Desafios de um professor de Língua Portuguesa: perspectivas globais e o contexto angolano e o ‘impossível duplo acento’ nas palavras da Língua Portuguesa

De acordo com Fernando Chilumbo, a docência de Língua Portuguesa traduz “desafios complexos no mundo de hoje, que vão além da mera gramática ou literatura. Estes envolvem aspectos pedagógicos, tecnológicos e, essencialmente, socioculturais. Em Angola, país plurilíngue com o Português como língua oficial, o ensino desta língua assume um papel central não só como meio de comunicação, mas como instrumento de inclusão social, preservação cultural e mobilidade educativa.
Em escala global, professores de Português enfrentam transformações educacionais aceleradas. A digitalização, a literacia multimodal, as exigências de competências comunicativas, e os sistemas educativos que procuram conciliar tradição e inovação pedagógica são realidades comuns. Há também uma preocupação crescente com o crescimento demográfico nos países lusófonos, o que colocará pressão adicional sobre os sistemas de educação nas próximas décadas. Por exemplo, o Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) reporta que, segundo projecções da ONU, o português poderá vir a ser língua materna de cerca de 400 milhões de pessoas em 2050, especialmente pelo crescimento populacional em Angola e Moçambique.
Angola possui várias línguas nacionais que coexistem com o Português. As línguas mais faladas além do português incluem o kikongo, kimbundu, cokwe, ngangela, oshikwanyama, entre outras.
Em 2025, há um projecto experimental para introduzir o ensino formal de seis línguas nacionais (umbundu, kimbundu, cokwe, kikongo, nganguela, ocikwahama) na primeira classe, com professores, coordenadores e material pedagógico dedicado.
O Instituto de Línguas Nacionais (ILN) tem como missão institucional estudar línguas nacionais, suas variantes, promover sua preservação e valorização, conforme Decreto Presidencial n.º 159/21.
O governo angolano implementa iniciativas como o Plano Nacional de Formação de Quadros’, que inclui formação de professores em metodologias de ensino de línguas, educação infantil, etc. Por exemplo, uma edição do plano resultou na formação de mestres em educação infantil e ensino primário, com especialidades em Metodologia de Ensino de Línguas.
Um estudo recente (‘Análise dos conteúdos de Língua (Gramática) nos programas e manuais de Língua Portuguesa do Ensino Primário angolano’) mostra que os programas e manuais de Língua Portuguesa nem sempre reflectem as necessidades reais sociolinguísticas dos alunos, pois há grandes interferências das línguas nacionais (L1) e uma discrepância entre os conteúdos gramaticais previstos e a actual prática de comunicação linguística dos estudantes.
Falta de professores qualificados para ensinar algumas das línguas nacionais e para aplicar metodologias que reconheçam variações linguísticas locais é um problema real.
O projecto para ensino de línguas nacionais prevê a formação de docentes para essas línguas, o que indica actualmente a escassez de pessoal treinado.
Há necessidade de revisão dos manuais e programas de Português para que estes considerem as variedades linguísticas angolanas e as práticas comunicativas reais dos alunos (oralidade, fala, influência de línguas maternas).
A valorização das línguas nacionais (na prática, no estatuto escolar, nos currículos, no material pedagógico) é um tema presente nas discussões públicas em Angola.
Iniciativas recentes procuram formar professores para melhorar a qualidade do ensino primário, mas os desafios institucionais (infraestrutura, acesso ao material pedagógico, coerência curricular) persistem. A notícia “Angola ganha mestres de educação de infância e ensino primário” indica que, embora haja progresso, ainda há muito caminho a percorrer.
Com base nos dados verificados, podemos afirmar que os professores de Língua Portuguesa em Angola enfrentam desafios concretos e múltiplos:
1. Diversidade linguística: trabalhar num país plurilíngue exige reconhecimento das línguas nacionais, adaptação metodológica e materiais adequados.
2. Formação docente: há progresso, mas ainda há lacunas — necessidade de formação em metodologias específicas, adaptadas ao contexto lingüístico real dos alunos.
3. Recursos didácticos e curriculares: muitos manuais e programas estão desfasados da realidade sociolinguística; é necessário reconhecimento das variedades do português angolano nos materiais didáticos.
4. Políticas de valorização: para que as línguas nacionais sejam efectivamente integradas, o estatuto legal, financiamento, políticas curriculares, material didáctico e formação docente precisam estar alinhados.
5. Motivação dos professores e alunos: identidade linguística, reconhecimento, pertinência cultural do ensino, tudo isso contribui para melhorar a motivação, tanto do docente como do aluno”.
Quanto ao Impossível Duplo Acento nas Palavras da Língua Portuguesa: uma análise fonológica e ortográfica, conforme Fernando, o presente texto tem “como objectivo esclarecer um equívoco recorrente relativo à acentuação gráfica em português, nomeadamente a ideia de que determinadas palavras, como bênção, Estêvão, acórdão, órfão e órgão, conteriam dois acentos. Demonstra-se, com base na fonologia e na ortografia normativa, que cada palavra da língua portuguesa pode possuir apenas um acento gráfico e, consequentemente, uma única sílaba tónica.
A acentuação gráfica em português constitui um dos aspectos mais sensíveis da ortografia, uma vez que reflecte directamente a tonicidade e o timbre das vogais. A confusão frequente entre acento gráfico e nasalização, bem como entre acento e til, leva alguns falantes a supor que certas palavras apresentam ‘dois acentos’.
O presente estudo procura esclarecer, à luz da gramática normativa e da linguística fonológica, que tal fenómeno não ocorre em língua portuguesa. Para tal, são analisadas as palavras bênção, Estêvão, acórdão, órfão e órgão, demonstrando-se que cada uma contém apenas um acento gráfico, o qual indica a sílaba tónica.
Acento gráfico e acento tónico: distinção fundamental
Na língua portuguesa, o acento tónico é a força prosódica que incide sobre uma sílaba, tornando-a mais saliente do que as restantes. Já o acento gráfico é o sinal escrito (´, `, ^) que representa, quando necessário, essa tonicidade, segundo regras ortográficas específicas. O til (~), embora frequentemente confundido com acento, não é um acento gráfico. Trata-se de um sinal diacrítico de nasalização que altera o som da vogal, mas não indica tonicidade. Assim, em palavras como órgão ou bênção, há apenas um acento gráfico (agudo ou circunflexo) e um til, que não deve ser considerado como segundo acento.
Análise das palavras mencionadas:
a) Bênção: palavra bênção apresenta o acento circunflexo na sílaba bên, indicando que a vogal é fechada e tónica. O ão final contém apenas o til, que assinala nasalização. Portanto, existe um único acento gráfico.
b) Estêvão, o acento circunflexo recai sobre a sílaba tê, marcando-a como tónica. O ão final apenas indica nasalização. Logo, há um só acento gráfico.
c) Acórdão, o acento agudo incide sobre a sílaba cór, assinalando a tonicidade. O ão é nasal, mas átono. Assim, ocorre apenas um acento gráfico, coincidente com a sílaba tónica.
d) Órfão contém acento agudo na sílaba ór, indicando a sua tonicidade. O ão é nasalizado e final, não possuindo acento gráfico. Portanto, há um único acento gráfico.
e) Órgão, o acento agudo incide sobre ór, identificando a sílaba tónica. O ão apenas expressa nasalização. Assim, verifica-se um só acento gráfico.
A estrutura prosódica da língua portuguesa estabelece que cada palavra apresenta apenas uma sílaba tónica. A existência de mais de um acento gráfico seria, portanto, incompatível com a natureza da acentuação do português.
Conclui-se, assim, que é incorrecta a ideia de que palavras como bênção, Estêvão, acórdão, órfão e órgão apresentam dois acentos. Em todas elas, observa-se apenas um acento gráfico, correspondente à única sílaba tónica. O til que nelas aparece serve unicamente para indicar nasalização e não constitui um segundo acento. O rigor ortográfico e fonológico da língua portuguesa impede a duplicação de acentos gráficos ou de sílabas tónicas numa mesma palavra. A distinção entre acento gráfico e sinal de nasalização é essencial para a correcta escrita e pronúncia das palavras, assegurando a clareza e a coerência do sistema ortográfico português”.
Minibiografia de Fernando Chilumbo: estudante dedicado e multifacetado, com formação em andamento em Língua e Literaturas em Língua Portuguesa na Faculdade de Humanidades da Universidade Agostinho Neto. Sua jornada académica inclui o curso de Jornalismo Profissional no Cefojor (Centro de Formação de Jornalistas), onde aprimora habilidades práticas essenciais para a comunicação. Paralelamente, actua como professor do Ensino Primário, demonstrando compromisso com a educação e a transmissão de conhecimento desde cedo.
Participou de cursos complementares que enriqueceram sua formação: Língua Russa, cursada no ISCED-Luanda, promovida pelos russos, o que ampliou sua perspectiva linguística e cultural; Teoria e Prática do Comentário Literário, realizado na União dos Escritores Angolanos, sob a promoção do Círculo de Estudos Linguísticos Literários e Litteragris, aprofundando seu conhecimento em crítica literária e Editores, Diagramadores e Capistas, promovido pelo Jornal O Estandarte e o curso de Língua Portuguesa e Comunicação da Universidade Metodista de Angola.
Rede social: Facebook: https://www.facebook.com/o.nin.guem.2025
Renata Barcellos
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Natural do Rio de Janeiro (RJ), é pós-doutora em Língua Portuguesa e em Literatura Brasileira pela UFRJ e professora da Educação Básica à Superior. É membro de diversos sodalícios: APALA, ALAP, AJEB RJ, SCLB MA, AMT, AOL, ABRASCI, ABRAMIL, Pen Clube; membro correspondente do Instituto Geográfico de Maranhão, da Academia Maranhense de Letras e da Academia Vianense de Letras. Membro dos grupos de pesquisa GELMA e do Formas e Poética do Contemporâneo – ForPOC (CNPq/ UFMA/ CCEL). Âncora do Programa Pauta Nossa na Mundial News e fundadora do Barcellartes. Escreve matérias e entrevistas para o saite Facetubes, para o Jornal Terra da Gente e A voz do Escriba e para revistas como 7 Literário News, LiterArte SP, Revista Sarau e Voo livre.

