novembro 22, 2024
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Carlos da Terra: 'A Reunião'

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Carlos da Terra

A Reunião

Ninguém me convidou… apenas um aviso informal…
Mas eu vim! Na realidade incomodava-me muito a ideia covarde de não comparecer. Nem mesmo a garoa fria e os compromissos assumidos para o dia seguinte, conseguiam me dissuadir. Eu, na verdade, não queria ir mas era compelido.
Fui sozinho. Tinha um pressentimento, quase certeiro, que ninguém queria ir comigo; não pelo clima inóspito reinante naquela tarde fria e garoenta. Muitas outras vezes, lembrei-me assim que me pus a caminho, que outrora convidei outras pessoas para jornadas alvissareiras e tive como resposta o desânimo e até mesmo a dissuasão por parte da maioria, que se preocupava dia após dia, com a mesmice de suas ideias e desejos jamais satisfeitos. A jornada de hoje não era alvissareira e então a probabilidade de alguém me acompanhar parecia ainda menor.
Fui então sozinho mesmo e ao chegar à porta da casa que era do Roberval eu senti um clima desagradabilíssimo. Tive a impressão que os outros amigos, sempre companheiros do Roberval, não estariam lá nesse dia.
De fato, logo notei que havia poucas pessoas e, surpreendentemente algumas desconhecidas para mim. Eu não sabia que o Roberval tinha aquele tipo de amigos. Mas afinal que me adianta fazer qualquer tipo de julgamento?

Como eu não queria ver ninguém e nem mesmo queria ser visto, acomodei-me em pé mesmo, em um dos cantos mais escuros da pequena sala.

Eu olhava o semblante de todos os que estavam lá. Havia apenas seis comparecidos, com exceção do próprio Roberval, que se imiscuíam, assim como eu, na penumbra. Mas todos, pareciam refletir absortos. Na verdade, todos menos um, o antigo dono da casa.

Este, o Roberval, parecia absolutamente tranquilo; muito diferente de apenas alguns dias passados, quando se levantava em plena praça, na frente dos bares e urrava em tom beligerante contra o domínio escravizante do governo e a opressão das classes econômicas abastadas.

Bem no centro da sala, às vezes, parecia-me que o Roberval iria finalmente, falar como sempre o fazia, mas não. Nada se ouvia de sua boca arroxeada. Ele estava, decididamente, conformado. Seus olhos extáticos nem mesmo contemplavam a nesga de luz tosca que invadia pequena parte da sala, lúgubre, perto da porta escancarada. Agora não se preocupava mais com as pressões sociais e nem mesmo sua consciência lhe acusava de pressões que ele mesmo impôs a alguns mais fracos.
E todos nós, os seis, também não falávamos e na verdade parecia que eu ouvia o Roberval falando as mesmas coisas que sempre disse. Mas não… o silêncio era total.
De vez em quando alguém mudava de lugar.

O que mais preocupava a todos, assim me parecia, era, não as coisas que o Roberval apregoava, como a revolução das classes, mas preocupava a inércia do Roberval e possivelmente a inércia futura de todos que estavam reunidos em profunda solidão.

Parecia que nada mais iria acontecer por ali quando o ambiente se alterou marcadamente por um barulho de carro, apressado, que freou bem na entrada, de modo insensível, abrupto e irreverente.
O motorista desceu e entrou feito um louco, aos olhos de todos. Entre todos parecia que apenas ele, mais ninguém, tinha algum objetivo naquele dia.
Entrou, olhou de sobrolho, mas não cumprimentou ninguém. Dirigiu-se ao centro, onde estava o Roberval e colocou um artefato tão artificial quanto a própria vELÓRIOVelórioexistência de todos, escrito ao centro: In pace requiescat!
Velório
Helio Rubens
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