O Dia da Vitória não foi comemorado
Transcorreu, em meio a um silêncio ensurdecedor, no dia 8 de maio, o Dia da Vitória. Naquela data, em 1945, as forças armadas da Alemanha nazista renderam-se aos países aliados, marcando o término do conflito em solo europeu.
O Brasil, único país sul-americano a participar daquele conflito, viu-se, no momento seguinte, excluído do Conselho de Segurança da ONU, no qual, como membro fundador, deveria ter uma cadeira permanente e do Plano Marshall, que repassou recursos vultosos aos países derrotados para reconstruírem suas estruturas sociais e de produção. Também não obteve, dos Estados Unidos, os equipamentos necessários a reequipar suas Forças Armadas, em especial seu Exército, um dos objetivos centrais do ditador Getúlio Vargas, que pretendia dar, à nossa força de terra, um poder incontrastável face às polícias militares dos Estados e aos demais países da América do Sul. A única coisa que recebemos foram os velhos caminhões e jipes usados na II Guerra Mundial, inadequados, sob o ponto de vista ergométrico, à estatura dos nossos soldados. Não bastasse tudo isso, foi pressionado, durante o governo Dutra, a torrar nossos saldos de guerra na compra de cacarecos produzidos pela indústria estadunidense e só não mandou soldados à Guerra da Coréia graças a um veto terminativo do general Góes Monteiro.
Inversamente, os Estados Unidos saíram vencedores em toda a linha. A reorganização financeira do planeta, nos termos dos acordos de Breton Woods, elegeu o dólar como o parâmetro financeiro global. Em consequência, neste tempo todo, nas transações econômicas e financeiras internacionais, os Estados Unidos vêm dando as cartas e jogando de mão, pois só a Casa Branca controla a máquina de imprimir dólares. Com a dissolução da União Soviética, as coisas ficaram ainda melhores para os norte-americanos, mas, nestes últimos anos, assiste-se uma mudança desse panorama, com a emergência de um mundo multipolarizado.
Nesse novo contexto planetário, blocos econômicos estão se estruturando de maneira rápida para, em suas transações mútuas, substituírem o dólar por um outro referencial monetário, negociado entre as partes. Caso o Brasil ainda conservasse a sua independência – perdida pela submissão ao “grande irmão” (?) do Norte, no governo Temer, e elevada à enésima potência no atual – isso nos livraria do absurdo de termos que reajustar os derivados de petróleo – do diesel ao gás de cozinha – ao sabor das flutuações da moeda americana. Que motivos têm o Irã e a Rússia – alvos declarados do governo Trump, para continuarem a fazer negócios, ao redor do mundo, usando o dólar como referência?
Não bastasse a perda do controle monetário mundial, viabilizado pelo dólar, os Estados Unidos estão vendo sua liderança tecnológica contestada – e superada – de maneira cada vez mais rápida, por potências asiáticas, como a China, o Japão e até a Coréia do Sul. O projeto chinês da Nova Estrada da Seda e do cinturão que a rodeia, em razão do volume de recursos que nele será investido, atrai até Salvini, eminência do governo direitista da Itália. Não é só. Tudo indica que os chineses vão abocanhar uma fatia expressiva da telefonia G5, tanto na ponta dos aparelhos que dela se utilizarão, como nas redes de conexão internacional, o que, entre outras coisas, vai impedir que o FBI monitore as trocas de mensagens ao redor do globo.
O mundo, de certo, não é justo. Nenhuma ditadura é boa e não tenciono comparar governos autoritários, como o de Maduro na Venezuela ou o dos príncipes na Arábia Saudita, pois isso não leva a nada. Só que o nosso maior problema comum, em nível planetário é outro, bem mais grave.
Trava-se hoje, em muitos pontos da Terra, uma guerra híbrida entre os Estados Unidos e diferentes países em processo de ascensão econômica, tecnológica e militar.
Trump tenta encurralar a Rússia militarmente. Esta, em reação, pode a qualquer momento, em parceria com os iranianos, bloquear o estreito de Ormuz, gargalo marítimo de 39 km entre as costas dos Emirados Árabes Unidos e o Irã, pelo qual transita, diariamente, uma quinta parte da produção mundial de petróleo e um terço de todo o gás natural. A consequência imediata seria uma brutal elevação dos preços daqueles produtos e a consequente desestruturação da economia mundial, inclusive a dos Estados Unidos, país que, sob a pressão das petroleiras, descarta a transição dos combustíveis fósseis para os renováveis e, não dispondo de reservas próprias suficientes, depende tanto do petróleo da Arábia Saudita – que transita por Ormuz – quanto do mar de petróleo sobre o qual flutua a Venezuela – e daí a aposta de Washington no fracassado conspirador Guaidós.
O governo de Nicolás Maduro, na Venezuela, é desastroso? Certamente. Não quero ver o Brasil copiando dele seja lá o que for. Tão pouco ignoro que uma declaração de guerra ao governo de Caracas depende do Congresso – mas isso não me deixa nem um pouquinho menos inquieto ao ver o presidente brasileiro, em suas falas, equiparar uma intervenção militar no vizinho país a um piquenique.
Preocupa-me, e muito, a propensão do presidente e de seu caricato ministro das Relações Exteriores de enfiar nosso país num briga de pitbulls, em que nada teremos a ganhar, a não ser fortes e dolorosas mordidas, inclusive o ódio permanente dos nossos vizinhos venezuelanos, com os quais temos uma das nossas maiores fronteiras terrestres.
Geraldo Bonadio
geraldo.bonadio@gmail.com
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É fundador e um dos editores do Jornal Cultural ROL e do Internet Jornal. Foi presidente do IHGGI – Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Itapetininga por três anos. fundou o MIS – Museu da Imagem e do Som de Itapetininga, do qual é seu secretário até hoje, do INICS – Instituto Nossa Itapetininga Cidade Sustentável e do Instituto Julio Prestes. Atualmente é conselheiro da AIL – Academia Itapetiningana de Letras.