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Marcelo Paiva Pereira: 'Discurso sobre a paciência'

Marcelo A. Paiva Pereira

DISCURSO SOBRE A PACIÊNCIA

Juvenal Paiva Pereira, aos 17 anos, em foto de 1915

 

 

 

 

 

 

 

 

Aos 12 de agosto de 1968 o Professor Juvenal Paiva Pereira (1898-1983) discursou sobre a paciência na Igreja Nossa Senhora das Estrelas, em Itapetininga/SP. O texto original segue transcrito abaixo:

 

P A C I Ê N C I A

Autor: Juvenal Paiva Pereira

Data: 12.08.1968

Os dicionários registram a palavra Paciência com várias significações, entre as quais cito:

  1. Aceitação pacífica e espontânea de uma situação incômoda;
  2. Resignação;
  3. Jogo de entretenimento (jogos de paciência);
  4. Interjeição de conformidade ou de conformismo (Paciência!…);
  5. Mansidão (quase como humildade);
  6. Insistência tranquila em trabalho difícil e longo;
  7. Transigência com o próximo.

Se os dicionários assim o fazem é porque, na verdade, o mundo, a humanidade, na sua linguagem universal, dá o nome de “paciência” a atitudes muito diversificadas que os homens assumem em face da vida, em diferentes circunstâncias. São atitudes como:

  1. Suportar, mansamente, a opressão e injustiça de pessoas autoritárias ou conscientemente ríspidas, grosseiras;
  2. Aceitar com emoção do irremediável uma perda material ou moral (Quebrou – “paciência” – Morreu – Paciência! – O Palmeiras perdeu – paciência!);
  3. Ficar-se a jogar xadrez ou buraco horas e horas sem ambição de lucro;
  4. Repetir, vezes e vezes, a tentativa para resolver um problema, consertar um rádio, aprender uma música, desatar um nó, etc.;
  5. Ouvir com bondade, sem agitação, a conversa insípida de uma pessoa ingênua ou (no meu caso) a palavra de um orador maçante;
  6. Cuidar dos enfermos meses ou anos seguidos de rosto amigo e coração sereno;
  7. Esperar nas filas, ao sol, ao frio e à chuva; na fila do ônibus, do emprego, das incertezas, na fila das esperanças;
  8. Atender de bom humor crianças irriquietas, barulhentas, velhos ranzinzas e adultos ignorantes ou importunos;

Além das citadas, é possível e provável que haja mais outras diferentes atitudes humanas a que o mundo dê também o mesmo nome de paciência, embora se perceba que sejam elas, na verdade, atitudes claramente diversas, nada parecidas entre si, quer pelo resultado, quer pelo estado de espírito que elas traduzem. Há vários tipos de paciência:

Há paciência no ato chamado intelectual: cálculo;

Há paciência no ato motor: desatar um nó;

Há paciência no ato afetivo: cuidar do filho;

Há paciência no ato moral: ação continuada da prática do bem.

Em todos esses casos, é sempre ela, sem dúvida, um grande dom pessoal quanto à natureza do ato em si mesmo. E, de qualquer forma, uma força interior.

Pode, entretanto, esse dom, essa força interior, deixar de ser virtude quando o fim que se tem em vista é moralmente mau ou (de) transigência condenável.

A paciência do bajulador é indignidade;

A paciência do jogador pode ser vício;

A paciência do arrombador de cofres pode ser crime;

A paciência do oportunista é sem-vergonhice;

A paciência do comodista é preguiça;

A paciência ou transigência com a injustiça é aviltamento;

Paciência transigente com a mentira é cumplicidade;

Paciência transigente com a corrupção também é corrupção;

 

Nesses casos, é o dom de uma força psíquica a serviço das fraquezas de caráter. Por outro lado, é virtude:

  1. A paciência intransigente e calma na luta do bem contra o mal.
  2. A paciência intransigente na luta contra os injustos.
  3. A paciência tranquila e austera na luta em defesa dos legítimos direitos.
  4. A paciência inabalável em defesa da verdade.
  5. A paciência terna e serena em toda luta nobre e honesta.

Pelo que se vê, paciência não é sempre uma atitude passiva de aceitação ou suportação da adversidade das coisas e das pessoas.

Ela é também e principalmente uma ação ou reação ativa a favor dos atos bons ou contra as ações más.

Em ambos os casos é ela sempre uma atitude da nossa alma, uma disposição interior, de dentro da nossa pessoa individual.

É o que se costuma dizer um estado psicológico, um estado de espírito.

Nessa condição, é ela uma energia mental que age dentro de nós, orientando o nosso comportamento.

Ora, atua para inibir reações, isto é, para não nos deixar agir.

Ora, para excitar reações para nos levar a agir.

No primeiro caso é inibitória; no segundo, liberatória.

O que há de comum nestes extremos é a serenidade, impassibilidade interior que a contém. Há indivíduos que suportam os revezes, as doenças, o infortúnio. Mas suportam de coração amargo, com a revolta no íntimo, mal sufocando resmungos ou palavrões. Isso é uma falsa paciência, uma suportação penosa, como doloroso fardo, resignação, contrafeita. Não é a paciência psicológica e moral autênticas.

Esta, a verdadeira, é sempre uma diferente, singular e especialíssima energia tranquila da alma; e, como visa ela à ação, à diferença da nossa vontade é, por isso, uma energia, uma força moral muito preciosa e não muito comum. Nessa condição de disposição da alma, é sempre uma qualidade mental e um dom pessoal, um potencial. Não é sinal de moleza como erradamente alguns julgam.

Quem tem essa paciência não é um fraco; pelo contrário, é uma pessoa de ânimo forte e feliz.

Naturalmente, como toda disposição individual da alma, como todo corpo, a paciência está sujeita a fatores condicionantes também negativos.

Fatores externos: o ambiente físico ou humano, às vezes pode diminuir ou anular a paciência;

Outros internos: sistema nervoso agitado hereditário ou adquirido; mau funcionamento do fígado, da tireóide, das supra renais, etc.; ou preocupações internas, estados emotivos que interferem prejudicando a eficácia da paciência como energia mental ou moral. São casos em que a vontade quer agir, mas os nervos não obedecem, os hormônios frustram.

Trata-se, repito, de uma energia específica, inconfundível, sui generis. Não se confunde com bondade, humildade, carinho, compaixão, etc.

Existem pessoas nitidamente pacientes e outras naturalmente impacientes, por efeito de condições orgânicas e psíquicas, peculiaridades a cada individualidade ou por dadas circunstâncias ocasionais. Uns são mais pacientes que outros, e um mesmo indivíduo ora é mais paciente, ora menos paciente, para certo ato e não para outros; e até às vezes chega a perder a paciência.

Há pessoas cheias de bondade, realmente amorosas, piedosas e compassivas, que não tem o dom moral da paciência.

É inoperante, pois, pregar-lhes a paciência; ou recriminar liminarmente os impacientes.

Coerentemente devemos ter paciência com os impacientes.

Por isso mesmo, entretanto, porque existem fatores e causas condicionantes conhecidas, diz-se que é muito meritório e aconselhado o emprego de cultivar a paciência ou mesmo adquiri-la.

Se a causa da impaciência é, por exemplo, enfermidade hepática hormonal ou nervosa, é um dever de consciência procurar tratamento médico.

Se são preocupações ou exaltações emotivas, é possível e é um dever corrigi-las por técnicas psicoterápicas derivativas, com auxílio de reflexão, da meditação, da inteligência, enfim.

Dizem os psicólogos e psiquiatras que podemos educar e aumentar a paciência; mas ninguém ignora que ela também tem um limite de capacidade de saturação.

E é exatamente por saber disso que estou eu procurando terminar logo esta minha leitura, receoso de já estar enchendo a vossa paciência.

Não posso, porém, terminar sem mais uma rápida observação.

Tenho para mim que paciência, isto é, paciência para com o próximo, se não me confunde, pelo menos é muito ligada com o que vulgarmente nós chamamos de compreensão, no sentido de tolerância, indulgência, qualidade essa da pessoa tida como compreensiva. Poderiam ser sinônimas até.

Para cultivar, preservar ou adquirir a paciência, ou mesmo curar a impaciência, quer parecer-nos que uma boa técnica será racionalizá-la, isto é, ampará-la em um ato de inteligência racional, que deve ser exatamente a referida compreensão.

É a atitude racional de uma pessoa se colocar mentalmente na posição do ser conivente na situação do seu amigo, na idade e circunstâncias do seu familiar, do companheiro, do interlocutor e até do inimigo, procurando sentir e avaliar os problemas desse outro e os porquês do comportamento dele.

Essa racionalização, creio eu, pode ou deve necessariamente armar na nossa alma toda aquela trama de energia afetiva e moral, inibitória e liberatória, que prepara e estrutura a paciência.

Convém, entretanto, uma nota finalíssima:

Todas essas técnicas de tratamento médico autoterápico inclusive uma racionalização, só eles não bastam, se juntamente com elas não procuramos com fé e fervor o remédio supremo e infalível da oração; porque a paciência é acima de tudo uma graça, um dos doze frutos do Espírito Santo.

Quem não conhece aquela oraçãozinha magnífica, quase uma jaculatória, atribuída a São Francisco de Assis, para nos dar paciência e conservá-la?

É uma súplica sublime que eleva a nossa alma a Deus:

“Ó Mestre! Faze que eu procure mais que consolar, que ser consolado, compreender, que ser compreendido, amar, que ser amado,…

pois:

é dando que se recebe,

é perdoando que se é perdoado;

é morrendo que se vive para a Vida Eterna”.

Se temos a graça da fé, procuremos nós todos os dias, paciência na prece, na sincera humildade perante Deus, entregando-nos com serena confiança aos desígnios de sua divina vontade e providência.

F I M

O Professor Juvenal Paiva Pereira foi dentista, formado em 1925 pela escola de Farmácia e Odontologia de Itapetininga/SP e, posteriormente, tornou-se Professor de Sociologia da Escola Normal Peixoto Gomide. Autor da obra “Um esquema de Sociologia Geral” publicada pela editora Saraiva em três edições (a primeira de 1941 e a última de 1952) e é também, um dos vultos ilustres do mencionado município e um dos patronos da Academia Itapetiningana de Letras.

Nada a mais.

Marcelo Augusto Paiva Pereira

(neto do autor do texto)

 

Helio Rubens
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