Renata Barcellos: ‘Brasil??? Não!!! Somos Brasis!!!’


Eu e Campos Filho participamos de diversos sodalícios e viajamos muito devido aos compromissos acadêmicos. Na última semana, foi o III Simpósio Nacional de Confrarias e Academias de Ciências, Letras e Artes, realizado de 22 a 24 de agosto de 2025, no Convento São Francisco, em São Cristóvão, Sergipe.
Este evento é organizado pela Confraria Sancristovense de História e Memória, presidida pelo historiador Adailton Andrade. Fomos como fundadores do BarcellArtes, âncoras do Programa Pauta Nossa, membros fundadores da Academia Olindense de Letras e diretora cultural UBE RJ (eu). Lá, fui agraciada com a Medalha Cultural Beatriz Nascimento pelo reconhecimento do meu trabalho realizado em prol da cultura e da educação. Gratidão! Fiquei lisonjeada e mais ainda pela medalha ser uma homenagem ao contributo desta estudiosa.
Maria Beatriz Nascimento foi historiadora, professora, roteirista, poeta e ativista brasileira pelos direitos humanos de negros e mulheres. Tornou-se influente nos estudos das relações raciais no Brasil após sua notoriedade em organizações acadêmicas do movimento negro. Suas obras mais notórias são o documentário Ori (1989) e artigos sobre o conceito de quilombo na História, raça, racismo e sexismo. Parabéns à organização do evento pela escolha do nome a ser homenageado na medalha!
Provenientes de diferentes cidades brasileiras, o evento teve a participação de diversos escritores (como as cordelistas Salete Nascimento e Maria Parahybana), pesquisadores (como João Love, Tancredo Wanderley e Thiago Fragata) e representantes de academias de Letras (como Raimundo Campos Filho – presidente da AOL e Francisco Moura – presidente da ACLA) e de projeto (como Estella Cruzmell idealizadora do Santa Leitura: uma biblioteca a céu aberto – completou 15 anos e tornou-se lei estadual 25.280, de 03/06/2025).

Ocorreu uma vasta programação: palestras, feira de livros, sessão de autógrafos, abertura da exposição Fé e cultura: procissão do fogaréu, sarau, tour com visitação aos monumentos históricos da antiga capital de Sergipe, apresentação do grupo Quebra Coco, no cortejo da Praça São Francisco até a Rua Gastronômica…
De acordo com Moura, “foi um evento de tamanha magnitude para a vida Acadêmica do nosso Brasil, quanto a minha avaliação, um evento coroado de muito êxito, uma organização perfeita, todos os idealizadores estão de parabéns, um evento que já tem todas as características de São Cristóvão, eu particularmente fiquei muito feliz, tivemos o prazer de participar com a Academia de Ciências, Letras e artes de Columinjuba-ACLA, do Município de Maranguape Estado do Ceará, com uma comitiva de 34 membros Acadêmicos, mais feliz ainda, fui condecorado com o título de COMENDADOR, que muito me envaidece, sou muito grato pela honraria a Academia Riachuelense de Letras, Ciências e Artes-ARLA”.
Cabe ressaltar que a ACLA foi criada em 21 de junho de 1992, no Sítio Columinjuba. Local de nascimento de Capistrano de Abreu, conhecido como Príncipe dos Historiadores do Brasil (foi Membro da Academia Cearense de Letras e Presidente de Honra da ACLA de Columinjuba).
Eu e Campos Filho fomos convidados a integrar este importante sodalício como membros correspondentes, a fim de contribuir com a divulgação de seus legados: reconhecimento de historiadores em uma época que o estudo da História ainda era recluso e como patrono da historiografia brasileira foi responsável pela renovação dos métodos de investigação e interpretação historiográfica no Brasil. Gratidão, Francisco Moura!
Vale destacar que a Praça São Francisco, onde fica localizado o convento, foi reconhecida como Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO, em 2010, por ser um conjunto monumental único que representa um testemunho da época das uniões entre as coroas de Portugal e Espanha (entre 1580 e 1640), além de ser um exemplo da implantação de Praças Maiores nas cidades coloniais, seguindo as Leis das Ordenações Filipinas.
Nele, está localizado o conjunto arquitetônico conhecido como Convento São Francisco compreende a igreja, o convento e a ordem terceira, que hoje abriga o Museu de Arte Sacra. A construção do convento foi em 1657, época da chegada dos Frades Franciscanos, em São Cristóvão.
O Superior da Ordem era frei Luiz do Rosário, um frade franciscano português. Em 1659, foi construída a Igreja e o recolhimento dos Franciscanos. Já, em 1693, foi lançada a primeira pedra do Convento. Porém, o conjunto só foi concluído na segunda metade do século XVIII, devido à pobreza da Ordem Franciscana e da sociedade da época.
Lá, ocorreu o evento, ficamos hospedados e muito bem recebidos e alimentados pela irmã Palmira, responsável pelo Convento. Comida e sucos deliciosos. Gratos por tudo!!! Segundo a religiosa, o convento São Francisco “(fundado em1657 com o nome de convento Bom Jesus da Glória, nome de origem ou também convento de Santa Cruz) tem uma grande importância na vida dos moradores de São Cristóvão. Nele, além de terem residido os Frades Franciscanos de 1657 a 1965 e depois o noviciado da nossa congregação Irmãs Franciscanas Missionárias de Nossa Senhora de 1967 até 1978. Hoje, residimos ao lado do convento. Aqui, realizam diversos encontros de Jovens, retiros, Simpósios etc. A importância da vivência espiritual na vida das pessoas que aqui chegam”.
Gostaríamos de ressaltar como ficamos sensibilizados com a coragem da irmã Palmira estar à frente de uma instituição daquela imensidão sem apoio. Mantém o prédio com recursos provenientes dos eventos realizados. O setor público e a comunidade do entorno precisam se conscientizar de sua representatividade. Manutenção é constante. Sempre há algo para se fazer reparos. Contribua para sua manutenção. Mantenha a memória viva.
Sobre mantermos a ‘memória viva’, João de Sousa Lima (escritor e historiador – Membro da academia de letras de Paulo Afonso-cadeira nº 06) proferiu uma riquíssima palestra sobre as mulheres no cangaço. Urge termos conhecimento do papel da mulher neste momento da história brasileira. Conforme o estudioso, o cangaço foi um fenômeno social acontecido unicamente no Nordeste Brasileiro, tendo vários representantes, sendo o mais famoso deles o cangaceiro Lampião e sua mulher a Maria Bonita.
A construção das relações sociais entre pessoas e a natureza e o desenvolvimento de cada sociedade, vão construindo aos poucos as culturas dos povos. Com base nestas culturas, vemos que homens e mulheres mudam de papeis, dependendo de qual contexto esteja inserido e do momento histórico vivenciado.
Dentre as controvérsias da história, se edifica um Movimento do Cangaço determinado segundo inúmeros escritos, entre um misto de justiceiros e bandidos. Frente ao absolutismo dos coronéis, num cenário sertanejo tão adverso, o papel secundário das mulheres, dá lugar à atitude frente à sobrevivência na esperança justiçosa.
Mulheres e homens como sujeitos coletivos assumem papeis semelhantes na trajetória do cangaço. Pobreza e exclusão são fenômenos que atingem de forma diferenciada homens e mulheres. Para as mulheres, a realidade de carência é ainda pior, pois são elas encarregadas pela herança patriarcal, de executar tarefas majoritariamente dependentes da provisão masculina para sustentar a família.
Dessa feita, numa visão preconcebida, parece inapropriado o protagonismo de mulheres embrenhadas nas caatingas, em pleno Sertão no exercício de temidas cangaceiras. Essas mulheres, de femininas tornaram-se mulheres de afronta, mesmo com querelas, a anticultura de domínio e da violência de gênero.
A condição de subalternidade das mulheres tem sido explicada por diferentes estudos, em diversas áreas do conhecimento. Mas é com base nesta concepção, que o protagonismo das mulheres no cangaço se revela, no rompimento familiar no fascínio dos bandos, nas agruras do tempo, na sorte que lhes escapavam e nos papeis que a sociedade lhe impunha, elas protagonizaram cenários.
Historicamente, as mulheres têm sido coisificadas, violentadas, agredidas, subjugadas e oprimidas. A opressão ‘bloqueia a capacidade das pessoas encontrarem os caminhos para mudar o mundo e a si mesmos, de modo que o oprimido pode nem sequer enxergar sua opressão’ (BEAUVOIR, 2000). As mulheres do cangaço buscaram outros caminhos, se destacaram, transformaram-se de fêmeas em mulheres na condição do cangaço. Elas impuseram uma identidade própria, personalidades singulares. Foram perseguidas, enfrentaram estruturas de poder, criaram estratégias de sobrevivência, influenciaram posturas, ditaram regras e tornaram-se temidas cangaceiras no controverso mundo dos homens do cangaço”.
Tivemos a satisfação de conhecer a estudiosa Edna Martiniano (socióloga, escritora e pesquisadora dos povos indígenas no Ceará com Pitaguary). Ao término do evento, fez esta excelente sugestão no grupo “sugerir um tema que é bastante caro para todos, (caso o próximo Simpósio seja em São Cristóvão/SE), que é a questão dos povos originários do estado, os Xokós*, cuja resistência e genocídio foram apagados da história.
Além do intenso extermínio físico, os primeiros sergipanos foram vítimas de um perverso e permanente apagamento histórico. Os estudiosos Felisbelo Freire, Beatriz Góis Dantas e Antônio Wanderley são unânimes em afirmar que a história oficial do Estado é distorcida e omissa quanto aos povos originários.
A narrativa da inexistência de “índios puros” foi sistematicamente difundida entre autoridades, imprensa, aristocratas e até intelectuais no século XIX, estendendo-se por décadas do século XX. Seria extremamente salutar o próximo Simpósio abordar a questão e daria uma grande contribuição à luta do povo Xokó e os demais povos que ainda não foram reconhecidos oficialmente, além do que, Sergipe é nome indígena, “rio dos siris”, em Tupi.
O brasão do Governo de Sergipe conta com uma ilustração do cacique Serigy, escravizado e barbaramente morto pelos invasores. Como pesquisadora dos povos indígenas no Ceará e autora de uma pesquisa sobre o *povo Pitaguary (que habita os municípios de Maracanaú e Pacatuba/CE)*, reforço esse pedido, na certeza de que estaremos dando uma grande contribuição ao estudo e à luta desses povos que resistem para manter suas culturas, tradições e modos de vida, apesar de terem enfrentado genocídio, apagamento histórico e a perda de terras, ainda enfrentam violência e preconceito”. Com certeza, apoiamos a sugestão da temática dos povos originários e do contributo naquela região!!!
Esperamos que outros simpósios sejam realizados em diferentes municípios brasileiros a fim de difundir a cultura local, divulgar escritores e pesquisadores… Que outros Brasis sejam desbravados!!! Urge as instituições de ensino mergulharem em mares pouco navegados!!! Aos interessados pelas letras, deve-se trabalhar diversas vertentes literárias como o cordel e autores dos povos originários e da literatura infanto-juvenil (quantas obras e escritores tivemos a satisfação de conhecer), disponibilizar obras em formato de HQ…
Finalizamos esta reflexão com um fragmento do poema Sonho de Maria Beatriz Nascimento, 1989: “Seu nome era dor / Seu sorriso dilaceração / Seus braços e pernas, asas/ Seu sexo seu escudo / Sua mente libertação / Nada satisfaz seu impulso / De mergulhar em prazer/ Contra todas as correntes / Em uma só correnteza / Quem faz rolar quem tu és? Mulher!…”. SOMOS BRASIS!!!
Renata Barcellos
- Educação fim de linha - 2 de dezembro de 2025
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Natural do Rio de Janeiro (RJ), é pós-doutora em Língua Portuguesa e em Literatura Brasileira pela UFRJ e professora da Educação Básica à Superior. É membro de diversos sodalícios: APALA, ALAP, AJEB RJ, SCLB MA, AMT, AOL, ABRASCI, ABRAMIL, Pen Clube; membro correspondente do Instituto Geográfico de Maranhão, da Academia Maranhense de Letras e da Academia Vianense de Letras. Membro dos grupos de pesquisa GELMA e do Formas e Poética do Contemporâneo – ForPOC (CNPq/ UFMA/ CCEL). Âncora do Programa Pauta Nossa na Mundial News e fundadora do Barcellartes. Escreve matérias e entrevistas para o saite Facetubes, para o Jornal Terra da Gente e A voz do Escriba e para revistas como 7 Literário News, LiterArte SP, Revista Sarau e Voo livre.


Excelente evento! A Confraria Sancristovense é uma inspiração! Parabéns, Renata!
Parabéns a Renata Barcelos e o esposo por fomentarem a cultura pelo nosso Brasil
Excelente matéria.