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Élcio Mário Pinto: 'Quando tudo era virtual…'

ÉLCIO MÁRIO PINTO – ‘QUANDO TUDO ERA VIRTUAL..’

 

 

Olhando para a imagem, ela deslumbrou-se. Era belíssima! Foi o seu primeiro sentimento contemplando suas muitas diferenças.

Sem demora, mirou a câmera do celular naquela direção. A fotografia foi instantânea.

– Que linda! – disse para si mesma, em voz alta, enquanto afastava-se do objeto fotografado. A imagem agora, capturada pelos fótons – partículas de luz – em contraste com a iluminação natural e na velocidade de 300 mil km por segundo, já fazia parte do acervo armazenado numa memória virtual.

À primeira pessoa que aproximou-se, ela, toda feliz, como alguém que consegue algo valioso e importante, mostrava a fotografia:

– Veja só como é linda, não é?

As amigas, todas admiradas, comentavam a respeito das cores, dos ângulos e das formas. Até que uma delas respondeu:

– Acho que as cores poderiam ser realçadas.

– Ótima ideia! – foi seu entusiasmado comentário, enquanto segurava o celular com centenas de fotografias em algum lugar, que não era físico, não existia como se pode pensar, mas que estava no aparelho.

– E se eu fizer assim… ou mais forte aqui, menos brilho lá…

Eram todas as iniciativas de quem aprisionara a imagem real na memória, incrivelmente grande, de um celular.

As amigas, então, ocupadas com as alterações nas cores e no foco da imagem, distanciaram-se da fonte real, recentemente capturada.

Conversavam animadamente, ou melhor, quase sem palavras, com muitos gestos comandando o teclado do celular, mas não visualizavam a origem do que a pequena tela apresentava.

Gostaram do resultado. Sorriram uma para a outra, trocaram beijos no rosto e sem se voltarem para a realidade fotografada, já esquecida, foram divulgar a virtualidade pela tela do celular.

– Então, você capturou a realidade e congelou o tempo?

– Como assim, professor?

– É o que o seu celular fez.

– Fez o quê, me desculpe?

– Ora, no contraste entre luz e velocidade, a fotografia é uma espécie de “escrita” pelas partículas que iluminam, os fótons, entendeu?

– Mais ou menos.

– E você gostou?

– Adorei!

– O que fará com a imagem?

– Como assim?

– Você a tem na memória do celular. O que fará com ela?

– Deixarei aqui para mostrar a alguém.

– A quem?

– A qualquer um que queira ver.

– E depois?

– Depois, talvez eu delete, apague, entendeu?

– Entendi. Então, diga-me: onde fica o lugar da imagem da foto?

– Eu não me lembro mais.

– Mas, aconteceu faz tão pouco tempo!

– As coisas mudam rápido, professor. E aquilo já passou para mim.

– Sabe o que eu acho que está acontecendo com você?

– O quê?

– Você não tem o lugar que é a fonte para a imagem que o celular capturou.

– Nossa, professor, você fala difícil!

– Explicarei, então: você nem se lembra do lugar da foto. A imagem que está guardada no celular, depois que outros virem, você me disse que vai apagar. Então, não sobrou nada.

– Como assim?

– Não sobrou o lugar, porque você nem se lembra onde fica. Não sobrou a imagem, porque você deve apagá-la. Não sobrou nada, entendeu?

– Isso é triste, né?

– É mais do que triste, é desesperador, é angustiante, é uma total falta de esperança e de perspectiva para toda a nossa espécie, afinal, as pessoas começam a conviver dessa forma: tudo pode ser descartado, igual ao que você está fazendo com a foto de um lugar que, para a sua mente, nem existe mais. E o pior…

– Tem coisa pior?

– Tem sim. E o pior é que você não se importa com nada disso. Se toda a espécie for por tal caminho de não se importar com nada, nosso fim está próximo.

– Você me deixou muito triste, professor!

– Eis outro problema.

– Qual?

– As pessoas, nesta época em que se valoriza o virtual e não o real, não admitem qualquer tristeza. Pensam que a vida é ou deve ser, somente, de alegria. Mas, a vida não é assim e se fosse, tenho dúvidas se seria suportável.

– Então, professor, como você sempre pergunta, é a minha vez de perguntar: quais são as lições disso tudo?

– A primeira é esta: valorizar o real como tal e não substituí-lo pelo virtual. A foto não pode substituir o objeto, a coisa, o lugar, enfim, a realidade. A segunda é esta: não transformar a convivência numa virtualidade que pode ser deletada em algum momento qualquer. E finalmente, deixar essa tela para contemplar o que a Natureza oferece.

– Acho que estou aprendendo…

– Então, antes de ir, pense: o virtual é só uma parte!

 

 

ÉLCIO MÁRIO PINTO

22/02/2017

Helio Rubens
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