Quando o noticiário de imprensa antecipa que a quebra ilegal do sigilo bancário e fiscal do caseiro Francenildo Costa será abordado pelo ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci na sua delação premiada (em fase final de negociação), será instrutivo recordarmos tal episódio, um dos mais emblemáticos da descaracterização do Partido dos Trabalhadores ao lambuzar-se com o poder.
Em 2006, último ano do primeiro mandato presidencial de Lula, era Palocci o ministro que fazia a interlocução com o grande empresariado, zelando para que seus interesses fossem atendidos e a lua de mel entre os donos do Brasil e o governo federal perdurasse.
Evidentemente, isto tornava Palocci um alvo preferencial da oposição, ansiosa por, desgastando-o, ter maiores chances de herdar o apoio do poder econômico na eleição que se avizinhava.
Então, sem surpresa nenhuma, em março alguém soprou para a grande imprensa que Palocci e seus assessores mais próximos se encontravam amiúde com empresários e lobistas num casarão de Brasília, onde, entre bebedeiras e orgias com prostitutas de luxo, acertavam maracutaias.
O pior de tudo, claro, foi o caseiro haver confirmado a presença constante do Palocci nessas esbórnias. Daí, também sem surpresa nenhuma, ter logo ocorrido uma tentativa de o desacreditar: a revista Época trombeteou que uma suspeita dinheirama havia sido depositada na conta corrente de Francenildo, supostamente como suborno para ele comprometer Palocci.
As investigações da Polícia Federal, contudo, apuraram que:
- Palocci, o presidente da Caixa Econômica Federal e um assessor de imprensa do governo tinham se mancomunado para municiar a revista, cometendo o crime de quebra de sigilo;
- e que o humilde caseiro recebera honestamente aquela grana, pois se tratava da compensação de um pai biológico que no passado não o reconhecera como filho e queria evitar uma ação indenizatória.
O escândalo forçou Palocci a demitir-se do ministério antes que o mal crescesse (os tucanos já haviam entrado com um pedido de impeachment), ainda em março de 2006; mas, noutra de suas sentenças grotescas e aberrantes, Supremo Tribunal Federal absolveu Palocci em agosto de 2009, acompanhando o voto do ministro relator Gilmar Mendes, que, por sinal, também presidia a casa.
Agora, na delação premiada, Palocci promete revelar ainda mais detalhes sórdidos do episódio. A imundície nunca se esgota? Pretenderá ele jogar a culpa no Lula, apontando-o como responsável maior das ilegalidades cometidas?
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A CAUSA DOS HUMILDES E A ARROGÂNCIA DOS PODEROSOS
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Palocci (1º à esq.) era trotskista há três décadas… |
De resto, considero o que escrevi em várias ocasiões sobre o Caso Francenildo como grandes momentos meus na defesa dos valores revolucionários contra o utilitarismo daqueles antigos esquerdistas que abrem mão de seus princípios para atender às conveniências da politicalha mais imunda.
Em Palpite infeliz, expliquei o porquê:
“…leio que Marta Suplicy apontou o ex-ministro Antonio Palocci como melhor quadro do Partido dos Trabalhadores para concorrer à sucessão estadual [em 2010].
Não consigo pensar em nome pior. Os mensaleiros avacalharam as bandeiras éticas do partido, mas Palocci conseguiu atingir um valor ainda mais sagrado: o engajamento na causa dos humildes, contra a arrogância dos poderosos.
Ao mobilizar toda sua influência ministerial para pressionar um mero caseiro, atingindo vários direitos de um coitadeza da vida, Palocci se comportou como um daqueles atrabiliários coronéis nordestinos do tempo de Lampião.
É o anti-PT por excelência – pelo menos quanto aos ideais que nortearam a fundação do partido“.
…mas hoje prefere a moral deles. |
E em O espírito de Justiça e a nudez dos reis, no dia seguinte à absolvição de Palocci pelo STF, esmiucei a argumentação utilizada para Gilmar Mendes para sustentar que 2+2=5, atirando-lhe na cara que o homem da esquina, cuja opinião ele arrogantemente dissera não levar em conta na tomada de decisões jurídicas, poderia ser bem mais sábio e justo do que ele:
“…essa insólita reunião na casa de Palocci [na qual o repórter recebeu o extrato bancário de Francenildo] foi obviamente tramada para produzir o resultado que produziu. E a ligação entre os personagens secundários só aconteceu porque foram convocados pelo personagem principal.
Ademais, mesmo ao zé mané mais crédulo ocorreria a pergunta que não quer calar: se dar conhecimento a terceiros de dados sigilosos que se detém em função do cargo ocupado é crime, como um ministro de Estado pôde testemunhar o crime cometido pelo presidente da CEF [único culpado, segundo o voto de Gilmar Mendes] sem tomar providência nenhuma contra seu autor?
…Enfim, com malabarismos e interpretações tortuosas pode-se criar a ilusão de que a conduta de Palocci não feriu a letra da Lei, só o alfabeto completo da ética. Mas, o espírito de Justiça continuará levando cada zé mané a concluir, corretamente, que tanto o mandante [Palocci] quanto o segundo pau mandado [o assessor de imprensa] também eram culpados“.
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É fundador e um dos editores do Jornal Cultural ROL e do Internet Jornal. Foi presidente do IHGGI – Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Itapetininga por três anos. fundou o MIS – Museu da Imagem e do Som de Itapetininga, do qual é seu secretário até hoje, do INICS – Instituto Nossa Itapetininga Cidade Sustentável e do Instituto Julio Prestes. Atualmente é conselheiro da AIL – Academia Itapetiningana de Letras.