Ivete Rosa de Souza: Crônica ‘Falando sério sobre Outubro Rosa’
Há poucos dias, vi uma reportagem sobre câncer de mama. Um médico alertava ao fato de que, após a pandemia, diminuiu o número de mulheres a partir dos trinta anos, que procuravam os serviços do SUS, para realizarem anualmente exames de prevenção ao câncer de mama e outros.
Nós, mulheres, temos o dever de nos cuidar, exames de mamografia, ultrassonografia de mamas. E outros exames que são necessários para prevenção do câncer e outras doenças, e a partir dos 50 anos, também fazer colonoscopia, que detecta pólipos nos intestinos, podendo ser malignos ou benignos.
A evolução dos tumores é acelerada quando do primeiro diagnóstico, quando eu mesma descobri no autoexame, o caroço parecia do tamanho de uma azeitona; no espaço de três meses, alcançou a proporção de uma laranja. Isso é o maior problema, quanto maior o tumor, maior a perda mamária. Fiz essa descoberta da pior forma possível, dado ao fato de que fui levada de um médico a outro, e o tempo encurtava a cada negativa.
Fui a um ginecologista que, sem examinar, mandou que eu fizesse uma mamografia. Depois procurasse um mastologista, mas a mamografia não mostrou a real dimensão do tumor. Infelizmente esse médico, que já chegara à clínica com atraso de mais de uma hora, disse que não viu nada no exame, que eu esperasse o caroço crescer. Nas palavras dele: “Se crescer mais a gente tira”, abrindo a porta do consultório e chamando outra paciente. Nesse momento eu já me sentia com uma sentença de morte.
Marquei consulta em outro médico imediatamente; este, super consciencioso, marcou a cirurgia para dali a uns vinte dias. E mandou que eu fizesse todos os exames preparatórios e um ultrassom com dopler e biópsia. Fiz com toda urgência. No dia anterior à cirurgia, recebi um telefonema do consultório do Doutor Vacari, dizendo que a cirurgia tinha sido cancelada pela operadora Green Line.
Mais uma decepção, medo e desespero. A orientação era que eu passasse com outra mastologista, na rede própria. Nisso já contabilizou mais trinta dias. A saga, à procura de atendimento médico, começou em maio de 2005. Já estávamos no final em junho.
Fui à médica indicada pelo plano. Ela me examinou, mandou que me vestisse e dali a 10 dias eu seria operada. No dia anterior ao marcado, minha mãe veio para ficar com meus filhos de 12 e 9 anos. À noite, antes de nos levantarmos, meu esposo gritou por mim, encontrou minha mãe desmaiada. A levamos para o hospital e foi internada de imediato. Sofreu dois infartos: um em minha casa, e outro na ambulância que nos levou a outro hospital especializado.
Só me lembrei da minha cirurgia quando a médica ligou me procurando. Informei ocorrido, ela disse que ligasse para ela assim que minha mãe estivesse bem. Quinze, ou vinte dias depois, fui ao hospital. Minha mãe recebeu alta, e uma de minhas irmãs a levou para casa.
Lembro que cheguei ao hospital às 4h da madrugada. Fizemos a internação, entrei na sala de espera do hospital. Lá, de camisola do hospitalar, permaneci junto a outros pacientes, num corredor com fileiras de cadeiras nas duas laterais, olhando para o rosto de homens e mulheres esperando para entrar no centro cirúrgico. Tinha uma TV que, fatidicamente, não ajudava, pois, continuamente, a reportagem discorria sobre o caso da moça que matou os pais.
Quando uma enfermeira veio buscar um paciente, pedi que pelo menos ela mudasse de canal. Ela disse que, infelizmente, não conseguia. As TVs eram conectadas a um determinado terminal, que colocava em canais aleatórios, mas que tentaria achar um responsável.
Isso aconteceu depois das 7 horas da manhã. Vários pacientes, impacientes, já tinham ido para cirurgia, macas entravam e saiam a todo momento. A meu lado esquerdo estava um senhor idoso, e a minha direita, uma mulher bem mais jovem que eu. O senhor ria e brincava com os demais, muitos já cansados da espera, como eu.
Ele ia operar um dos joelhos, disse que não era grave, mas não gostava de cirurgias. A moça a meu lado desatou a chorar. Tive a impressão de que a conhecia, mas não dei muita importância, afinal todos nós navegávamos na mesma canoa, que corria sem destino. Terminou que a moça furou a fila, ou melhor, a minha fila, pois erámos pacientes para a cirurgia de câncer.
A enfermeira me chamou e informou que a médica havia decidido operar essa paciente antes de mim. Mais três ou quatro horas de espera.
Finalmente a enfermeira veio me buscar, informando aos demais daquele corredor, onde havia um rodízio de novos rostos, numa profusão assustadora, que os médicos estavam fazendo o possível, mas que cirurgias podem ser mais fáceis ou difíceis, conforme o caso.
Na sala, a médica explicou o procedimento, em seguida fui anestesiada, só acordando quando o sol estava se escondendo.
Lembrei-me de meu esposo, disseram que foi avisado do final da cirurgia, tinha passado no quarto e foi para casa ver meus filhos, que haviam ficado com uma vizinha desde a noite anterior.
Dormi novamente, acordei na madrugada. Desesperada para ir ao banheiro. Acionei o botão da enfermagem, ninguém apareceu. Apertei o botão da cama para me levantar. Ao me sentar para sair, senti muita dor, e um líquido viscoso escorrendo pelo meu lado direito. Levantei-me e senti algo se rasgando. No banheiro constatei a ruptura dos pontos, o líquido era sangue. Tomei um banho, me sequei o quanto pude. Procurei por minhas roupas, não encontrei.
Nua e sangrando, embrulhada no lençol da cama, sai ao corredor à procura de ajuda. Uma enfermeira do berçário me viu. Meio assustada, me perguntou: — De onde a senhora veio? Com fome sede e raiva eu falei
— Se eu ainda estou viva saí do quarto 311. Ela, meio sem graça, me ajudou a voltar ao quarto. Ficou sem fala ao ver o tanto de sangue e fluidos no chão. Na troca de plantão, esqueceram de avisar que tinha paciente naquele quarto. Fui premiada.
Acionou a cama várias vezes para retirar o dreno, um saquinho que estava acoplado a mim, para recolher o líquido que agora vazava com um a bica. O médico de plantão só orientou fazer uma bandagem, deu medicação prescrita na prancheta, que levaram mais de uma hora para encontrar. Resultado: eu estava internada em outra ala, que depois descobriram estar lotada; Assim, me levaram para a ala das parturientes. E lá não encontravam os meus documentos.
A enfermeira trouxe alguns biscoitos e um chá, me vesti com outra camisola, enquanto a moça trocava a cama. Chamaram o pessoal da limpeza. Era tanto o tumulto que não dormi mais até o dia seguinte.
Lá pelas 13 horas, meu esposo, e minha irmã e cunhado, discutiam com a minha médica. Ela queria me levar para a cirurgia. Interrompi e disse a ela se poderia inserir outro cateter e uma nova bolsa, ali mesmo no quarto. Disse que não, mas poderia suturar, e eu teria que ir à clínica a cada dois dias para drenar aquele líquido.
E assim foi feito e pedi a minha alta, a contragosto da médica. Ali eu não ficaria mais. Se eu não tivesse me levantado naquela noite pavorosa, imagino que a história teria sido ainda mais trágica.
A quimioterapia debilita muito. E a radioterapia faz queimaduras na pele. Já esticada ao máximo, sentia que a minha pele estava grudada às costelas. A isso dão o nome de plastão. Eu perdi a mama e ganhei uma parede, esburacada e queimada.
Ao término dos dois tratamentos, cinco anos de Tamoxifeno, mais cinco para a conclusão de que estava realmente livre do câncer. O Carcinoma Ductal Infiltrativo tinha sido extirpado, mas a sombra do câncer me acompanha até hoje.
A consciência de que o câncer mata. A moça que chorava a meu lado, de trinta e poucos anos, sobreviveu por mais três meses após a cirurgia, vindo a óbito, porém, deixando órfãos dois filhos.
Eu venci o câncer, mas convivo com o medo de ter outro. Não quero ser alarmista, mas todas as mulheres e alguns homens estão sujeitos a ter câncer de mama e outros, de igual ou maior perigo.
A prevenção é nossa melhor defesa. Exames regulares, ao menos anualmente. Peça ao ginecologista para fazer a mamografia e ultrassom das mamas. A mamografia mostra os tumores e os estágios de crescimento. No meu caso, a posição em que se encontrava, a mamografia não alcançou para mostrar o tamanho. Foi necessário fazer uma ultrassonografia com dopler, e ser inserida uma agulha, para fazer biópsia.
Para o ano de 2022 foram estimados 66.280 casos novos, o que representa uma taxa ajustada de incidência de 43,74 casos por 100.000 mulheres. Segundo pesquisas, as taxas brutas de incidência e o número de novos casos estimados são importantes para estimar a magnitude da doença no território nacional e programar ações locais.
O câncer de mama é a primeira causa de morte por câncer em mulheres no Brasil, com patamares diferenciados entre as regiões. A taxa de mortalidade por câncer de mama, ajustada por idade pela população mundial, foi 11,71 óbitos/100.000 mulheres, em 2021.
Muitos estudos revelam que o câncer mata mais que outros problemas de saúde.
Junto com o câncer, vem o medo de morrer, até mesmo a depressão. O Doutor Vacari foi o primeiro médico a dar a atenção que eu precisava; também o que mais me ajudou e apoiou durante o tratamento. Segundo ele, a forma de enfrentarmos a doença é não se deixar intimidar, manter o bom ânimo, não se vitimizar, e, acima de tudo se colocar em primeiro lugar.
O diagnóstico não significa uma sentença. Nossa prioridade é detectar ainda nos primeiros estágios, e procurar ajuda médica. Quem melhor do que nós mesmas para conhecer nosso próprio corpo? O autoexame, sob o chuveiro, ou deitada de costas, apalpando o seio.
No primeiro estágio sentimos um caroço, pequeno e duro. Depois vem o desconforto, mamilos doloridos, ou invertidos. Depois nódulos ou a secreção mamilar purulenta ou sanguinolenta. Também é comum: fadiga relacionada ao câncer, inchaço dos gânglios, ou perda de peso.
No estágio final, fadiga e perda de peso o câncer já está em um estágio avançado. Fator maior de risco e de vir a óbito.
Não corra riscos, faça exames a cada ano, ou a cada seis meses, se tiver familiar com esse diagnóstico. O câncer é silencioso, li que morre mais pessoas com câncer, relacionado a doenças cardíacas, e até mesmo à covid.
Ivete Rosa de Souza
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