Ella Dominici: ‘Palmeiras esguias’


às 13:18 PM
A história dos lugares não é apenas a história dos lugares. Quando um espaço carrega as marcas das almas e dos corpos que nele existiram, a geografia se dissolve na memória. O que se conta, então, não é sobre a terra em si, mas sobre a experiência de estar, pensar e descobrir.
Há quem observe apenas formas. Eu, porém, busco enxergar além das aparências. Vejo as mentes em seu estado bruto, sem contornos definidos, até que se revelam. Com o tempo, compreendi que as matérias se desgastam e que o homem, tão sólido quanto pensa ser, se esfarela na passagem do tempo. No entanto, é na consciência que a história permanece – uma resiliência silenciosa, muito além da inércia das coisas.
Os lugares não guardam suas histórias em muros ou ruínas, mas no ar que se respira, nos pulmões que sustentam a existência.
A memória é meu ponto de partida. O que fui e o que serei se entrelaçam em um tempo fluido, onde sou tanto a lembrada quanto a esquecida. O passado é um tecido rendilhado, com suas lacunas preenchidas por recordações, devaneios e descobertas. Minha trajetória é uma reconstrução, um resgate que se materializa nas ruas literárias desta cidade que se reinventa.
Ao me deparar com um vilarejo vazio de letras, sigo rumo à Ilha de Dentro*. O caminho é moldado por palmeiras esguias, que oscilam entre a rigidez e a leveza, tal como os espíritos das novas gerações que ali se firmam. Mas há também aqueles que chegam para modificar a paisagem, desfazendo a essência bucólica e romântica dos arredores. O que era belo não resiste à repetição do presente, e Sophia* percebe que a mesmice do hoje apaga as cores do que poderia ter sido.
O encontro com seu próprio Eu é paradoxal, mas real. A felicidade, quando autêntica, nasce do contato mais profundo com o ser. A vida não é um documento imutável, mas um fluxo de pensamentos, conversas íntimas consigo mesma, com Deus, com lembranças ancestrais. É um diálogo contínuo entre finitude e eternidade.
As ondas, ao se chocarem contra a terra, esculpem palavras. As memórias e imaginações se transformam porque um dia existiram.
Reconhecer a sombra é perceber a casca do ovo que se rompe e encontrar, na gema, o legado da criação. Na escrita, a metamorfose acontece. Sophia compreende que, ao se lançar na liberdade da linguagem, está também recriando sua própria existência.
Ela ainda tem muito a dizer, muito a ouvir. O tempo, afinal, não é um limite.
As palmeiras, eretas, enfrentam os ventos em desalinho. Não obedecem a paralelismos, não se submetem a métricas rígidas. Sua dança imprevisível na planície aberta é poesia sem rimas, liberdade sem fronteiras.
* Sophia e Ilha de Dentro: uma concepção e gestação que prometem, em breve, levar os leitores num mergulho literário a profundeza e descobertas inimagináveis!
Ella Dominici
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Natural de São Paulo (SP), é endodontista por profissão e formada no curso superior de Língua e literatura francesa. Uma profissional que optou por uma ciência da área da saúde, mas que desde a infância se mostrava questionadora e talentosa na Arte da Escrita, suscitando da parte de um mestre visionário a afirmação de ela ser uma escritora nata, que deveria valorizar o dom que recebera. Atendendo ao conselho recebido, na maturidade Ella cumpre o vaticínio e lança o primeiro livro solo de poemas (Mar Germinal), rompendo com a escrita meramente contemplativa, abraçando fragmentos, incertezas e dualidades para escancarar oportunidades a si como ao outro. Dribla o autoritário tempo, flagra mazelas psicológicas em minúsculas e múltiplas impressões exteriores e internas. É membro da AMCL – Academia Mundial de Cultura e Acadêmica Internacional da FEBACLA. Coautora de várias antologias. Publica na Revista Internacional The Bard e se inscreveu no 8º Festival de Poetas de Lisboa, participando da antologia promovida pelo evento
Ella, como sempre, destacar excertos da sua escrita é, praticamente, destacá-la por inteiro. Num Banquete de Palavras, como eleger o que há de mais inefável?
Destaco, no entanto, esta preciosidade: “As ondas, ao se chocarem contra a terra, esculpem palavras. As memórias e imaginações se transformam porque um dia existiram. Reconhecer a sombra é perceber a casca do ovo que se rompe e encontrar, na gema, o legado da criação”.
Caríssimo Sérgio Diniz,
Gratíssima por esmerilhar nossas pedras, nossas publicações revelam seu cuidado, muito prazer em participar deste nobre Jornal Cultural. Viva o *Rol*