Isolamento social
A pandemia de coronavírus (Covid-19) tem obrigado a mudança de hábitos e, ainda, a reflexão sobre como temos agido enquanto seres humanos. O historiador Sidney Chalhoub escreveu há alguns anos o livro “Cidade Febril”, em que faz uma análise dos surtos de febre amarela e o processo de “higienização” promovido, especialmente no Rio de Janeiro, como combate à doença.
Interessante é que dentre os relatos pinçados por Chalhoub em sua pesquisa, temas que são recorrentes hoje já circulavam entre os debates acerca das doenças que grassavam o Brasil em meados do século XIX até começo do século XX. Por exemplo, não faltou aquela época quem atribuísse a um castigo de Deus a epidemia de febre-amarela de 1850. Da mesma forma, mensagens de whatsapp hoje tentam convencer de que há uma espécie de “praga divina” que se utiliza do coronavírus para castigar uma parcela da humanidade.
Do mesmo jeito, tanto naquela como nesta época em que vivemos os boatos (atualmente chamados de “fake News”) também fazem parte desse momento em que as pessoas estão receosas do porvir. Por exemplo, várias pessoas foram identificadas e estão respondendo a processos no Brasil por difundirem notícias falsas pelos meios de comunicação, sobretudo o Whatsapp. Uma dessas fake News foi espalhada por uma médica, já identificada (https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/03/23/audios-fake-sobre-combate-ao-coronavirus-se-espalham-por-aplicativos-de-mensagem.ghtml).
Além do desserviço, as fake News ajudam a piorar o quadro de tensão e ansiedade pelo qual passa a população mundial, já que se trata de uma pandemia. Um brasileiro, morador em Londres, em conversa hoje pelo Skype mostrou que as preocupações dos britânicos são as mesmas que as nossas, brasileiros. Londres, hoje, está com as ruas desertas e a polícia aborda cada cidadão encontrado fora de casa.
Outra pessoa conhecida, residente em Cusco, no Peru, também está passando pela mesma situação. Todos nós estamos cumprindo a quarentena e pode-se verificar que a ansiedade e o receio de cada um de nós três é o mesmo. Aparentemente, não importa onde você viva neste planeta. O coronavírus já afetou cada canto.
Por isso, o momento não deve ser de pânico, mas sim de serenidade. Evitar o contágio por meio do isolamento social é, neste momento, primordial para garantir o sucesso na guerra contra o covid-19. Um esclarecedor vídeo tem também circulado pelas redes sociais e demonstra que o isolamento social se não impede totalmente o contágio, ao menos retarda o tempo de contaminação. Com isso, ou seja, com menos pessoas necessitando dos hospitais e cuidados médicos, o sistema de saúde consegue, a longo prazo, atender a toda a demanda.
Por exemplo, se durante uma semana muita gente apresentar sintomas sérios da contaminação por covid-19, não haverá leitos e máquinas suficientes para todos. Porém, se esse mesmo número de infectados for distribuído ao longo dos meses, a chance de haver condições de atenção médica é muito maior. Suponha que o número de casos graves seja de 1200 (mil e duzentas) pessoas. Se todas elas recorrerem ao atendimento de saúde no mesmo momento, não há como serem atendidas. Porém, se esse número for distribuído por um período maior, serão grupos menores necessitando de hospitais e cuidados médicos. Hipoteticamente, se forem distribuídos em dez grupos, um a cada momento, teremos 120 casos para serem atendidos e não os 1200 de uma só vez.
Portanto, o isolamento social, mesmo parecendo uma atitude radical, ainda é a melhor forma de se prevenir o colapso do sistema de saúde e reduzir a velocidade de transmissão do vírus.
Alguns empresários e comerciantes, como Luciano Hang da Havan e Junior Durski da rede de Restaurantes Madero estão criticando o isolamento, pois isso afeta diretamente seus negócios (https://paranaportal.uol.com.br/gente/dono-madero-brasil-parar-mortes-corona/?fbclid=IwAR0CbM4iJQgM60CtyKJ1VKwCBxq2PnnblCTA4-kzU9mbh-KCNbiZe64sF4Q). Claro que a questão econômica preocupa muito. Porém, de nada adianta pensar na economia se o país for arrasado por uma epidemia sem precedentes.
Carlos Carvalho Cavalheiro
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Natural de São Paulo (SP, atualmente reside em Sorocaba. É professor de História da rede pública municipal de Porto Feliz (SP). Licenciado em História e em Pedagogia, Bacharel em Teologia e Mestre em Educação (UFSCar, campus Sorocaba). Historiador, escritor, poeta, documentarista e pesquisador de cultura popular paulista. Autor de mais de duas dezenas de livros, dentre os quais se destacam: ‘Folclore em Sorocaba’, ‘Salvadora!’, ‘Scenas da Escravidão, ‘Memória Operária’, ‘André no Céu’, ‘Entre o Sereno e os Teares’ e ‘Vadios e Imorais’. Em fevereiro de 2019, recebeu as seguintes honrarias: Título de Embaixador da Paz e Medalha Guardião da Paz e da Justiça e Medalha Notório Saber Cultural, outorgados pela FEBACLA – Federação dos Acadêmicos das Ciências, Letras e Artes e o Título Defensor Perpétuo do Patrimônio e da Memória de Sorocaba, outorgado pelo Centro Sarmathiano de Altos Estudos Filosóficos e Históricos. É idealizador e organizador da FLAUS – Feira do Livro dos Autores Sorocabanos