Evani Rocha: Crônica ‘A professora Drica’
A professora Adriana sentou-se delicadamente na poltrona, em frente ao médico. Nada disse. Mas o Doutor, educadamente:
– Bom dia Adriana, como vai indo?
Ela pensou: “lá vem ele com seu gerundismo.”
A boca continuou cerrada, apenas alguns suspiros velados saiam pelas narinas. O Doutor Augusto era seu médico há alguns anos, porém, não havia intimidade para confissões. Apenas o visitava a cada dois meses, para pegar os receituários de, pelo menos, meia dúzia de ‘remédios’. Seu olhar estava fixo naqueles olhos pretos, que pareciam enormes, por trás das grossas lentes dos óculos!
De repente, em segundos se viu andando apressada no corredor. Uma bolsa pesada sobre o ombro esquerdo e os braços carregados de livros e cadernos. Tinha uma sequência de portas dos dois lados. Muitos estudantes saíam e entravam nas salas. Era uma total algazarra.
Parou quase no final do corredor, quando se deu conta que não lembrava qual era a sala que deveria entrar…teria que conferir novamente na sua planilha de horário. Seu coração já batia descompensado. A boca estava seca…precisava de ajuda para abrir sua agenda. Alguns professores passavam por ela apressados, adentrando em suas salas. Teriam que entrar rápido nas salas, para que os os estudantes entrassem, senão o burburinho continuava.
Drica não sabia se pedia ajuda a algum aluno ou se voltaria à sala dos professores para conferir qual era a turma, onde já deveria ter entrado há cinco minutos. O suor minava na testa, ela já estava em pânico novamente.
– Dona Adriana, a senhora está bem? – indagou o médico, estendendo-lhe a mão, com um lencinho de papel.
– Ah! Sim! Sim! Desculpe-me doutor, apenas me distraí…
– A senhora está pálida… como tem passado nos últimos dias?
– Tenho passado bem…muito bem, obrigada! Eu trouxe-lhe os últimos exames que me pediu.
– Ah! Ótimo. Deixe-me ver…
A professora Drica, como era chamada por seus colegas e alunos, pegou a pilha de exames que estava em seu colo e colocou sobre a mesa do médico.
Enquanto o médico folheava, ela viajou novamente em seus pensamentos repetitivos: Agora estava lutando contra o tempo para conseguir encontrar seus horários de aula, abrindo com uma só mão os livros e cadernos que carregava, quando, de repente, caiu tudo no chão do corredor. Não fez tanto barulho, mas chamou a atenção de alguns estudantes que ainda estavam nas portas das salas. Ela ficou de cócoras para juntar o material, então ouviu uma voz às suas costas:
– Professora Adriana! O que houve? A senhora não deveria estar em sala de aula? Seus alunos ainda estão todos nos corredores!
Ela levantou o rosto, os livros que havia apanhado caíram de suas mãos. Ela tentou explicar o que havia acontecido, porém as palavras não saiam de sua boca:
– Eu…eu…”
A coordenadora interveio:
– O que é isso? A senhora não me parece bem! Vamos até a minha sala, vamos conversar…
– Claro, claro! Só um instante… Assentiu, juntando o material, agora com a ajuda da coordenadora.
Caminhavam apressadas pelo corredor, sob os olhares curiosos dos adolescentes. Entraram. A coordenadora encostou a porta e fez sinal para que Drica se sentasse na cadeira à sua frente. Ela sentou-se, mas continuou a folhear o material procurando sua planilha de horário.
– Quer conversar professora? – disse a coordenadora, tentando olhar nos olhos de Drica.
– Sobre o que quer conversar, querida? – respondeu Drica, fazendo-se de desentendida.
– Professora, essa é a segunda vez na semana que a senhora fica perdida no meio do corredor…outro dia entrou em turma errada…ou seja, talvez esteja passando por algum problema e gostaria de desabafar…
– Ah! Achei! Achei! Acabei de resolver o meu problema. Minha aula agora é no quinto ano C! Desculpe querida, preciso dar essa aula hoje… pra ficar em dia com o conteúdo. Obrigada pelo apoio.
A professora falou e foi se levantando da cadeira. Abriu a porta e saiu rápido pelo corredor.
Enquanto o médico lhe dizia que seus exames estavam bons, exceto o colesterol um pouquinho alto, a glicose também estava saindo um pouquinho do normal. Seu hormônio da tireoide estava baixo, teria que fazer a reposição, para controlar a hipotireoidismo…Ah! e tomar Sol, precisa produzir a vitamina D, pois também está um pouquinho baixa…
Drica se lembrou da pergunta da coordenadora, sobre ter algum problema… O médico havia acabado de dizer que ela estava razoavelmente bem de saúde.
– Ah! E manter a medicação de uso contínuo para controlar a ansiedade, a depressão, evitar a síndrome do pânico como teve da última vez e… – a voz do médico foi sumindo no seu consciente. Ouvia essas mesmas recomendações há anos. Ela já sabia todo restante da conversa.
No dia seguinte estava novamente naquele comprido corredor cheio de estudantes em algazarra. Pisava leve, e se imaginava caminhando numa trilha no meio de uma floresta. Um ar puro e sons de passarinho. Um riacho de águas cristalinas fê-la parar. Devia atravessá-lo. Dobrou as barras da calça comprida e tirou os sapatos.
Olhou para a planilha de horário que já estava nas mãos, conferiu a turma e adentrou na sala de aula.
Evani Rocha
Contatos com a autora
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Evani Rocha, natural de Chapada dos Guimarães (MT) é bióloga e professora da rede pública há 23 anos, com pós-graduação em Educação, especializada em Literatura Brasileira. Na área literária é poetisa, escritora e autora dos livros: Retalhinhos (Poesia, 2020) e Folhas de Outono (Contos, lançado na Bienal/Rio 2023). Na área acadêmica, é Acadêmica Internacional da FEBACLA – Federação Brasileira dos, entidade da qual recebeu o título Embaixadora Cultural da Paz. Apaixonada pelas artes, em especial a pintura e a escrita, Evani Identifica-se como uma pessoa ligada umbilicalmente à natureza, onde passou boa parte de sua infância. As artes e a natureza são sua fonte de inspiração, motivo pelo qual sua pintura e escrita têm uma voz que ecoa, quase sempre, desse lugar comum.
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