A gula de Zoão
Certa vez, um pai sentindo-se morrer chamou todos seus filhos para próximo dele e, em seguida, fez saber a todos que daria de presente um emprego de gabinete ao filho mais atrevido no meio dos muitos outros que ele tinha. Evidenciando sua estima e elevado seu ego, lhe veio o prazer de escolher o filho atrevido por admirar a sua forma de agir. E o jovem, não sabendo gerir a alegria que sentia de ter que ganhar sua primeira oferta de emprego no gabinete do próprio pai, gritou furioso de bem-estar, deixando irritado os irmãos. Verdade seja dita, houve sim ciúmes entre os que não receberam contra o que recebeu. Notava-se pela maneira que voavam os murmúrios. Uns até diziam: — Uma cadeira e posição tão almejada assim, o pai escolhe dar ao Zoão de olhos grandes? Xé, estamos então em que país, meu Deus?!
Bom, não era ainda oficial a informação porque faltava formalizar por escrito o que o pai falava, mas já era uma verdade que o pai daria mesmo como presente ao filho mais ousado um trabalho no seu próprio gabinete já que ele encontrava-se doente e suspeitando de uma possível morte repentina já que, aqui, morre-se à toa e em qualquer idade. Uma cadeira que muitos desejavam, por se tratar a maior de tento oficial e couro nacional. Agora não era mais só de couro, era mesmo a olhos nus, de ambição, egoísmo e extremismo nacional que muitos queriam aquele Lugar.
Zoão de olhos grande agradeceu, desenvolveu um discurso bonito com enfeites à pai Natal e disse:
— Muito obrigado, pai, e muito obrigado a todos os meus irmãos. Em seguida, começou a rir forte e a pular, como quem disse não acreditar. Não surpreendeu a ninguém naquela sala com tal atitude, pois, afinal, é assim que todos que se veem a receber presentes fazem e se comportam. Simular, talvez, um grito de alegria e tanto mais, para mostrar ao que deu o presente que, afinal, gostou do presente para não magoá-lo nunca. Depois, começou a girar e procurava alguma coisa para se ajoelhar e orar já que era de chão bruto onde pisavam.
— Como é que se senta nesta cadeira? — perguntou Zoão ao pai. — Como, como é que se senta, pai? Não se pode sentar nela agora?
Zoão de olhos grande procurou, dentro de pouco tempo, matar o próprio pai por não lhe ter já dado a permissão para o manuseio do novo emprego no gabinete.
“Não podem antecipar o meu empossamento antes da morte do pai?” – dizia ele consigo mesmo.
O pai começou a desanimar dado o comportamento do filho e a pensar que os tempos são outros. E, como os tempos são decididamente outros, percebeu que estava completamente errado ao entregar de mãos beijadas aquele presente ao seu filho. Primeiro, porque trouxe acepções no seio dos irmãos, e, por outra, tanta ousadia que perigava a vida da empresa e do próprio pai.
— Não precisas se matar de ansiedade, filho. Tão logo o pai te mostrará o gabinete e os que irás dirigir e não comandar, aguarde e lembre-se.
— E qual é a diferença entre os dois termos, pai?
— Não há tanta. Mas o primeiro luta para o benefício da empresa e do coletivo, bem dizer, luta pelo bem comum. Esses teus irmãos estarão em suas mãos, ao passo que o segundo não faz nada o que tem que ver com o coletivo. Ele é possessivo, egoísta e vingativo. Não se transforme no segundo termo, por favor.
— O quê, pai?
— Controla sempre as tuas emoções e decisões para não fazeres sofrer ninguém com as tais atitudes e práticas.
— Ah! Então é uma experiência que me estão a fazer?
— Claro que não, filho. É mesmo um presente vindo de um Pai para seu filho, que tanto ama.
— Uma oferta deste tamanho, é mesmo uma oferta de um pai que te ama e te confia mesmo. — disse um dos irmãos.
— Você pensa que é uma prova? Achas que eu estaria a brincar com os teus irmãos, filho?
— Não, pai. Já entendi…
Zoão de olhos grande agradeceu, e disse de novo:
— Pai, me dá já a chave do gabinete, wééééééééé, por favor! Daqui a pouco, é o irmão mais velho que, revoltado, diz:
— Não vês a saúde do pai, ó Zoão? Para com esta ganância, phaaaaaaaaaa! O lugar é mesmo teu e para logo com isso. Espere o dia chegar. Agora, vamos, enquanto cedo/ levar o pai à Europa para ser tratada esta tuberculose.
Alguns aceitaram o apelo do irmão mais velho, mas o Zoão e dois primos sabiam que a cura do pai implicava impedimento nas suas futuras decisões. Então, eles não aceitaram levar o pai à Europa, eles tinham tudo bem arrumadinho no seu programa. Conheciam seus reais motivos de encontrar a chave do escritório e sem a presença do pai e assentar-se na cadeira cobiçada. Via-se claramente que ele disputava com o pai, por conta de um gabinete que lhe foi dado de mãos beijadas.
Zoão era bom no jogo da ganância e da vingança. Tinha coordenação e raciocínio rápido e lógico. Há quem diga que foi rei de artilharia e por conta disso tornou-se perito em desalinhar qualquer truque e estratégias vinda do adversário. Estava ganhando o jogo que a máquina do tempo estava a mediar entre o pai doente e orgulho do filho pelo cargo no gabinete.
O pai pegou as chaves novas e mandou ensaiar alguns cofres e algumas maletas antes de entregar ao filho. Depois disso, conseguiu equilibrar as notas e a curiosidade do filho que lhe ardia o peito do pé, como antigamente, ficou mais aguçada, ainda mais. E, chamou o Kandengue.
— Filho!
— Pai!
— Olha!
— Estou a ver pai!
Mas não desviou os olhos da tela onde passava as imagens dos cofres da empresa. O pai segurou as chaves com as mãos e as cheirou, tentando recapturar mentalmente o cheiro dos dólares que andou a gerir desde sua mocidade. As chaves já não cheiravam mais dólares, mas sim, Kwanzas. Era o que engripava e constipava as vias nasais de quem se atrevia a cheirar. Doía a cabeça de quem viveu o tempo do “dinheiro é Capim”. Dólares e Euros, no tempo as ruas cheiravam riquezas de nada. Talvez um ou dois cofres cheirasse bem os dólares e Euros. Mas é talvez mesmo.
Hoje, já com o pai morto, os irmãos desampararam-se. O orgulho e o olho grosso do Zoão fez a empresa cheirar somente Kwanzas para a maioria e dólares para a dinastia “os do gabinete”.
Na família está a faltar leite e pão. Zoão de olhos grande acha que esta queixa é meramente utópica. Mas todos dizem que ele é o único culpado!
Já ninguém quer vê-lo nos destinos da empresa, principalmente no gabinete. Sequer foi ao funeral do próprio pai. Zoão não tem empatia. É o que, trabalhador e não trabalhador, todos desgostam dos actos do Zoão.
Seth Marcelo
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Tomé Simão kissanga Marcelo ou Seth Marcelo, como é mais conhecido, 31, natural de Mavinga, província de Cuando Cubango, Angola, tem Formação Média em Teologia pelo Instituto Bíblico de Luanda; finalista do PUNIV no Curso de Ciências Econômicas e Jurídicas, e Técnico Médio de Saúde no Curso de Farmácia. É Licenciado em Ensino da Língua Portuguesa pela Escola Superior Pedagógica do Bengo (ESP- B) e está cursando o 3°ano de Economia pela Universidade Metodista de Angola (U.M.A). É membro da Brigada Jovem de Literatura de Angola e membro de Debates Estudantes da Liberdade e mentor da “Academia de Literatura Heterónimos de Fernando pessoa”; professor de formação e profissão, escritor e palestrante. Autor do livro ‘Desafios após o Término do Ensino Médio.