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Carlos Carvalho Cavalheiro: 'O fetiche acadêmico'

Carlos Cavalheiro

O fetiche acadêmico

Em 2018, quando ainda era candidato à presidência da República, Jair Bolsonaro concedeu uma entrevista na qual afirmava que “jovem pobre tem ‘tara’ por diploma superior”.[1] Naquele momento, o então candidato apontava para a possível diretriz política de seu governo em atacar as Universidades Públicas – como, de fato, ocorreu com cortes em investimentos e tentativa de interferência na escolha de reitores – bem como para instalar uma cruel e determinista seleção de sujeitos a partir de sua condição financeira. Parece coisa de ficção, muito próxima a Aldous Huxley e seu “Admirável mundo novo”, mas ao determinar que o sonho pelo ensino superior não deva fazer parte dos anseios dos pobres, o que se tem é justamente a ideia de que somente ricos podem ter acesso à formação universitária. Aos menos favorecidos restaria a servidão.

Ironicamente, muitos dos seus escolhidos para o primeiro escalão do governo são aqueles que têm demonstrado verdadeira “tara” por titulação acadêmica, a ponto de inventá-las para compor seus currículos. Esta semana, por exemplo, descobriu-se que o recém-empossado Ministro da Educação Carlos Decotelli ostentava o título de doutor em seu currículo Lattes sem que tenha completado o doutorado. E, não satisfeito, propagandeava um curso de pós-doutorado em sua carreira. [2]

Fosse o único caso, mesmo em se tratando de um Ministro da Educação, poder-se-ia considerar como fato isolado. Mas não foi assim. Bolsonaro mesmo chegou a apresentar o então ministro da Educação Abraham Weintraub como “doutor e professor universitário”. Porém, o ex-ministro não possuía (e, parece, ainda não possui) esse título. Da mesma forma, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves chegou a se apresentar como “Mestre em Educação e em Direito”, tendo voltado atrás e informado que seus títulos eram de caráter eclesiástico: “Diferentemente do mestre secular, que precisa ir a uma universidade para fazer mestrado, nas igrejas cristãs é chamado mestre todo aquele que é dedicado ao ensino bíblico”.[3] Também o ministro do Meio-Ambiente Ricardo Salles teve publicado sua suposta formação na Universidade de Yale, bem como a obtenção do título de Mestre em Direito. Porém, foi provado posteriormente que o ministro nunca estudou em Yale. Em sua defesa, Ricardo Salles atribuiu a confusão a um equívoco de sua assessoria.

A ‘tara’ pela titulação acadêmica não se restringe, portanto, apenas aos jovens pobres. Aliás, a se atentar pelo que disse o presidente, os jovens pobres querem estudar em universidades para obter as suas graduações e, quiçá, posteriormente, os seus títulos de programas de pós-graduação. Ao contrário daqueles que não querem estudar, mas almejam os títulos. Seriam, então, “taras” diferentes.

O fato aponta para duas reflexões interessantes. A primeira diz respeito a uma herança histórica que ainda carregamos: a do academicismo como status social. Durante a Primeira República (1889 a 1930), os mandatários políticos garantiam o se destaque social com a compra de títulos de coronel da Guarda Nacional. Todo proprietário rural era um potencial coronel. Com o passar dos anos, nem precisou mais a aquisição do título da Guarda Nacional. Bastava ser um destacado produtor o que consequentemente o levava ao jogo político da disputa do poder local.

Todo coronel, entretanto, queria fazer de seu filho um “doutor”. Por isso, o rapaz, tão logo atingisse uma determinada idade, era enviado a uma Faculdade de Direito ou Medicina para se tornar um “doutor”. Um ou outro filho acabava seguindo os passos do pai e se tornava “coronel”. Mas toda família que se prezasse deveria ter em sua árvore um “doutor” com anel e toga.

Assim, criamos em nós o desejo pelo título. Ostentar um título é ser alguém na sociedade brasileira.

A segunda reflexão que podemos fazer é em relação ao Currículo Lattes. Esse currículo é elaborado de acordo com os padrões da Plataforma Lattes que, por sua vez, é gerida pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Esse currículo é referência para o registro do percurso acadêmico de estudantes e pesquisadores do Brasil. As informações são alimentadas pelo próprio interessado, sendo de sua responsabilidade a veracidade das mesmas.

Ocorre, no entanto, que muitas informações do currículo Lattes são confusas e tendem a gerar informações registradas de maneira equivocada. Por outro lado, há falta de um “moderador”

ou algo semelhante para verificação de dados postados, especialmente aqueles que se referem a titulação acadêmica.

Afinal, trata-se de um registro de referência e que, dentro das regras da própria produção acadêmica, deveria primar pelo rigor. Até porque, infelizmente, honestidade é algo que não se pode pressupor nos dias atuais.

 

Carlos Carvalho Cavalheiro

carlosccavalheiro@gmail.com

[1] https://noticias.uol.com.br/politica/eleicoes/2018/noticias/agencia-estado/2018/08/28/bolsonaro-diz-que-jovem-brasileiro-tem-tara-por-formacao-superior.htm

[2] https://www.terra.com.br/noticias/brasil/ministro-da-educacao-distorceu-experiencia-academica-na-alemanha,2d59f464f88da60cc80d5c2324799352rudvwan3.html

[3] https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/06/28/quem-sao-os-ministros-de-bolsonaro-que-mentiram-ou-erraram-no-curriculo.htm

 

 

 

 

 

 

Carlos Carvalho Cavalheiro
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