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Orlando Rafael Ukuakukula: 'Caveneno'

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Orlando Ukuakukula

Caveneno

Cinco minutos de silêncio tomaram conta da conversa que estava descontraída, depois de não haver uma resposta que se colocou naquele meio.

Venâncio, Eurico e Tchivinda procuravam fazer *vaquinha para uma sentada de família com *petiscos. Tinham arrumado volta de 3.000,00 (três mil kwanzas), que lhes chegava para fazer um bom prato de mufuete, caso jogassem bem nos gastos. Era todo dinheiro que eles tinham para realizar um sonho, o de se sentir bem com uma comida que só viam nos outros e nas novelas. Mandaram à merda, não queriam saber se era o único dinheiro que tinham, decidiram realizar o sonho.

– *Qualé a ideia, *vamo *papar um mufuete? Eu tenho mil kwanzas. – disse o Venâncio, por sinal, o mais velho do grupo.

– Eu *tamém tenho Mil. – Respoderam em coro o Eurico e o Tchivinda.

Naquele mesmo momento, foram à pracinha mais próxima do bairro Rua Cheia, na Vidrul, ali onde ao povo se vende bens alimentares a retalho, lá, onde quem consegue um mínimo de dinheiro, consagra a refeição do dia. É dali que os rapazes conseguiram farinha musseque, feijão, óleo de palma numa metade de embalagem, dois peixes, seis tomates e já nem dava para comprar bananas ou batatas-doce, ingredientes que formam aquele prato. Mas, pronto, voltaram com o sonho num saco.

Em casa, iam preparando a refeição, enquanto  contavam algumas novidades do que tinha acontecido com um e com o outro. Não é que o Tchivinda atira a primeira *bomba?!

– Eu já comi mufwete até deixar no prato.

– Duvido. Você que teu pai é *camponês, na vossa casa comem de *rifa. – respondeu o Eurico com um sorriso nos lábios, que contagiou todos.

– E quem disse que comi na nossa casa?! Aquilo era na festa. – Tchivinda se justificou, sorrindo.

O tempo tinha se passado e o petisco estava feito. Na mesa do quintal, embaixo de uma árvore, começaram a saborear o prato. Comiam até os *picos de peixe. Afinal, ninguém deixa sonho no prato. De repente, no fim da refeição, entreolharam-se, numa interrogação do que poderiam beber depois da refeição.

– Vamo beber o quê? Água tamém é que não.  Só que tamém não há dinheiro para comprar gasosas ou qualquer outro sumo de qualidade.

De repente, os rapazes saíram às corridas e dirigirem-se à cantina na compra do famoso sumo: Caveneno. Escolheram o sabor de Manga, desanuviaram, se pintaram as línguas, os corações e se (ca)envenenaram alegremente. E na alegria, em coro, gritaram:

– CAVENENOOOOOOOOOO!!!!!

 

GLOSSÁRIO…

Caveneno > Sumo típico para camada baixa da sociedade angolana, que anda em um recipiente (pacote) pequeno, com variados sabores, de 1,5 l e custa cinquenta a sessenta kwanzas na moeda angolana. Tendo sido divulgado com mais intensidade na época de estado de emergência, fruto da pandemia covid-19, uma época em que o pessoal ficava sem trabalho, já que estavam confinados em casa e, portanto, pobres, ao que recorriam à coisas baratas para satisfazer as necessidades basilares da vida. Um sumo que, por mais pouco que seja, sua doçura facilita na grande quantidade de água, pelo que, só com um pacote, podem consumir estimadamente três a quatro pessoas, o que facilita para o agregado familiar. Deixa marca da sua cor na língua; sua doçura não se deve ao açúcar comum (sacarose), mas sim, deve-se a um adoçante chamado aspartame, resultado da junção entre o ácido aspártico e a fenilanina, sendo certo, por tudo isso, que é prejudicial.

Vaquinha > Termo usado na gíria, para significar contribuição de valores monetário; associar-se a um grupo com alguma coisa para a realização de alguma actividade, normalmente comidas e bebidas.

Petisco > Termo usado para descrever uma situação de refeição do momento, fruto de uma contribuição, normalmente para reencontros de amigos/familiares, com finalidade de descontraírem-se.

Qualé > Aglutinação do pronome interrogativo “qual” com a forma verbal “é”, vulgo no contexto angolano.

Vamo > Forma verbal “vamos”, com ausência da marca do plural, o que ocorre, na oralidade nos falantes angolanos, inclusive nos nomes/substantivos.

Papar > comer, alimentar-se, saborear.

Tamém > De “também”, novamente da realidade angolana, o processo de supressão do segmento fonológico “b” no meio da palavra, síncope.

Bomba > Usado, às vezes, para significar “novidade”, como está empregado no contexto.

Camponês > Pessoa que trabalha na fazenda, no entanto, no contexto angolano, muitas vezes, o significado dessa palavra associa-se a “pessoa pobre”, “humilde”.

Rifa > Tem, para o contexto empregado, a carga semântica do verbo “calhar”, ou, também, “intercalar”, assim, <<comer de rifa>> quer dizer comer intercaladamente, dias sim, dias não, ou, pelo menos, período sim, período não.

Picos > Espinhos.

 

Orlando Ukuakukula, dezembro, 13 de 2021

 

 

 

 

Orlando Rafael Ukuakukula
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