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Carlos Carvalho Cavalheiro: 'Uma crônica'

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Carlos Cavalheiro

Uma crônica

“De repente, não mais que de repente”. Com esse verso o poeta Vinícius de Morais sintetizava a mudança brusca das coisas por conta da separação. A dor da separação transformou o mundo de “riso em pranto”, em triste o amante e o amigo próximo ficou distante.

Há algumas semanas esses versos soariam diferente. Hoje, com a pandemia do coronavírus (Covid-19), requer nova interpretação. As ruas cheias ficaram vazias. Triste cena a do Papa Francisco I, solitário na Praça de São Pedro (quando se imaginaria isso!), orando debaixo da chuva, o semblante alquebrado. De repente, não mais que de repente, o Papa que carregava a Igreja para o século XXI, retornava ao século XIV, aos tempos da pandemia que grassava a Europa e a Ásia daqueles tempos. De repente, não mais que de repente…

Londres esvaziou as suas ruas e os italianos ficaram presos em suas casas. A doença que começara a sua desgraça no Oriente, mais precisamente na China, atingia agora o berço do mundo ocidental. E em tempos de globalização, o vírus viaja de avião e de navio. Em primeira classe.

Pela primeira vez, quiçá, a doença começou atingindo aqueles que têm um poder aquisitivo maior. Os brasileiros infectados, por exemplo, pelo que se sabe, adquiriram o vírus em viagem pela Europa. Em tempos de crise, nem todo mundo pode viajar para a Europa. Nem para a Disney, porque o ministro achava que era pecado. Aliás, governos perderam destaque nas manchetes de jornais para um personagem invisível a olho nu. De repente, não mais que de repente.

O mercado não tem mais a força de obrigar os governos a tomar iniciativas. A despeito das gritas do mercado, os governos estão tomando atitudes sensatas de prevenção ao coronavírus. Digo governos porque alguns governantes nunca terão sensatez.

O discurso ignorante, de repente, sofreu uma freada. A ciência e as Universidades públicas não estão mais sofrendo os ataques que recebiam antes. Agora precisamos delas, não podemos prescindir de suas ações. Assim como a de todo profissional da saúde. Estádios estão fechados e ninguém reclama de não ter futebol. A frase de Ronaldo perdeu todo o sentido agora: “Não se faz Copa do mundo com hospitais”. Pois os estádios estão virando hospitais de campanha, esperando pelo pior.

Apocalipse e após-colapso. Tudo misturado, tudo junto e cada um na sua casa. Pensávamos que era impossível vivermos dentro de casa e agora isso se faz mais do que necessário. E tudo isso provocado por um ser minúsculo. Uma revolução silenciosa e maquiavélica.

De repente, não mais que de repente, a sanidade voltou. No Estado de São Paulo, que cumpre à risca as medidas de contenção do avanço da pandemia, incluindo aí a orientação para o isolamento social, o crescimento dos casos é 50% menor do que no resto do país. [1] O Estado em que o capitalismo é ideologicamente mais apreciado, a vida humana ficou mais importante do que a economia. Não importa, neste momento, se há algum interesse oculto nisso tudo. O que se destaca aqui é a mudança brusca de atitude, de pensamento.

E tudo aconteceu tão rápido. De repente, não mais que de repente.

 

Carlos Carvalho Cavalheiro

31.03.2020

[1] Fonte: https://istoe.com.br/crescimento-da-curva-de-coronavirus-em-sp-e-menor-do-que-a-do-brasil/

Carlos Carvalho Cavalheiro
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