Angelo Lourival Ricchetti: Continuação do livro ‘DA ARTE DE SE CRIAR PONTES’ – 8ª PARTE
NONO PEDAÇO DO MEU ROMANCE DA ARTE DE SE CRIAR PONTES
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Caíra numa armadilha. Mais eu era macaco velho e saíra dessa.
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(Continuação)
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Preparei uma ratoeira para pegar a ratinha.
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Meu vô não se comunica comigo. Ligo para a casa dele. Quem atende é minha prima Laura. Ela mora na casa do Lolou, ela, minha tia Amanda, suas duas filhas e minha vó Maria Júlia.
– Oi Laura, tudo bem?
– Com a gente sim.
– O quer dizer?
– O vô está internado no hospital.
– Como assim? Teve um ataque de coração?
– Nada disso. Ele foi a um comício em Tatui e lá jogaram um rojão em cima dele. Deu queimadura, até que leve, mas tem ficar no Hospital. Mas eu pensei que você soubesse disso…
– Não, ninguém me avisou.
– Teve reportagem na televisão falando sobre o comício e os feridos. Mas o vô está bem logo vai ter alta. Fui com minha mãe lá no hospital hoje.
– Tudo bem. Dê lembranças a todos aí e quando o vô sair do hospital me avisa ou pede para ele se comunicar comigo.
Desligamos. Fiquei curioso. Que comício foi esse? Ele tem 83 anos e não pode mais participar de política. Eu sei que ele sofre do coração, tem pressão alta, é ansioso. Toma um monte de remédios.
Nisso vejo a chave girando na fechadura. Quem será? Fico pronto. Tem havido roubo aqui nos apartamentos emprestados pela USP aos alunos.
Não é ladrão e sim a Cinthya. Ela ficou com a chave mesmo não sendo mais minha namorada. Ela chega agitada:
– Soube do comício e do sêo Lolou? Pergunta aflita.
– Acabei de falar com a Laura, parece que foi ferido, mas já vai sair do hospital. Como soube dessas coisas?
– Deu nos noticiários da rede de televisão e pela Internet. Eu vou lá fazer uma entrevista com ele, quer dizer, eu vou acompanhar uma equipe aqui da ECA, Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, que vai lá levantar o que está havendo na região. O assunto chamou a atenção do meu amigo e ele se interessou muito pelo que houve em Itapelinda.
– Seu amigo é?
– Calma, nada de sentimentalismo bobo, certo? O Marco Antonio é um ótimo amigo, nada mais!
Eu faço que sim com a cabeça. Ela segue em frente animada!
– Quem sabe nos poderemos explorar e expor como essa revolução pacífica muda parâmetros em Itapetininga…
– Pacifica? Meu vô está no hospital! Tem mais feridos e eu nem sei como isso foi acontecer.
– Então se junte a nós e vamos lá ao fim de semana.
– Combinado! Nos demos as mãos e o aperto de mão foi forte. Estou triste e feliz ao mesmo tempo. Como isso pode acontecer? Vou faltar a algumas aulas se for o caso de ficarmos lá, mas depois eu reponho as matérias.
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Enquanto espero o Lolou se comunicar comigo continuo lendo os textos do Uth.
Quero saber o que vai acontecer. Já sei que Uth e Lucila se casam. Porém ele narra algumas armadilhas que são postas à sua frente para impedir que esse desejo de casamento aconteça.
Essa é mais uma qualidade ou defeito que percebo no bisavô. Ele não desiste nunca! Sempre às voltas com a questão do trabalho, sempre saindo dos percalços, Tudo que lhe acontece não é esperado e mesmo assim ele planeja se casar com minha bisavó Lucila.
Eu também não vou desistir…
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(Décimo oitavo texto do Uth Ricchetti certamente usando sua memória para relatar os fatos que LCMR, ou seja, Lucila de Campos Mello Ricchetti ia escrevendo com sua letra em cadernos escolares).
Vou contar como foi a ratoeira para pegar a ratinha.
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Maud fora visitar o tio em Lençóis. Nessa cidade eu conhecia um rapaz de nome Zilo. Contei-lhe o meu drama. Ele então me falou:
– Pode deixar por minha conta. Sei lidar com esse tipo de gente. Quando tudo estiver pronto telefono para você.
Não demorou uma semana recebi o telefonema. O nosso encontro (os três) seria no cinema.
Eu peguei os dois juntos e acabei aí mesmo com a palhaçada do noivado.
Ela disse ao pai que o outro rapaz era um milionário e assim seria melhor e o canalha gostou. A pobre mãe pediu-me desculpas pelo marido e a filha. O rapaz logo tirou o corpo dizendo para mim:
– Nossa que coisa fácil!
Essa coisa fácil terminou em São Paulo com o meu namoro com Marieta, moça que eu começava a gostar muito.
Ela soube de tudo pelos parentes da Maud que iam à missa no Coração de Maria.
Eu não sabia desse detalhe e fui ao seu encontro no dentista.
A Marieta estava com um rapaz subindo a ladeira, quando me viu ficou pálida e sem jeito. Não disse nada, virei as costas e segui o meu caminho.
Achava aquilo uma traição da Marieta. Foi a própria Lucila que me falou que não era traição, pois a Maud era parente dos parentes da Lucila. Foram esses parentes que mostraram os convites e o jornal para a Marieta.
Ela, com isso quis dar-me uma lição e saiu mal! Estava terminado o nosso romance.
Mais tarde, encontrando com alguns amigos soube que alguém queria falar comigo (era Lucila).
Fui para o Bairro Paraíso ver o que a Lucila queria. Voltarmos a conversar como amigos. Eu estava muito machucado com a Marieta e a própria Lucila. As duas que mais amei na vida.
A Lucila nada respondeu e caminhamos quietos pelos quarteirões.
Quando menos esperávamos, nós estávamos de mãos dadas. Todas as lembranças do passado voltaram e continuamos fortemente o nosso grande amor.
E daí combinamos o nosso casamento. A Lucila era maior (24 anos).
No dia 19 de janeiro de 1939, na Igreja santa Cecília, houve a tão esperada cerimônia religiosa.
Voltando a São Manuel e trabalhando na Casa Ricchetti, eu economizava e começava a guardar dinheiro para as despesas do nosso casamento.
Queria ser feliz, pois havia sofrido muito desde os meus dezoito anos com namoros.
Estava completando 28 anos.
Este é o primeiro caderno – LCMR – 1984 S. Manuel
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Recebo um e-mail do meu avô Lolou. Coloca um texto como arquivo. Diz que resolveu escrever contando de modo mais detalhado o que houve com ele. Não quis usar a Internet, pois era limitada para o que tinha de contar. Abro o arquivo e reproduzo aqui o conteúdo.
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Este é o texto do Lolou no e-mail:
O prefeito Pedro vem falar comigo e se senta na minha frente na minha sala de visitas. Diz:
– Você participou da luta desde o começo para conseguir com a ajuda do governo municipal uma vida mais saudável em nossa Itapelinda. Venho lhe trazer como essa luta e o que decorreu agora está sendo posto por terra por meio de várias subversões.
– Não me diga? Me dê um exemplo, por favor.
Tem vindo gente de Tatui vender produtos contaminados por agrotóxicos. Usam de artimanhas para ludibriar as pessoas daqui. Nossos agricultores já estavam nos contando que a contaminação do nosso solo era causada pela chuva e pelos ventos vindo de Tatui e agora mais essa: a venda clandestina de produtos contaminados.
– E o que está sendo feito para corrigir esse problema?
– Fizemos reuniões de estudo até chegar a um consenso: enquanto Tatui não for também um município saudável, vamos estar sempre ameaçados. Por esse motivo resolvemos fazer um comício de explicações às pessoas de Tatui visando aderir à nossa causa de uma economia ambientalista, uma saúde visando sua preservação, não consumindo remédios químicos e com uma alimentação vegetariana…
– Sim, sim, conheço tudo isso bem. Mas as autoridades lá estão de braços dados com o poder econômico das grandes organizações e não vão deixar acontecer esse comício de educação ambienta.
– Por bem ou por mal nós vamos lá dar o nosso recado. Foi um erro tático nosso pensar que poderíamos ter uma Itapetininga saudável sem que isso acontecesse com a região toda!
– Esses conceitos me fazem lembrar das divergências entre Lenin, desejando o comunismo primeiro apenas na Rússia e depois ver o que iria se fazer e o seu oponente, Leon Trotsky exigia que o comunismo se espalhasse por todos as nações.
– Nós do grupo de implementação de municípios saudáveis sabemos da sua idade e de sua contribuição à nossa causa e achamos por bem vir comunicar o que vamos fazer e se tem alguma sugestão.
– Imagino que nada que falar vai mudar a proposta. Percebo que é uma tentativa válida e melhor do que simplesmente fechar Itapetininga. Vou participar desse comício.
Pedro olha para os colegas presentes e fica sem jeito. Diz:
– Não precisa participar, pode haver algum risco, nunca se sabe.
– Não vão me negar de participar. Vou junto com vocês.
Na hora marcada entro na perua onde já estão os demais colegas e rumamos para Tatui, nossa cidade vizinha. Chegando lá começamos com o carro de som a chamar as pessoas e os primeiros oradores iniciam suas falas mostrando o melhor valor de munícipes com mais saúde, melhores produtos, etc.
As pessoas se juntam e ouvem com muita atenção. Chega a minha vez. Assumo a posição naquele palco estreito e começo a contar como foi que Itapelinda conseguiu vencer os que ocupavam o poder associados com todo tipo de empresa interessado no lucro e não na qualidade de vida, inclusive profissionais ditos liberais, escolas, etc.
– O velho caduco! Saia daí e vá à merda!
Um dos jovens grita. Outra jovem cerra os punhos e grita:
– Velho comunista, veio aqui comer criancinha? Vamos por vocês todos nesse palanque para correr!
Parece que é uma senha esses gritos porque logo a seguir um grupo de jovens, como se fosse uma orquestra bem treinada começam a acender vários rojões, todos os jovens comandados por um cidadão e miram a mim e todos os amigos no palco. De repente sinto uma dor no peito e tudo fica escuro.
Acordo no Hospital de Itapetininga com boa parte do corpo queimado. Foi isso que aconteceu.
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Lido o texto fico pensando que essa outra fase da luta pelos valores humanos já começou, mas não terá fim. Logo virá a invasão de Itapelinda pelos municípios vizinhos como Quadra, Angatuba, São Miguel, etc, etc.
Como vou junto com a equipe da ECA creio que poderia falar com o Vô Lolou sobre outras estratégias, além dessa dos comícios. Enquanto não estou indo abro outro texto do Uth Ricchetti. Depois eu comento todos que li com o Lolou quando houver a oportunidade. Também gostaria que minha ex-namorada lesse os textos do Uth.
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(Décimo nono texto do Uth Ricchetti).
Começamos o nosso segundo noivado. Uma vez por mês ia a São Paulo.
Indo ao cinema levávamos como “vela” a minha futura sogra (Dona Catita).
Fomos ao teatro e dona Catita convidou também sua cunhada Chiquinha.
Ao comprar as entradas eu dei a Dona Catita, uma impar e uma par. Ela pensou que fosse sentar ao lado da filha e ai se enganou. Ficou noutra ala com a cunhada. Eu fizera isso de propósito. Sentamos só nós dois e ela olhava de longe sem jeito para nosso lado.
Na aproximação do dia do nosso casamento pedi ao Antônio Gimenes que arrumasse os papéis e procurei uma casa para alugar.
Achei uma à Rua Dr. Julio de Faria nº 227.
Ganhei de presente de mamãe a mobília de quarto, a minha irmã Linda nos deu a sala de jantar e a minha sobrinha Vera (filha de Linda) ajudou-me a pintar a prateleira para cozinha.
Comprei para cozinha uma mesa com a cor verde. (verde é a paixão de Lucila).
Tudo pronto fui a São Paulo onde a Lucila também estava pronta para o casamento.
No civil foram os meus padrinhos meu irmão Henrique e sua esposa Silvia e da Lucila foram padrinhos o Dr. Alberto César Moreira e senhora.
Depois do casamento civil fomos para a casa dos pais de Lucila e ai fumamos (eu e meu sogro) o charuto da paz.
Era uma promessa que eu fizera.
À tarde na casamos na Igreja Santa Cecília.
Meus padrinhos: Fausto (meu irmão) e Ana (minha cunhada).
O Fausto não pode ir porque estava em reunião com o Governador do Estado de São Paulo.
O sogro do Fausto, o senhor Godofredo Helene o representou. Do lado da Lucila foram: Dr. José Ferreira de Castilho e Maria Elisa Toledo Ferreira de Castilho (a esposa).
Depois do casamento fomos ao apartamento de minha cunhada Nenê (irmã de Lucila) casada com Francisco Perrone, moradores na Avenida São João.
Lá trocamos e roupa e fomos jantar num restaurante.
A nossa lua de mel seria em São Manuel, na nossa casa.
Antes de embarcarmos para nossa terra passamos na Rua Lopes de Oliveira onde a Lucila morava com os pais, na Barra Funda.
Lá estavam nossos presentes do pessoal de São Paulo.
Vimos também a vovó de Lucila, pelo lado materno (dona Maria Eulália). Uma verdadeira santa.
Tomamos o trem para São Manuel.
Começamos a nossa tão desejada Lua de mel.
Agradeço ainda hoje às pessoas que concorreram para nosso final tão feliz. Ao padrinho da Lucila, Dr.Alberto Cesar Moreira, que ofereceu uma viagem ao Rio de Janeiro com tudo pago. Mas não fomos.
Agradeço à minha mãe Maria Joana, à minha irmã Linda, á Dona Maria Elisa Toledo Ferreira de Castilho, ao Dr. José Ferreira de Castilho, à Nenê, minha cunhada (Maria da Conceição de Campos Mello Perrone), ao senhor seu marido Francisco Perrone e a minha sempre querida sobrinha Vera Ricchetti Ricci da Silva.
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– Laura tudo bem? É o Kainã.
Falo pelo Skype com ela.
– Está tudo bem porque o vô já está em casa!
– Eu ia perguntar isso. Vamos nos ver no fim de semana ai em Itapê.
– Podem vir, estamos já preparando tudo aqui.
– Eu já posso falar com o Lolou? Estou lendo adiantado os textos do bivô Uth e tenho perguntas.
– Pode sim. Vou falar com ele para entrar no Facebook.
– Obrigado Laura, um beijo do seu primo Kainã.
– Outro.
Ligo meu laptop e já percebo o Lolou.
– Espero que esteja bem. Andei lendo os textos do Uth e tenho perguntas.
– Pode fazer. Mas vocês vêm no final de semana né?
– Vamos sim. Vamos às minhas perguntas então. Já cheguei na minha leitura quando Uth e Lucila se casam. Mas foram poucos os parentes na cerimônia.
– Isso demonstra a não aceitação desse casamento. Naquele tempo era difícil alguém de uma família tradicional se casar com um descendente de imigrantes. Ainda ficaria pior quando eu nasci no dia 19 de novembro de 1939, data que se comemora o Dia da Bandeira do Brasil.
– Por que não se casavam? Por que ficou pior?
– Calma, Kainã, vou explicar. Vou passar por e-mail um arquivo, ok?
Fico aguardando a chega do e-mail. Pronto. Chegou. Abro e leio
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São Manuel no começo de 1900 era constituída por quarenta por cento de famílias tradicionais que dominavam o governo local. Muitos eram ricos fazendeiros e cultivavam café em alta até a queima em 1930 a mando de Getúlio Vargas para aumentar o preço da saca. Ele mandou desapropriar a produção cafeeira, pagando aos donos das fazendas.
Já os italianos haviam começado como empregados nas fazendas e aos poucos foram mudando para a cidade se dedicando ao pequeno negócio de compra e venda, ao artesanato, às ocupações voltadas aos serviços de manutenção.
Formaram bandas de música, aliaram-se aos padres italianos, para a missa, exibição de filmes, peças teatrais e estudos para os filhos já nascidos no Brasil.
Estavam organizados e percebiam que os “filhos da terra” habituados a serem sempre a elite da sociedade não gostavam dessa ascensão dos imigrantes.
Mas os italianos de São Manuel são diferentes daqueles italianos dos outros estados que formavam comunidades fechadas, curtiam os eventos da cultura italiana e tentavam não precisar de nada dos brasileiros. Eram colônias quase fechadas.
Portanto, os italianos de São Manuel queriam “esquecer” de algum modo a sua condição de migrantes se acasalando com pessoas das famílias tradicionais.
Com a Segunda Mundial, a Italia ao lado do Eixo Alemanha e Japão causa um rebuliço enorme nas colônias e são proibidos de falar em italianos, não usar símbolos nazistas, não usar rádios e muitos vão parar em campos de concentração.
Já em São Manuel, como os italianos procuravam se integrar à cultura paulista, o rebuliço foi menor, embora houvesse um arrefecimento na questão dos casamentos. O casamento entre membros de famílias italianas se torna um padrão ao mesmo tempo em que esses imigrantes se tornam mais ricos.
Uth e Lucila lembram, de certo modo, Romeu e Julieta, com a diferença que se casam e passam a ter filhos e vão constituir uma descendência tão numerosa que a foto que registra os sessenta anos de casados dos dois tem tanta gente que quase não cabe na foto embora eu tenha me afastado tanto para bater a foto, quase não vendo mais os rostos.
Talvez se os originais Romeu e Julieta, criação maravilhosa de William Shakespeare, não tivessem morrido levariam uma vida difícil e complicada.
Se não me engano Romeu e Julieta aconteceu em tempo de paz. Mas meus pais não. Lembre que nasci junto com a guerra mundial, a segunda. Ainda hoje eu tenho a lembrança do cheiro do combustível que substituía a gasolina para o motor dos veículos. Eu estava com quatro anos de idade.
Dos costumes o que mais me chamou a atenção e me marcou foi a procissão de Cristo morto, as pessoas chorando, se lamentando o tempo todo, sentindo de verdade que Cristo havia morrido. Ainda por cima, a banda musical acompanhava a procissão com músicas próprias de tragédia.
Os italianos sempre são assim mesmo, altamente emotivos. Também eu, é claro. Mas aquela cerimônia fúnebre, aos quatro anos de idade me marcou para o resto da vida, inclusive no meu medo da morte.
Em compensação a primeira peça teatral, no então Teatro que existia, não sei se ainda existe, com os alunos do Seminário que formava os padres, fez nascer em mim o desejo de cultivar a dramaturgia.
Lembro bem da primeira cena e que me mostrou sem eu mesmo saber que aquilo era “dramaturgia”.
O pano se ergue e entra dois estudantes para padre, um em cada lado do palco. O primeiro começa a falar do que se trata, quando o segundo interrompe e diz que ele é que vai contar. O primeiro reage e começam a discutir. Então entra um padre já formado e diz que ambos vão contar do que se trata.
Também os filmes passados no antigo Cine Paratodos influenciaram no meu amor à arte do cinema.
O Paratodos morreu como todos os cinemas de rua morreram nesse nosso Brasil de Shopping Centers. Em São Manuel quando eu ia de férias da faculdade ver meus pais ainda vi e frequentei o Cine São Manuel cujo dono era um ex-prefeito.
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– Nossa, desculpe meu neto, me perdi no assunto que você queria e as memórias me invadiram… Ele me fala pelo Skype.
– Tudo bem, Lolou, não se preocupe. Creio que você está me passando o clima, a cultura, o modo de ser de como era a vida em São Manuel. Lembra dessa primeira casa que seu pai alugou?
– Lembro sim, lembro bem que para entrar na casa haviam três degraus. Lembro bem, pois foi ai meu primeiro tombo.
– Preciso sair da Internet para estudar para a prova de amanhã. Até o fim de semana vô Lolou.
– Até… Me diz vem uma equipe de televisão, jornalistas e tudo?
– Vão umas três a cinco pessoas, eu e a Cinthya. Fazem parte de um projeto de um amigo dela que estuda na ECA da USP. Vão colher depoimentos, imagens, documentos, para mostrar esse programa inovador de Cidade Saudável. Saindo…
Desligo e vou pegar os livros de Arquitetura para me sair bem na prova.
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Depois de algumas horas de estudo, dou uma pausa e continuo a ler o que o Uth fala da sua vida.
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(Vigésimo texto do Uth Ricchetti)
No nosso novo lar tínhamos como vizinhos: os senhores Amadeu Menocochi, Honório Genebra, nos fundos, o Sr. Luiz Siqueira, todos muito bons.
Logo depois de uns meses de casados eu comecei a sentir muitas dores num dos dentes.
Eu tratava meus dentes com o Sr. Waldomiro Isique. Ele arrancou um dos dentes e disse:
– Pronto! Logo a dor vai passar.
E nada de melhorar.
Os dias corriam e eu não dormia, não comia e comecei a emagrecer.
A Lucila também foi enfraquecendo e ninguém descobria a causa da dor de dentes e o que fazer.
À noite, principalmente, eu ficava desesperado de dor e ai pedia à Lucila que chamasse um dos vizinhos.
Ora aparecia o Sr. Honório, ora o Sr. Siqueira, a dona Angelina, esposa do Sr. Amadeu Menocochi.
Nesse tempo a Lucila estava grávida e todos preocupados, pois ela emagrecia em vez de engordar.
Um dia o meu irmão Hermínio trouxe o Dr. Gianella e ele passou o bisturi na minha gengiva sem anestesiar. Eu dei um grito e desmaiei de tanta dor.
A dor não passava.
O desespero de Lucila era grande. Ela resolveu me levar para São Paulo, porque os daqui não tinham soluções.
O Dr. Gentil, médico da família disse ao Hermínio:
– Não deixe a Lucila levar o Uth. Ele está muito fraco, vai morrer no caminho (oito horas de viagem de trem).
A Lucila não atendeu a ninguém e ainda falou:
– Se morrer, morre nos meus braços, aqui ele não fica mais nem um dia.
E assim, contra a vontade de todos, ela me levou para São Paulo.
Seu grande amor me salvou.
Na capital o meu dentista era o Dr. Lima. Logo tirou uma radiografia e descobriu o tal dente.
Arrancando-o a dor passou. Ele falou:
– Mais uns dias seu marido morreria. Isso que fizeram com ele é um crime.
Assim foi a primeira luta depois do casamento.
E foi assim mesmo que a Lucila me salvou para vida.
O nosso amor solidificou-se ainda mais.
Estávamos prestes a ser papai e mamãe e ai aconteceu outra vez um grande sofrimento para mim.
Iria nascer o primeiro fruto desse nosso amor e a Lucila escorregou e caiu no quintal.
Uma hemorragia quase acabou com ela (a Lucila) e o nosso filho Angelo.
Houve junta médica e os doutores Gentil Pacheco e Nilo Chavasco muito trabalhavam para salvar a mãe e o filho.
Queriam salvar primeiro a Lucila e depois veriam que poderiam fazer.
E salvaram os dois entes mais queridos para mim, até então.
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Vamos de mini ônibus para Itapetininga. A equipe consta de Marcel, na câmera digital, o Alfredo no boom do microfone, a Lúcia, encarregada da gravação do som das filmagens, sendo o amigo da minha ex-namorada, um tal de Marco Antonio, o entrevistador e chefe do projeto. Eu estou feliz, pois vou sentado ao lado da Cinthya.
A viajem dura cerca de duas horas, contando com a parada para lanche no meio do caminho.
Ao passarmos por Tatui tem um bloqueio da Polícia Rodoviária. Pede os documentos e faz perguntas. Depois o tenente devolve e fala para alguém que estamos indo para Itapelinda.
Acho aquela informação estranha! Logo compreendo. Pode ser que não somos bem vindos. Ao chegarmos à entrada da cidade percebo outra barreira. Para mim já é demais. Aviso ao motorista para tomar um atalho que conheço.
É meio dia e estamos parando em frente da casa do Lolou. Abraços, beijos, frases de apresentação. Chegam de carro um senhor de idade, Adamastor e o Pedro, reeleito como administrador público do município. É combinado que todos nós vamos almoçar juntos no salão da Câmara Municipal e depois vamos poder saber sobre como é o Programa do Município Saudável. Vô Lolou se incorpora ao grupo.
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(continua)
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É fundador e um dos editores do Jornal Cultural ROL e do Internet Jornal. Foi presidente do IHGGI – Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Itapetininga por três anos. fundou o MIS – Museu da Imagem e do Som de Itapetininga, do qual é seu secretário até hoje, do INICS – Instituto Nossa Itapetininga Cidade Sustentável e do Instituto Julio Prestes. Atualmente é conselheiro da AIL – Academia Itapetiningana de Letras.