novembro 22, 2024
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Paulo Roberto Costa: 'A vida sob um viaduto'

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“O balanço do ônibus me despertou, como acontecia quase que diariamente sempre que contornava esta esquina. Nesta fria manhã, que ansiava ainda pelos fracos raios de um sol que aos poucos cobria a cidade, através da janela eu contemplava as ruas e calçadas com a mente divagando sobre os mistérios da vida.”

 

O balanço do ônibus me despertou, como acontecia quase que diariamente sempre que contornava esta esquina. Nesta fria manhã, que ansiava ainda pelos fracos raios de um sol que aos poucos cobria a cidade, através da janela eu contemplava as ruas e calçadas com a mente divagando sobre os mistérios da vida.

Quando o ônibus passou lentamente sob um viaduto, repentinamente, alguma coisa me pareceu diferente. Demorei um pouco para me aperceber do que fosse. Era isso! A calçada sob o viaduto estava vazia! Estranhamente vazia! Eu já havia me acostumado a observar naquele local, todas as manhãs, uma senhora que, a esta hora, estava arrumando suas poucas coisas – um pedaço de papelão que lhe servia de leito, uns trapos como coberta, uma trouxa que fazia de travesseiro e algumas vasilhas, ou então, varrendo o local com uma vassoura improvisada. Seu ritual era britânico. Podia-se marcar o horário do coletivo por ele. Aparentava ser de certa idade que eu não conseguia precisar. Vestida com a simplicidade do mundo, parecia compenetrada em seus afazeres, com o olhar concentrado ou perdido, talvez no que parecia ser o último resquício de dignidade.  Eu me impressionava com a limpeza do local, que destoava da região toda, principalmente dos vãos dos inúmeros viadutos que abrigavam toda sorte de pessoas esquecidas pelo mundo, vivendo no meio do descartável da cidade. Por diversas vezes me perguntei quem seria ela e qual seria sua história. Como vivia? Ou sobrevivia? Teria família, filhos, netos até? Porque vivia sozinha nesse buraco urbano? Um enorme questionário respondido apenas pela minha imaginação. E minha surpresa inicial pela sua repentina ausência deu lugar a uma espécie de saudade triste. Como se, de alguma forma, ela já fizesse parte da minha vida, ainda que dela eu nada soubesse.

Os dias se passaram e eu já nem cochilava mais no ônibus, com medo de perder a passagem sob o viaduto. Mas, a cada dia a calçada vazia, dolorosamente vazia e já não muito limpa, me reafirmava que ela não mais voltaria. Sentia-me como se tivesse perdido um parente de quem gostava muito sem nunca tê-lo conhecido, e o sentimento de saudade deu lugar a certa angústia pelas dúvidas do que poderia ter-lhe acontecido, além, é claro, de um sentimento de culpa por ter sido, durante tanto tempo, apenas um espectador indiferente.

Por isso, até hoje, sempre que passo sob qualquer viaduto, observo a tudo e a todos na esperança, quem sabe, de reencontrá-la e ajudá-la a reescrever a sua história e, talvez, a minha própria história…

 

Paulo Roberto Costa – paulocosta97@gmail.com

 

Sergio Diniz da Costa
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