achamos no jeito.
Na fuga de nós quatro (os dois Guardas, o Mário e eu) o Batalhão Esportivo ganhou mais quatro homens e sete fuzis.
O caminhão que nos levou, levava a xepa (comida). O Mário e os dois companheiros comeram, mas eu não quis, pois queria comer com os companheiros: Fernando de Campos Mello, o Mucci, o Néco, o Massarelli todos de São Manuel, mas não comemos porque foi só chegarmos e tínhamos que partir para a frente de guerra.
Os inimigos estavam a 8 horas da cidade de Ressaca.
Combatemos à noite toda e ao amanhecer os inimigos tinham-se retirado.
 Nós não sabíamos da retirada. Havia uma cerração muito forte e o Mário e eu tínhamos que guarnecer uma metralhadora pesada substituindo os homens que estavam lá.
De repente deram uma rajada e nós nos jogamos num buraco. Era um formigueiro de saúvas. As desgraçadas começaram a entrar pela camisa e a picar o corpo todo e nós não podíamos sair do buraco até que a metralhadora do lado nos cobrisse com o seu disparo.
Qual não foi a nossa surpresa quando chegarmos à metralhadora que íamos guarnecer: o atirador era o José Ramos de Oliveira (samanuelense) e o municiador Belmiro Plese (São Manuel).
Eles ajudaram a tirarmos as formigas. Riram muito, pois tínhamos errado o caminho e estávamos perto dos inimigos e foi aí que abriram fogo para nos proteger. Só reconheceram que éramos paulistas quando gritamos a senha (a senha era a palavra Mato-grosso).
Quando os inimigos se retiraram nós descansamos dois dias e aí pudemos comer.
O José Ramos de Oliveira e o municiador Belmiro Plese foram guarnecer outros flancos.
Dois dias depois seguimos para a frente. Um lugar muito estranho cheio de morros dificultando as nossas horas de sentinela.
Quando me chamavam eu me escondia e então mandavam outro no meu lugar.
O Mário que era estourado, sempre ia para a sentinela, porque quando falavam o nome dele começava a xingar alto e mandar todos para “pqp” e daí só havia de ir e fazer as suas horas.
Queria que eu fosse junto, mas eu não ia principalmente à noite.
Numa das noites em que o Mário, um rapaz de Bauru e eu fomos fazer guarda avançada (observação) ficamos perto de uma árvore e sofremos um grande susto.
A árvore começou a balançar sem vento nenhum e cada vez mais forte. Calamos a baioneta e fomos examinar e nada.
O rapaz de Bauru falou:
 – Cuidado, aí é lugar assombrado eu vou embora.
E foi. O Mário e eu ficamos sozinhos e o Mário aguentou firme, pois não podia xingar, nem gritar.
O sentinela tem que ficar imóvel e sem acender cigarros.
Soubemos depois por uns homens que naquele lugar haviam matado um casal de namorado bem debaixo da árvore.
Ficamos nessa fazenda 15 dias descansando, pois não apareceu o inimigo.
Recebemos ordens para irmos guarnecer um setor ao lado da Força Pública e lá morreu um samanuelense – Alberto Martiri.
Isso aconteceu na cidade de Pinhal. Nós estávamos na entrada da cidade quando o comandante da Força Pública ia atacar e prender um grupo de inimigos e pediu voluntários do nosso Batalhão.
Alguns se ofereceram entre eles o tal Alberto Martiri.
Ao passar por um bananal encontraram não um grupo, mas um batalhão que atacou de surpresa os soldados da Força Pública.
Foi aí que todos fugiram, mas o Alberto Martiri não podia correr, pois sofria de calos nos pés.
Os jagunços não os prendiam, matavam.
Ficamos muito tristes. Um companheiro viu tudo do seu esconderijo.
Desse lugar viemos para uma fazenda perto da cidade de Atibaia.
Depois de tanto irmos de lado para outro queríamos uma licença para descansar.
Nesse lugar sofremos uma traição.
Helio Rubens
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