Élcio Mário Pinto: ‘Apelido’
Era tradição familiar colocar apelido logo que a criança nascia.
Para tentar escapar ao costume das gerações, às vezes, algumas mulheres decidiam dar à luz em outra cidade, de preferência, na capital. Assim, ninguém visitaria o recém-nascido nos primeiros dias.
Aquela família tinha uma máxima: “Nenê merece três coisas – que babem de orgulho, que a mãe seja a melhor babá que se possa ter e um nome bonito e forte para ser conhecido”.
– Você se lembra do meu bisavô?
– Mas, é claro! Quem poderia se esquecer de seu nome: Epaminondas!
– Isso sim é que é um nome forte!
– E do meu tio por parte da madrinha da vó Atília?
– Sempre gostei dele por causa do nome: Bartolomeu!
Era a conversa que papai e mamãe tinham enquanto pensavam num nome para o menino, que nasceria em breve, na capital, é claro!
E entre Humberto, Jerônimo e Plínio, o casal viajava, com certa pressa, para o hospital, onde a equipe médica esperava.
Assim que todos chegaram, porque a decisão era certa para eles e desconhecida de todos os demais – São Paulo –, com um carro emprestado e a garantia de que o motorista jamais diria qualquer coisa, mesmo que fosse “torturado”, na madrugada do chuvoso mês de março, lá estavam, em frente ao hospital.
Com recepção esperada, tão logo chegaram. A mãe foi para a maca e de lá, nem passou pelo quarto, sendo levada, diretamente, para a sala de cirurgia.
Esta sala também era utilizada para os partos, afinal, vai que alguma complicação acontecesse e ali, o médico contaria com todos os instrumentos para qualquer emergência.
Foi tudo tão bem!!!
O parto normal, a mãe passando bem, o pai desmaiado na cadeira improvisada, tudo como sempre acontece em sala de parto.
Tão logo o médico segurou o pequenino, disse:
– Sem dúvida, mamãe, é um menino cheio de saúde!
A mãe, suando e exausta, assistida por uma enfermeira e muito feliz, só respondeu:
– Obrigada, doutor!
A enfermeira, então, foi acordar o papai na cadeira. Assim que despertou, cambaleando, foi em direção à mamãe, enquanto o médico olhava diferente para o nenê.
Sem que a mamãe percebesse, até pelo seu cansaço, o papai falou:
– Está tudo bem com ele, doutor?
– Com o nenê, o senhor quer dizer?
– Sim, claro, com o nenê!
– Bem, está, mas…
– Mas, o quê doutor?
– Ele não chorou.
– Isso é problema?
– Seria, se…
– Se o quê?
– Senhor papai, sem o choro, os pulmões não se enchem de ar, a criança não respira e como não está dentro da mãe, não há como sobreviver. Ou respira, ou…
– Doutor do céu, nem me diga isso!
– O que foi que aconteceu com o meu pequeno?
Era a mamãe, com suas últimas forças de vida cansada a se recuperar.
– O doutor disse que o nenê não chorou.
– Minha nossa!!! – gritou a mamãe, num sopro de energia acumulada que se acabava.
– Calma, vocês dois! – a fala do médico foi impositiva.
– Como ter calma?
– Senhor papai, eu disse que o menino não chorou, mas, não disse que não respirou.
– Ah, é!?
– É!
– E o que significa?
– Que ele está vivo.
– E viverá?
– Mas, é claro!
– Como pode ser, doutor?
– Bem, ele não chorou como as outras crianças, mas, reagiu com uma tossinha, uma espécie de pigarro.
– Isso é bom?
– Pelo menos, garantiu-lhe a vida. Então, tenho certeza que, por ora, é ótimo!
Quando a mamãe ouviu, já acordada e mais calma, rindo de alegria pelo nenê que passava bem, chamou o papai para perto e disse:
– Ainda bem que não tem ninguém de casa para ouvir isso tudo!
– É verdade. Qualquer um inventaria um apelido para o nosso menino.
Os dois carregando o nenê, olhando para seus traços tão sensíveis e delicados, sorriam um para o outro, enquanto ouviam do médico, que deixava a sala de partos:
– Cuidem bem do nosso “pigarrinho!”
ÉLCIO MÁRIO PINTO
21/05/2017
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