Ursulina Lopes Torres, a nossa primeira médica
Parte 1
“A História é a mestra da vida”. A frase, atribuída a Cícero, continua carregando algo de verdadeiro. Se os estudos históricos evoluíram de modo a que a História não fosse mais considerada apenas como o exemplo a ser seguido pelas as gerações futuras, é bem verdade que os acontecimentos do passado ainda nos servem de inspiração.
Apesar de já termos passado da primeira década do século XXI, infelizmente nos deparamos com retrocessos que suscitam em nós a busca de alguma resposta, de algum sentido na longa estrada do pretérito. Convivemos ainda com discriminações, por exemplo, que paradoxalmente vêm se acirrando em nossos tempos.
Com isso, é inspirador conhecermos exemplos de pessoas que romperam com preconceitos e lutaram para que a sociedade fosse mais aberta, humana, justa para todos. Porto Feliz possui muitos modelos assim em sua história. Um desses exemplos é o da pioneira Ursulina Lopes Torres (ou Ursolina), uma sorocabana que se tornou a primeira médica a clinicar em Porto Feliz.
Ursulina nasceu em Sorocaba no dia 20 (ou 26) de janeiro de 1882, sendo batizada no dia 26 do mês posterior. Era filha de Anastácio Lopes Torres e de Maria do Rosário dos Santos. A mãe faleceu quando Ursulina tinha por volta de 14 anos de idade, no ano de 1896 (http://pufal.blogspot.com.br/2016/01/familias-portuguesas-nas-missoes-os.html).
Aos 17 anos de idade ingressa na Faculdade de Medicina e Pharmácia de Porto Alegre. De acordo com o jornal gaúcho “A Federação”, Ursulina Lopes Torres obteve excelentes notas em diversos exames. Comumente, obtinha aprovação com distinção: Nos resultados dos exames de 1º ano, obteve aprovação com distinção em todas as matérias: Botânica, Física e Química Mineral (“A Federação”, 08 dez 1899, p. 2). No mesmo ano de ingresso no curso de Farmácia, a menina era professora particular de instrução primária e secundária, juntamente com seu pai, Anastácio (“A Reforma”, 22 abr 1899). Em dezembro daquele ano, Ursulina estava habilitada para a matrícula do 2º ano da Faculdade (“A Federação”, 12 dez 1899, p. 2). Na turma dela havia apenas mais uma mulher: Alice Maefer. Essa última formou-se depois em Medicina, sendo uma das primeiras médicas gaúchas, mas que interrompeu sua carreira por conta do casamento.
No ano seguinte, continuou sendo aprovada com distinção: Química orgânica e biológica, protegômenos de terapêutica e bacteriologia (“A Federação”, 06 mar 1900; 07 mar 1900; 11 dez 1900). Foi aprovada plenamente em matéria médica, farmacologia e arte de formular (“A Federação”, 11 dez 1900, p., 2). Em abril de 1900, o jornal “Correio Paulistano” anunciava os alunos que deveriam ser diplomados em breve pela Faculdade de Medicina e Farmácia de Porto Alegre. Entre eles estava a de Ursulina Lopes Torres, a única mulher a figurar nessa lista (Correio Paulistano, 11 abr 1900, p. 2).
De volta a São Paulo, depois de formada em Farmácia, no ano de 1901, Ursulina Lopes Torres foi a primeira mulher diplomada a se registrar em São Paulo. De 1892, quando abriu o registro, até 1904 apenas uma mulher se registrou, e era Ursulina, conforme consta na dissertação de mestrado de Olga Sofia Fabergé Alves sobre os farmacêuticos diplomados de São Paulo. Dedicou-se à profissão de farmacêutica até 1904, quando aparece no jornal “O Estado de São Paulo” como proprietária da Farmácia São Joaquim, tendo vendido esse estabelecimento em abril daquele ano.
Provavelmente nesse ano foi para o Rio de Janeiro cursar a Faculdade de Medicina, onde se formou em 1908, conforme atesta Olga Sofia Fabergé Alves. Ursulina tornou-se mais uma das mulheres formadas em Medicina e que já possuíam um diploma de Ensino Superior, mesmo numa época em que isso era raro entre as mulheres por conta do machismo que imperava na sociedade.
Dizem Maria Lucia Mott, Maria Aparecida Muniz, Olga Sofia Fabergé Alves, Karla Maestrini e Tais dos Santos, em artigo publicado na Revista Ciência & Saúde Coletiva, que “Pelo cruzamento dos dados, constatou–se que médicos/as possuíam formação, diploma e registro em mais de uma área da Saúde, como por exemplo, Ursulina Lopes Torres, que se formou, em 1901, em Farmácia no Rio Grande do Sul, efetuou o registro em São Paulo no mesmo ano, cursou medicina no Rio de Janeiro, onde obteve diploma, registrando–se novamente em São Paulo, como médica, em 1929” (Ciênc. saúde coletiva vol.13 no.3 Rio de Janeiro May/June 2008). Em Porto Feliz, Ursulina começou a medicar em 1916, portanto, a exatos 100 anos.
. Uma coincidência apontada pela historiadora Sonia Belon: Ursulina foi a primeira farmacêutica a se registrar em São Paulo. O primeiro farmacêutico a se estabelecer em Porto Feliz foi Domingos Maurino, que era casado com uma prima de Ursulina, a sra. Anna Cyra Torres.
Carlos Carvalho Cavalheiro
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É fundador e um dos editores do Jornal Cultural ROL e do Internet Jornal. Foi presidente do IHGGI – Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Itapetininga por três anos. fundou o MIS – Museu da Imagem e do Som de Itapetininga, do qual é seu secretário até hoje, do INICS – Instituto Nossa Itapetininga Cidade Sustentável e do Instituto Julio Prestes. Atualmente é conselheiro da AIL – Academia Itapetiningana de Letras.