ARQUITETURA E URBANISMO FUTURISTA
A arquitetura e urbanismo futurista tem sua gênese no movimento futurista iniciado em 1909, quando da publicação do Manifesto Futurista, do qual vários artistas aderiram. O presente texto a abordará, ainda que suscintamente, como abaixo segue.
Do Movimento Futurista
O movimento futurista surgiu com o Manifesto Futurista, do poeta italiano Felippo Tommaso Marinetti (1876-1944), publicado aos 20.02.1909 no jornal francês “Le Fígaro”. Iniciou-se como reforma literária, rejeitava o moralismo e o passado.
Tinha como objetos a velocidade, a vida moderna, as máquinas e a ruptura com as artes de épocas anteriores. As obras prestigiavam a velocidade, a geometria das máquinas e o desenvolvimento tecnológico do final do século XIX.
Tinha como finalidade expô-los, realiza-los com o dinamismo da vida moderna e urbana que surgia: uma vida assistida pelo aço, orgulho e velocidade vertiginosa. Para retratá-los fizeram uso do cubismo como representação de movimento e do dinamismo da vida urbana que surgia.
Referido movimento surgiu e se desenvolveu no período da Paz Armada, que se iniciou em 1871, com a conclusão da unificação da Itália (1815-1870) e da Alemanha (1866-1871), e se encerrou em 1914, quando teve início a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Foi o apogeu da belicosidade das nações, ávidas pela disputa de territórios, de mercados consumidores e de poder, até eclodir mencionada guerra.
Em razão desse período (1871-1914), o movimento futurista também exaltava a guerra e a violência. A belicosidade era latente na Europa e contaminava os ânimos das pessoas, inclusive da juventude da época. Muitos dos artistas daquele movimento eram jovens e queriam mudar o mundo, ainda que do jeito deles (vários deles engrossaram as frentes militares durante a Primeira Guerra Mundial).
O movimento futurista influenciou a pintura, a música, as artes cênicas, o cinema e a arquitetura, esta última representada pelo seu expoente Antonio Sant’Elia.
Da Arquitetura Futurista
Surgiu essa corrente artística em 1914 com a publicação do manifesto “L’Architettura Futurista”, do arquiteto italiano Antonio Sant’Elia (1888-1916). Nesse documento ele repudiava a vulgaridade dos elementos decorativos de origem egípcia, indiana e bizantina e do conjunto de idiotices do neoclassicismo, que profanavam a arquitetura moderna. A ele nada disso era necessário à arquitetura moderna, quer pelas necessidades construtivas, quer pelos gostos das pessoas dele contemporâneas.
O discurso da arquitetura modernista consistia em criar do nada a casa futurista, sem se valer de modelos, fórmulas ou regras de desenho e de projetos anteriores ou preexistentes. Deveria ser pensada com suporte na tecnologia do momento, com os recursos da ciência e da técnica contemporâneas. Uma ruptura com o historicismo que conduzia as correntes arquitetônicas anteriores.
A cidade futurista deveria ser um grandioso canteiro ágil, tumultuante e dinâmico, enquanto a casa seria uma enorme máquina, construída com concreto, ferro e vidro, sem adornos e dimensionada conforme suas necessidades e não pela legislação municipal, e erguida em nível acima das ruas.
À luz da arquitetura futurista deveríamos ser complacentes com grandes obras, como os grandes hotéis, ruas imensas, avenidas lineares, galerias iluminadas, colossais estações portuárias, mercados cobertos, estações de trens e das demolições oportunas. Enfim, do mundo moderno, tecnológico e científico que se afirmava.
O desenho da arquitetura futurista deveria primar pelas linhas curvas (oblíquas e elípticas) em detrimento das retas, para retratar o dinamismo que ela queria representar. Era elementar a transitoriedade das obras, que seriam efêmeras, de duração por vezes inferior ao tempo de vida das pessoas. Obras muito duradouras não acompanhariam a evolução tecnológica e as transformações sociais que o progresso reclamaria.
A revolução russa (1917) abriu espaço para o acolhimento da arquitetura e urbanismo futurista como modelo da sociedade que se formava e se avizinhava das outras nações europeias.
Da Arquitetura Futurista Russa
A revolução russa (ou bolchevique), ocorrida em outubro de 1917, pôs fim ao czarismo e à sociedade feudal e burguesa que dominava a Rússia, e instituiu o comunismo como modelo econômico.
Uma nova sociedade surgiu – de gênese proletária – sem lastros com o passado, que precisava identificar-se em relação à legislação, ao direito, à ciência, às artes, à cultura, aos costumes e ao novo modo de vida que se apresentava. Esta identidade também deveria ser visível, notória e distinta da anterior (extinta pela aludida revolução). Era preciso da identidade ao homem e à mulher novos.
O movimento futurista foi o escolhido pelos revolucionários e artistas militantes ou a eles coniventes, que se desdobrou na arquitetura e urbanismo soviético das décadas de 10 e 20 do século XX, com vistas a reconstruir os edifícios, as habitações e as cidades russas e, por fim, a sociedade que surgia.
Referido movimento tinha gênese em elementares da revolução bolchevique, quais eram a ruptura com o passado, a inovação cultural e social, o apego à ciência e tecnologia contemporâneas e a exaltação da guerra e da violência. Caminhavam lado a lado, ainda que o futurismo tivesse pretensões burguesas ou capitalistas. Bastava adaptá-lo aos interesses comunistas.
A nova sociedade proletária deveria viver em integração com as cidades e o campo para oferecer melhor qualidade de vida, então preterida pelas cidades industriais europeias. Era a ideia da “desurbanização” ou da descentralização urbana. Os modelos urbanos acolhidos pelos revolucionários soviéticos foram a de cidade-verde (baseada na cidade-jardim) e a cidade linear (ainda que estas não fossem propostas futuristas).
Das cidades futuristas soviéticas
Os artistas, revolucionários e entusiastas russos acolheram a corrente do construtivismo para realizar (construir) o futurismo almejado, porque entendiam as (novas) cidades como condensadores sociais, espaços urbanos planejados para transformar a sociedade, liberta da exploração do capital. Eles entendiam as cidades tradicionais como fontes – ou símbolos – da exploração capitalista do trabalho.
Num ambiente urbano em que o coletivo deveria ser a regra, em que os habitantes teriam vida comunitária, o conceito de casa (habitação) foi modificado até coincidir com o de cidade, para atingir o objetivo de alterar as relações entre familiares, vizinhos e demais pessoas.
O desenvolvimento de projetos para o atingimento dessa finalidade acolheu a construção, inclusive na periferia das grandes cidades, de edifícios habitacionais populares, com apartamentos individuais e cozinhas comunitárias, agregados a equipamentos públicos como escolas e outros serviços, em relação aos quais se aplicavam as modernas regras de padronização e produção em larga escala.
As cidades industriais foram repensadas e a lógica urbana que as constituía foi abandonada em benefício do novo espaço urbano. A proposta soviética, constituída de espaços comunitários agregados aos edifícios habitacionais, não se coadunava com os modelos preexistentes à nova sociedade que surgia, que pugnava escapar dos malefícios delas.
Mas, para integrar as novas cidades com o campo e dessa relação mista obter as benesses pretendidas, os arquitetos e urbanistas soviéticos desenvolveram a “desurbanização” como princípio a ser seguido desde a elaboração até a integração almejada.
A “desurbanização” foi o ideal – ou fundamento – sobre o qual se assentou toda a elaboração urbana e habitacional das novas cidades soviéticas, que deveriam seguir o modelo das cidades-jardins ou lineares para integrar a urbe com o campo e beneficiar os habitantes dessa integração espacial. Desse ideal surgiram os projetos das cidades-verdes e das cidades lineares.
Das cidades-jardins
Projeto de cidade criado pelo inglês Ebenezer Howard (1850-1928), acolhia o convívio das pessoas em harmonia com a natureza, distribuída pelo plano urbano, junto às edificações e infraestrutura urbana. Tinha a finalidade de melhorar a qualidade de vida dos habitantes com a eliminação da insalubridade das cidades industriais inglesas do século XIX.
As cidades-jardins consistem de seis urbes menores, cada qual para 32.000 habitantes, formadas por quadras urbanas distribuídas em cinturões separados por avenidas, que se aproximam do centro.
O cinturão mais distante (periférico) é o da área industrial, seguido da primeira avenida, área residencial, a segunda avenida, área residencial, a terceira – e grande avenida – área residencial, quarta avenida, área residencial, quinta avenida, área comercial, parque central, área institucional e, no centro, o jardim. Todos os cinturões são cortados por “boulevards” que tem início no jardim (ao centro da cidade) e terminam na área industrial.
Elas se distribuiriam ao redor da urbe maior, a cidade central (planejada para 54.000 habitantes), que com elas se comunica por largas avenidas. E entre essas cidades menores a ligação se faria por linhas de trens tangentes aos cinturões industriais, e por largas avenidas radiais, que as atravessariam pelos “boulevards”.
O conjunto das seis cidades-jardins conexas com a cidade central era planejado para receber 246.000 habitantes. Nelas os habitantes teriam a mesma qualidade de vida, conjugada com os benefícios da urbe e do campo, independente das classes sociais ou econômicas a que pertencessem. O coletivo preponderaria sobre o individual.
Das cidades lineares
A ideia de cidade linear pertence ao urbanista espanhol Arturo Soria y Mata (1844 a 1920) que a apresentou pela primeira vez em 1882, nas páginas do jornal El Progresso, e foi executada em 1894 na periferia de Madrid, como bairro experimental. Compunha-se de 700 habitações unifamiliares organizadas em 5 Km de extensão.
A proposta dele era criar uma cidade desprovida de centro (área urbana concêntrica) e constituída de uma faixa – de extensão indefinida – e de largura limitada, assistida por uma ou várias linhas de trens em sua extensão urbana.
As habitações seriam casas unifamiliares em lotes providos, cada qual, de horta e jardim. As quadras seriam construídas ao longo de um eixo central (via principal), que serviria para limitar a largura das quadras e da própria cidade, que sempre se estenderia indefinidamente.
A dimensão da cidade deixou de lado a estética para acolher a técnica, com vistas à a circulação de pessoas, bens e serviços em detrimento das praças e quarteirões dos costumeiros projetos urbanos. Visava ao fim dos congestionamentos, à salubridade dos habitantes em geral e dos trabalhadores em especial.
O projeto criado pelos soviéticos dessas cidades as previa como urbes perimetrais, dispostas ao longo de rios e em conformidade com as condicionantes do local. Compunham-se de setores funcionais paralelos, que atendiam às ferrovias, zonas de produção e de empresas comunitárias, à rodovia (“highway”), zona residencial com instituições sociais, ao parque e à zona agrícola. No projeto dos soviéticos havia o supedâneo da “desurbanização”, princípio pelo qual as cidades deviam se integrar em harmonia com o campo.
Do período Stalinista
Stalin rejeitou o construtivismo e determinou a elaboração e execução de obras à sua preferência, batizada de arquitetura stalinista ou classicismo socialista. Existiu no período de 1933, quando foi aprovado o desenho de Boris Iofan para o Palácio dos Soviets, a 1955, quando Nikita Khrushchev denunciou os excessos de Stalin e pôs fim à Academia Soviética de Arquitetura.
As obras eram de edifícios públicos e de habitações luxuosas para os membros de mais alta patente ou de graduação hierárquica do corpo político de Stálin. Eram o resultado da opressão, ostentação e megalomania daquele chefe de Estado e de Governo.
As obras dedicadas à população foram relegadas ao segundo plano, sem as mesmas preocupações dedicadas aos projetos e implantação das obras públicas representativas do Estado Soviético e de seus burocratas de mais elevada patente ou graduação hierárquica.
CONCLUSÃO
A arquitetura futurista foi uma corrente artística que não chegou a fazer escola (como fez o modernismo), mas influiu no pensamento arquitetônico e urbanístico do início do século XX, do qual os soviéticos foram os que mais se interessaram.
Contemporâneos do período da Paz Armada (1871-1914), da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e da Revolução Bolchevique (1917), acolheram essa corrente arquitetônica devido à similitude de elementares com a nova sociedade que se formava na Rússia, quais eram a ruptura com o passado, a inovação cultural e social, o apego à ciência e tecnologia contemporâneas e a exaltação da guerra e da violência.
Para adaptá-la aos ideais comunistas fizeram uso do construtivismo para corporifica-la, dar existência material ao futurismo almejado – transformar as cidades em condensadores sociais – e do princípio da “desurbanização” para integrá-las com o campo e atribuir aos habitantes as benesses urbanas e campesinas em prol da melhor qualidade de vida, não oferecida aos trabalhadores nas cidades burguesas.
Dessa adaptação resultaram as propostas de cidades-verdes e de cidades lineares, trazidas da Inglaterra e Espanha e adaptadas ao modelo soviético de sociedade que se formava. O período stalinista rejeitou o construtivismo e impôs a construção de obras opulentas, que ostentassem a força e o poder do Estado Soviético, em detrimento da população.
Em suma, a arquitetura futurista foi um movimento artístico efêmero, teve óbices ao seu desenvolvimento – como a Primeira Guerra Mundial e o período Stalinista – e mais permaneceu no papel (plano das ideias) do que na realização (mundo material ou dos fatos), mesmo após ter sido acolhida pelos revolucionários soviéticos. O ponto fraco da arquitetura futurista foi a exaltação da guerra e da violência, que se voltaram contra ela. Nada a mais.
Marcelo Augusto Paiva Pereira.
(o autor é arquiteto e urbanista)
Fontes de Pesquisa
Textos:
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É fundador e um dos editores do Jornal Cultural ROL e do Internet Jornal. Foi presidente do IHGGI – Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Itapetininga por três anos. fundou o MIS – Museu da Imagem e do Som de Itapetininga, do qual é seu secretário até hoje, do INICS – Instituto Nossa Itapetininga Cidade Sustentável e do Instituto Julio Prestes. Atualmente é conselheiro da AIL – Academia Itapetiningana de Letras.