Guilherme Machado: ‘Mude o seu referencial’
“Quem somente observa o vento nunca semeará,
e o que olha para as nuvens nunca segará.”
Eclesiastes 11:4
Meu bisavô, João Machado de Araujo, foi prefeito de Sorocaba e constituiu com muito trabalho e dedicação um patrimônio significativo. Meu avô, Claudio Cesar Machado de Araujo agregou esforço e força de vontade, para incrementar o patrimônio advindo de seu pai. Embora meu pai e eu destoemos de nossos antecessores, eu sou herdeiro de uma herança notável, tenho rendimentos mensais oriundos de aluguéis. Gozo de um estilo de vida excelente, onde posso escolher o que desejo fazer, mesmo sem dispor de uma atividade remunerada.
Em 2021, fez 20 anos do falecimento do meu avô, algo que mexeu profundamente com os meus ânimos. Quis escrever algumas homenagens a ele, como faço de costume, mas, sobretudo, num contexto de pandemia, acabei submergindo em histórias que me levaram a gatilhos de tristeza e dor. Alguns amigos me indicaram uma terapeuta, algo que eu inicialmente rechacei, devido a experiências anteriores, mas após um pouco de insistência, acabei iniciando as sessões.
Sempre me senti muito julgado pelas pessoas, principalmente as próximas. Se do lado paterno, tenho uma família abastada, pelo lado materno, houve muitas dificuldades, sendo que minha mãe, tia e avó, já foram empregadas domésticas. Elas creem que a minha vida é fácil, pois elas lutaram muito para ter alguns bens, em contrapartida, eu tive tudo fácil, pois disponho de casa própria, carro, entre outros, sem ter que me esforçar para tal.
Esses julgamentos me levaram a uma mentalidade de escassez como forma de defesa. Eu pensava que a minha vida não poderia ser fácil de maneira alguma, pois tive que perder duas das principais pessoas da minha vida para ter tais bens, sendo ter perdido muito mais do que ganhado. Obviamente se eu pudesse escolher, eu preferiria meus entes queridos ao dinheiro que a morte deles me proporcionou. Nas sessões fui alertado sobre essa mentalidade não me agregar nada e, tampouco, me levar a lugar algum.
Conversando com a Amanda sobre luto, ela me contou a respeito da morte de sua mãe ter sido na pandemia. Em função disso, não houve velório e nem enterro. Na perspectiva dela, isso foi bom, pois sua mãe era uma pessoa muito querida e muitas pessoas iriam se despedir, algo que ‘cutucaria’ a sua ferida.
Esse relato me fez pensar no quanto a ausência de velório, enterro e acolhimento de pessoas, fato comum na pandemia, impacta na forma de lidar com o luto. Essa reflexão me levou a alguns episódios da série The Big Bang Theory.
No último capítulo da décima primeira temporada, Sheldon e Amy se casam. Num determinado momento, o brilhante físico está treinando nó em sua gravada e queixa-se de não conseguir deixá-lo direito. Sua noiva analisa não achar que a gravata tenha necessidade de perfeição, pois um pouco de assimetria fica legal.
Instantes antes do casamento, Mary Cooper, mãe de Sheldon, tenta endireitar o objeto, mas ele rejeita, alegando a respeito de ela ter que ficar um pouco assimétrica, pois alguma falha, a melhora de algum jeito. Então sua mãe diz sobre as coisas imperfeitas tornarem outras perfeitas.
Norteado por essa premissa, ele percebe o erro na teoria que vinha tentando desenvolver. Suas equações tentavam descrever um mundo imperfeito, e a única forma de fazer isso seria introduzindo imperfeições na teoria subjacente. Nasce então a teoria da Super Assimetria.
A série, desde o início, é pautada na genialidade do físico teórico, Sheldon Lee Cooper e seu sonho de conquistar um prêmio Nobel. Essa teoria inovadora, enfim o colocaria em possibilidade de concorrer ao almejado prêmio. Encaminhando-se para a publicação do artigo, eles pedem aos amigos próximos para conferir as referências. Ao executar a tarefa, eles encontram um artigo russo capaz de refutar a teoria da Super Assimetria.
Leonard, melhor amigo de Sheldon, encarrega-se de dar a notícia. Sheldon aparenta receber a notícia com tranquilidade, mas se enfurece, quebra o quadro com informações sobre a teoria e, aos berros, dirige-se para seu quarto. Ao tentar consolar seu marido, Amy revela estar tentando segurar as pontas para ele, mas partilha da mesma frustração, visto que a teoria foi concebida no casamento deles e meses foram dedicados a ela. Ela achava que eles mudariam os rumos da ciência e agora foi tudo por água abaixo, e, por este motivo, ela está arrasada.
Após saírem para buscar o jantar, Leonard e Penny, preocupados com a ausência de notícias desde a teoria ser refutada, passam para visitá-los. Deparam-se com o casal sentado no sofá, de pijama e desanimados. Suas falas traduzem a completa descrença quanto a própria capacidade. Penny tenta animá-los dizendo ser apenas uma derrota temporária. Então agora é necessário ‘meter a cara’ e se esforçar mais, já que está somente na metade do jogo e eles estão perdendo de sete. Leonard também tenta motivá-los, dizendo que eles são individualmente as pessoas mais inteligentes que ele conhece, sendo capazes de realizar qualquer coisa juntos.
Sheldon agradece as tentativas, mas pede para pararem, em sua visão não é possível melhorar a situação. Amy corrobora a tese do marido, dizendo que trabalharam feito mulas nesse artigo e foi tudo a troco de nada. Se eles pensam serem capazes de resolver com um papo bobo, então eles são incapazes de entender o quanto a teoria significa para eles.
Na sequência, o grupo de amigos se reúne para jantar, como costumam fazer. Antes do jantar, Leonard e Penny instruem os amigos Howard, Bernadette e Raj, com uma lista de assuntos a serem evitados, pois estes podem remeter ao projeto, levando-os para gatilhos de fracasso ou sucesso.
Ao chegar para jantar, Amy pergunta o que eles estavam fazendo, e Bernadette despista:
– Nada.
Sheldon prontamente a repreende:
– Igual ao que minha carreira virou, muito obrigado.
Após a resposta o casal regressa imediatamente para seu apartamento.
Na sequência, Amy acorda de forma súbita e vê Sheldon fazendo diversas coisas: comendo, lendo, assistindo a televisão e ouvindo rádio, um comportamento estranho, até mesmo para o excêntrico protagonista da série. Ela o observa ingerindo aspargos e questiona dizendo achar que ele odiava aspargos. Ele responde:
– Eu também achei, mas também achei que a Super Assimetria era uma boa ideia. Sobre o que mais estou enganado?
Assustada, ela interpela:
– Então agora você está reavaliando cada opinião que teve na vida?
Então ele argumenta:
– Sim, estou seguindo o exemplo do filósofo do século XVII, René Descartes. Ele sujeitou todas as suas crenças a dúvida radical, para poder construir uma crença sólida e fundamentar sua vida cognitiva em princípios firmes.
Amy pondera entender sua chateação em função do artigo e reitera se sentir da mesma forma. Ele se diz incapaz de voltar a confiar nos próprios instintos, mas ela novamente o rebate dizendo que não é porque ele está errado quanto ao artigo, que está errado quanto a tudo.
Amy vai ao apartamento de Leonard e Penny e expõe sua preocupação quanto ao marido, dizendo nunca tê-lo visto tão para baixo. Ela também conta sobre a reavaliação quanto a tudo, expondo a preocupação disso afetar seu relacionamento.
Leonard sugere um vídeo feito pelo próprio Sheldon, contendo um discurso motivacional gravado quando ele era criança, algo confiado a ele e guardado para uma grande emergência.
Amy volta para seu apartamento com um vídeo cassete e a fita sugerida. Entusiasmada, ela conta ao cônjuge, estar em posse de algo capaz de animá-lo e refere-se ao discurso. Ele conta que ao assistir De Volta para o Futuro 02, refletiu a respeito de num determinado momento vir a precisar da própria ajuda. O discurso inicia-se com a seguinte fala:
– Sheldon nunca se esqueça, não importa o quanto as coisas pareçam ruins você sempre.
O vídeo é interrompido e começa a passar um jogo de futebol americano. Zangado, o físico relata a sua esposa sobre seu pai ter gravado um de seus jogos idiotas de futebol e vai para seu quarto, rejeitando a ajuda dela. Ele justifica que para ajudá-lo, ela pode fazer uma máquina do tempo, para ele voltar e avisar ao jovem Sheldon para desistir, porque nada será do jeito como ele quer.
Leonard e Penny, ainda preocupados, entram em contato com Beverly Hofstadfer, mãe de Leonard e experiente psiquiatra. relatando os problemas enfrentados pelo amigo e sua dificuldade em lidar com a situação.
Ela explica e eles:
– Pelo jeito ele pode estar de luto, esse estado pode ser obtido por qualquer perda emocional. Quanto mais você se importa com uma coisa, maior o trauma por perdê-la.
Penny indaga o que pode ser feito para ajudá-lo, e Beverly considera:
– O luto é um processo. Toda cultura tem seus próprios rituais e tradições para facilitar o luto. No antigo Egito, havia a mumificação. Os tibetanos têm seus enterros celestiais.
Novamente o casal de amigos dirigem-se ao apartamento de Sheldon e Amy, para tentar ajudá-los. Propõe a realização de um funeral para que eles tenham a chance de se despedir adequadamente do artigo.
Durante a realização da cerimônia ocorrida numa banheira em chamas, Sheldon diz saber se tratar somente de uma teoria científica, mas para ele, era mais do que isso, ela descrevia um universo de uma forma nova e bela, ele queria que fosse o universo em que vivem, mas acha não ser o caso. Amy coloca fogo nas folhas onde encontra-se a teoria e o ritual se encerra.
Desta vez é Sheldon quem acorda de forma súbita e encontra Amy assistindo seu discurso, para ver se sobrou algo. Ele diz não ser importante, pois recorda-se de tudo. O vídeo reproduz George Cooper, seu pai, num discurso para o time cujo era treinador:
– Sei que estamos perdendo por muito. E se eu for honesto com vocês, provavelmente não venceremos, na verdade, definitivamente não venceremos. E se perdermos, precisam saber que não nos torna perdedores. Descobrimos quem somos e do que somos feitos, tanto com as derrotas, quanto com o sucesso. Talvez até mais. Podem ir para o segundo tempo com pena de si mesmos ou voltar e fazer algo a respeito.”
Sheldon se recorda do jogo, dizendo ser tão ruim a ponto de a líder de torcida do outro time tentar marcar um ponto. Amy expõe ter sido um bom discurso, mas sem impactos na prática. Seu marido a contrapõe, refletindo que para ele o jogo tinha acabado, mas eles estão apenas na metade e ainda tem muita física para jogar.
Ele continua analisando sempre ter achado sua jornada e a de seu pai tão diferentes, mas ambos lidaram com reveses e contratempos. Talvez a vida deles se pareça mais do que ele era capaz de imaginar. Amy acrescenta a respeito de que, por um ponto de vista, a vida de Sheldon e seu pai são assimétricas, mas, de outro ponto de vista, são simétricas. Então ela constata ser possível que a simetria e a assimetria dependam do observador. Isso significa que o artigo russo estava certo, mas apenas de uma perspectiva. Um olhar mais profundo sustenta a teoria e mostra que ela pode ser ainda maior do que a originalmente proposta.
Qual a sua perspectiva para lidar com o luto? Qual o seu referencial? Quais mudanças na sua forma de enxergar a situação são necessárias para melhores resultados?
Entusiasmados pela descoberta, eles vão corrigir o artigo. A cena termina com Sheldon olhando para o vídeo e agradecendo ao pai. Alerta de spoiler, a teoria é comprovada e no penúltimo episódio da série eles são indicados à honraria e no último episódio a recebem.
A história relatada acima evidencia a importância das companhias e pessoas em quem confiamos, bem como das nossas próprias crenças mais intrínsecas e arraigadas, para nos direcionar nos momentos de reveses. É curioso que embora o Sheldon estivesse num processo de reavaliação profunda, ele recorreu a sua própria pessoa, prevendo que uma situação como essa poderia acontecer em algum momento, mas isso só foi possível graças a um amigo.
Devemos nos atentar a um fator interessantíssimo. Ao tentar animar o casal de cientistas, Penny fala a respeito de estarem apenas na metade do jogo, entretanto é rebatida, dizendo se tratar de um papo bobo. Adiante se apresenta a mesma metáfora esportiva contestada inicialmente, mas no final ela é capaz de salvar e expandir a teoria.
Isso me leva a pensar que muitas vezes já dispomos das ferramentas necessárias para lidar com determinada situação, no entanto a nossa ótica, é determinante na melhor utilização dessas ferramentas. Nosso estado atual, é apenas o reflexo da forma como encaramos a situação. Volto a dizer, não podemos mudar o que aconteceu, mas assim como mudar o referencial, salvou a teoria da Super Assimetria, mudar seu referencial sobre o luto, pode lhe ser de grande utilidade. Não podemos mudar nossos problemas, mas podemos mudar a forma de enxergá-los, e quando assim o fazemos, os alteramos.
Outro fator importante é que enquanto Sheldon e Amy lamuriam-se apenas, ficam estagnados e paralisados, mas quando aceitam os fatos, resolvendo fazer algo a respeito, enfim são capazes de encontrar as respostas, em outras palavras, o estado de negação nos trava, mas um estado de aceitação, nos leva em direção a resultados melhores.
É triste saber que alguém querido se foi e nunca mais o veremos, mas não seria melhor pensar nos anos fantásticos onde pudemos desfrutar dessa companhia tão especial? Machado de Assis diz que há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinhos. Há outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas. Qual tipo de pessoa você quer ser?
Desta forma, o assunto luto é abordado na série. Esse estado, nos coloca em meio a diversos questionamentos, medos e dúvidas. Quando perdemos algo ou alguém importante, ficamos vulneráveis de diversas formas. Se não tivermos fé, esse tempo será mais difícil e doloroso do que o necessário. Vai doer, você se sentirá desanimado, desmotivado, sem vontade de diversas coisas, mas manter uma rotina de orações, colocar em perspectiva nossos sentimentos a Deus e pedir as ferramentas necessárias, tornará menos difícil e doloroso esse processo.
“Pedi, e dar-se-vos-á; buscai e achareis; batei, e abrir-se-vos-á. Pois tudo o que pede recebe; o que busca encontra; e, a quem bate, abrir-se-lhe-á.
Ou qual dentre vós é o homem que, se porventura o filho lhe pedir pão, lhe dará pedra? Ou, se lhe pedir um peixe, lhe dará uma cobra? Ora, se vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará boas coisas aos que lhe pedirem? Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles; porque esta é a Lei e os Profetas.” Mateus 7:7-12
Guilherme Machado
Contatos com o autor
- Mude o seu referencial - 23 de agosto de 2024
Guilherme Cesar Machado de Araujo, natural de Sorocaba (SP), 33, é graduando em Educação Física pela Fefiso (Faculdade de Educação Física de Sorocaba). Na área literária é escritor, filósofo e poeta. Escreve poesias desde 2002, tendo ingressado no site Recanto das Letras em 2011, visando compartilhar seus textos. Em 2012 foi um dos ganhadores do concurso de poesia promovido pelo Instituto Tatonetti, que homenageava os 402 anos da cidade de Itu.
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