O grande desafio
Duas equipas como aquelas, só em Angola! Magia do Pé Liso Arrasado vs União Interior de Talatona. São as melhores em campo. A primeira, é a equipa do kota Zé, que mesmo deixando de jogar, ainda continua na boca da população. Dizem que ele é quem trouxe as fintas que hoje todos eles usam; só que, infelizmente, por serem as mesmas, já muitos sabem como atacar. As fintas, vêm-se no campo. Todos respeitam os toques que aqueles dão. Kota Jó, um grande ponta de lance, tomou o lugar de capitão em 2017. Hoje, é ele quem orienta a equipa. Dizem ser rigoroso. Desde que chegou, passou o tempo todo a trocar as posições dos seus colegas e colocava mesmo fora das partidas alguns, quer dizer, era o capitão, era o treinador e era tudo, sozinho. Mas as trocas que fazia na sua equipa, todos sabiam que era para baralhar os apoiantes do futebool e tornar ameaça à equipa adversária. A segunda equipa é liderada, hoje em dia, pelo kota Costinha, como é chamado na banda, que mesmo com craques de bola, nunca ganharam nenhum campeonato nacional. Desde mil nove centos e alguma coisa que vêm perdendo, ou melhor, que muitos dos seus golos nunca foram validados. Aparecem pouco, porém, todos sabem que há craques ali, até os da equipa do kota Zé, hoje do kota Jó, sabem. Semanas de feriados prolongados, graças as pontes, era para demonstrar as grandes disputas. Em tudo que era canto de Angola se ouvia falar dessas grandes partidas de futebool, aliás, o mundo à fora apreciava à distância.
Num campo que não é de ninguém, portanto de todos, viam-se as grandes partidas. E porque eram manchetes dos jornais, ficavam ali jornalistas, radialistas e outros istas, que cumpriam um papel de açucarar os jogos, favorecendo uma equipa e desfavorecendo a outra, como sempre, era a do kota Costinha. RNA, TPA, TV-ZIMBO e outros meios de comunicação, nas pessoas dos jornalistas, que afinal eram clacke do kota Jó, por obrigação, para manter o pão das crianças, criavam matérias que sujavam a equipa coitada. Agora que estavam quase na fase do campeonato nacional, os insultos intensificavam. Cada um vinha em televisão e falava um seu mal contra Costinha e o seu elenco, que também só queriam contribuir com o seu talento na bola. Dizia Costinha, nos bastidores, que era ameaçado, perseguido, aliás, que nessa fase mesmo, já tinha sido quase morto de perseguição.
– Mas o campo é de todos. Todos capinamos quando era mata. Todos trouxemos enchadas, pás, vassouras e catanas, inclusivemente. Ou seja, todos fizemos alguma coisa pra que as cobras fugissem e isso ficasse limpo. Hoje só vocês é que podem jogar porque a bola é vossa, ou seja, porque a bola está do vosso lado? – reclamava ele. – já conhecemos os vossos truques e as vossas fintas desde os anos mortos. Já não pegam aqui. Não entra mais golo na nossa balisa! – continuava. – a população, hoje, vai saber que aquelas vossas fintas, que lhes agrada, mas a mata aos poucos, é fruto da imitação do grupo que evacuamos daqui. É uma assombração. Mas não tem makas. Vem aí o grande dia. Tudo vai depender da decisão deles. Como sabemos, vão usar as vossas fintas. Mas já sabemos como vos atacar. E desafio: O campeonato deve ser municipal e os golos devem ser contados ali mesmo.
Nenhuma resposta. Mas o campo já é visto à cor dos equipamentos. Uma grande partida vai começar. Um grande desafio. Talvez jamais vistos.
Orlando Ukuakukula
NOTA:
Kota > da Língua Nacional Kimbundu, “dikota”, que significa “mais velho”. Termo popular. Usado para manter uma relação de intimidade entre um menor e um mais velho.
Baralhar > verbo usado popularmente para significar atrapalhar, estorquir, mentir ou enganar.
Ponte > no contexto, indica o feriado prolongado, quando este calha numa Terça ou Quinta-feira, acrescentando mais dias de repouso.
Açucarar > verbo usado por parte da população, originado de “fazer ficar doce”, ou seja, usado com pendor pejorativo: “tornar a coisa mais interessante”, que chame atenção. Exagerar.
RNA > Rádio Nacional de Angola
TPA > Televisão Pública de Angola
TV-ZIMBO > Televisão Zimbo
Autor: Orlando Ukuakukula
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Natural de Luanda, é formado em Ensino da Língua Portuguesa, do Departamento de Letras Modernas, pela Escola Superior Pedagógica do Bengo (ESPB), em Angola. É membro do projecto de investigação científica da Variedade do Português em Angola (VAPA); membro da Brigada Jovem de Literatura de Angola (BJLA) e delegado do município de Cacuaco; coordenador do projecto A Escola & o Livro; colunista do Jornal ROL-Brasil; membro da Academia Intercontinental de Artistas e Petas (AIAP)-Brasil Profissionalmente, é professor e, nas artes, é escritor, cronista, contista, romancista, poeta e declamador. Participou, com mérito, do I Concurso Internacional Poético Cultive-2021, realizado em Genebra-Suíça; co-autor da Revue Suisse D’art et Literature Cultive, com o poema ‘pedaços de Nós’.