A constatação de que o Zé Dirceu, afinal, não esteve envolvido com esquemas de corrupção apenas em nome de um porvir melhor para a humanidade, locupletando-se também, fez desabar sobre ele uma rejeição acachapante.
Até o Juca Kfouri o fulminou, no espaço que geralmente utiliza para detonar os ratos da cartolagem futebolística. Clovis Rossi o comparou ao Maluf. O Zé Simão fez piada com sua desgraça, “pichuleco Gold”. O PT o abandonou às feras, evitando inclusive citar seu nome.
Não fiquei nem um pouco surpreso, seja com os esqueletos que saíram do armário do Zé, seja com a atitude dos bons companheiros, de reprovação velada ou execração explícita. [Regra de ouro: é melhor juntar-se logo aos estilingues do que correr o risco de tornar-se também vidraça…]
A opção revolucionária nunca embotou minha perspicácia de jornalista ou, mesmo, meu senso comum. Desde o mensalão já dava para se perceber claramente que algum proveito pessoal ele tirara do imenso poder que detinha. Se o desejável for a moralidade no sentido estrito do termo, tráfico de influência é tão recriminável quanto receber uma mesada do demo.
Nada escrevi sobre isto, contudo. E não por ter telhado de vidro e temer um efeito bumerangue, pois nunca cedi às tentações do capitalismo. Grana e poder jamais foram cantos de sereia para mim.
Não foi o marxismo que me fez detestar as injustiças e a desigualdade social, foi por detestar a sociedade na qual vivia que acabei me tornando marxista. Nunca invejei os burgueses e seus privilégios. Queria é que os seres humanos, libertos da canga do trabalho alienado, tivessem existências gratificantes e solidárias. Queria ser um entre todos numa sociedade humanizada.
Por que poupei o Zé Dirceu, então?
Porque nunca esqueci quantos estavam ao nosso lado em 1968 e quão poucos continuaram ao nosso lado em 1969.
Porque era necessária muito idealismo, coragem e firmeza de caráter para lutar-se contra a ditadura depois do AI-5.
Porque a derrota final foi terrível demais e um impacto desses dificilmente é bem absorvido. À maioria, abala e traumatiza. A alguns, vira do avesso.
[O Vandré entrou em parafuso, o Dirceu se tornou um espertalhão e a Dilma, uma tecnoburocrata que engole até o neoliberalismo porque, tecnica e burocraticamente, lhe parece ser a melhor solução para fazer as coisas andarem sob o capitalismo, com cuja sobrevivência parasitária e catastrófica já se conformou.
99% dos companheiros agora dirão que o Dirceu fez pior. Mas, nunca desculparei a Dilma por nos ter igualado aos amorais que, na hora da necessidade, agarram sofregamente a primeira boia que lhe aparecer pela frente, mandando às urtigas tudo que haviam dito e jurado no passado.
Éramos cavaleiros da esperança, ela nos fez ser vistos como tão merecedores de desconfiança quanto quaisquer outros políticos. Da sua maneira atrapalhada, causou dano incomensurável à imagem dos revolucionários.]
Posso ser um sentimental, mas me machuca ver o que o Vandré se tornou, como o Dirceu vem sendo degradado e quão longe a Dilma está indo na destruição da sua biografia. Gostaria imensamente que tivessem saído de cena com dignidade. E penso que as ressalvas que lhes fazemos no presente não anulam sua grandeza no passado.
Brecht disse tudo:
“Infelizmente, nós,
que queríamos preparar o caminho para a amizade,
não pudemos ser, nós mesmos, bons amigos.
Mas vocês, quando chegar o tempo
em que o homem seja amigo do homem,
pensem em nós
com um pouco de compreensão.”
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A melhor antevisão do que nos espera no restante do mês do cachorro louco é a do dirigente dos sem-teto, Guilherme Boulos, neste artigo aqui:
“Agosto será um mês decisivo, em que as ruas colocarão em jogo projetos distintos para o Brasil.
De um lado, a ‘nova direita’ convocou mobilizações para o dia 16, com apoio declarado do PSDB, da Rede Globo e da maior parte da mídia. (…) Querem aproveitar o avanço da Lava Jato e a corrosão do apoio ao governo para emplacar o impeachment de Dilma.
…Do outro lado, em 20 de agosto, movimentos sociais de todo o Brasil estão organizando mobilizações para apresentar outras saídas para a crise. MTST, MST, CUT, CTB, Intersindical, UNE, setores da Igreja Católica, movimentos negros e de juventude estarão nas ruas defendendo direitos sociais, enfrentando o ajuste fiscal do governo Dilma, mas enfrentando também a ofensiva da direita golpista e as manobras de Cunha“.
Torcer, eu torcerei para o time do dia 20, obviamente.
Mas, sinto na espinha o mesmo calafrio de quando, pouco antes da partida contra a Alemanha na última Copa do Mundo, soube que o Felipão escalara o atacante Bernard ao invés de um meiocampista defensivo.
A tal nova direita entrará em campo unida em torno do objetivo claro e definido de derrubar Dilma.
A constelação de forças progressivas tentará, ao mesmo tempo, defender o mandato da Dilma e derrubar a política econômica da Dilma.
O povão não vai entender a sutileza. E os que têm prevalecido ultimamente nas ruas concentrarão fogo, enquanto os que têm se mostrado mais fracos vão lutar em duas frentes. Conclusão óbvia: será enorme a chance de sofrermos outro 7×1.
A menos que a presidenta desate o nó o quanto antes, exonerando Joaquim Levy e anunciando que o governo desistirá da política econômica neoliberal e vai reassumir as bandeiras tradicionais do PT. Aquelas sob as quais ela se reelegeu.
Ainda dá tempo, desde que a Dilma se compenetre de quão decisiva será a batalha das ruas. Se a nova direita der mais uma demonstração de força e as forças progressistas de fraqueza, o impeachment se tornará praticamente inevitável.
Tira o bode da sala, Dilma!!!
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É fundador e um dos editores do Jornal Cultural ROL e do Internet Jornal. Foi presidente do IHGGI – Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Itapetininga por três anos. fundou o MIS – Museu da Imagem e do Som de Itapetininga, do qual é seu secretário até hoje, do INICS – Instituto Nossa Itapetininga Cidade Sustentável e do Instituto Julio Prestes. Atualmente é conselheiro da AIL – Academia Itapetiningana de Letras.