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Pietro Costa: 'A insustentável leveza do poder'

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Pietro Costa

A insustentável leveza do poder

Milan Kundera publicou, em 1984, um livro chamado “A insustentável leveza do ser”.

O romance se desenrola na cidade de Praga, em 1968, e teve adaptação para o cinema pelo diretor Philip Kaufman. Quatro são os personagens centrais da história – Tereza e Tomas, Sabina e Franz.

Em virtude de suas decisões ou pela força do acaso, cada um lida com o a insustentável leveza de quem permanentemente procura amenizar as opressões afetivas, culturais, sociais, profissionais e outras que acometem a todos os indivíduos.

O autor se vale de ricos aportes filosóficos, como as ideias de Parmênides e Nietzsche, enriquecendo a narrativa com os contornos de uma perspectiva existencial.

Parmênides foi um filósofo pré-socrático, de modo que não concebia a realidade como centrada no ser humano (à maneira dos mitos e poemas épicos). Os pré-socráticos, filósofos que antecederam Sócrates, emprestaram sua contribuição no final do século VII até o fim do século V. a.C., e defendiam a existência de um elemento primordial (e natural) que legitimaria todo o processo cognitivo e explicativo  do universo. Para Tales de Mileto, era a água (“hydor”); para Heráclito, o fogo.

As obras dos pré-socráticos, escritas, se perderam na Antiguidade. Só temos conhecimento da filosofia deles em virtude da doxografia (sínteses e comentários elaborados por filósofos posteriores) e dos fragmentos (pedaços selecionados por filósofos ulteriores).

A Jônia (colônia grega do Mediterrâneo Oriental, afastada geograficamente de Atenas) é o berço dos pré-socráticos, os primeiros filósofos ocidentais. Havia outros povos da Antiguidade com a pretensão de explicar os fenômenos naturais, mas os gregos são tidos como os primeiros a fazer ciência (pensamento filosófico-científico). No ocidente, a filosofia, na qualidade de conhecimento organizado e metódico, tem ensejo na antiga Jônia, província da Ásia Menor, em torno do século VI a.C.

Os primeiros filósofos – os pré-socráticos – dedicavam-se a um conjunto de indagações principais: Por que e como as coisas existem? O que é o mundo? Qual a origem da Natureza e quais as causas de sua transformação? Essas indagações colocavam em relevo a indagação: o que é o Ser?

A palavra ser em português, traduz a palavra latina esse e a expressão grega ta onta. A palavra latina esse é o infinitivo de um verbo, o verbo ser. A expressão grega ta onta quer dizer: as coisas existentes, os entes, os seres. No singular, ta onta se diz to on, que é traduzida por: o ser.

Os primeiros filósofos tinham como foco a origem e a ordem do mundo, o kosmos, e a filosofia nascente era uma cosmologia. Pouco a pouco, passou-se a indagar o que era o próprio kosmos, qual era o fundo eterno e imutável que permanecia sob a multiplicidade e transformação das coisas. Qual era e o que era o ser subjacente a todos os seres.

Com isto, a filosofia nascente tornou-se ontologia, isto é, conhecimento ou saber sobre o ser.

Por esse mesmo motivo, considera-se que os primeiros filósofos não tinham uma atenção especial com o conhecimento enquanto conhecimento, isto é, não indagavam se podemos ou não conhecer o Ser, mas partiam da pressuposição de que o podemos conhecer, pois a verdade, sendo aletheia, isto é, presença e manifestação das coisas para os nossos sentidos e para o nosso pensamento, significa que o Ser está manifesto e presente para nós.

Parmênides, junto com os “eleatas”, militou contra o pensamento mobilista, capitaneado por Heráclito, segundo o qual todas as coisas estão em fluxo, repousando a unidade básica do real na pluralidade – garantia do equilíbrio. O movimento das coisas e do mundo se chama “devir”.

Dia e noite, calor e frio, vida e morte, nesse viés, são opostos que se complementam. O fogo é perfilhado como elemento primordial, fogo enquanto chama, energia que se queima, que se autoconsome dinamicamente. Pela contemplação do mundo, nossos sentidos nos indicam que tudo está em constante transformação, o que fez Heráclito de Éfeso propugnar que tudo é dinâmico: “Tudo se move, tudo flui (panta rhei)”; “não se pode descer duas vezes o mesmo rio e não se pode tocar duas vezes uma substância mortal no mesmo estado, pois, por causa da impetuosidade e da velocidade da mudança, ela se dispersa e se reúne, vem e vai…Nós descemos e não descemos pelo mesmo rio, nós próprios somos e não somos”.

Enquanto a physis (natureza, mundo físico) subsiste constante, as coisas mudam em direção ao seu contrário (o jovem fica adulto, o enfermo cura, e assim por diante).

Os eleatas, ao revés, são monistas, isto é, postulam a existência de uma realidade única.

Parmênides consignou uma das distinções mais fundamentais do pensamento filosófico – realidade X aparência. O movimento é apenas aparente, porquanto por detrás dele há uma realidade única, eterna, imutável, sem princípio nem fim, contínua e indivisível, incausada e causante de tudo o quanto existe (Uno), que pode ser descoberta pelo pensamento se formos além de nossa experiência sensível. Por intermédio do pensamento, devemos, pois, perquirir a essência do real, aquilo que subsiste na mudança. O essencial é o ser, e o fugaz, o mutável, é o não-ser (pois pode vir a não ser, pela mutabilidade). “O ser é, o não-ser não é”.

Tal filósofo consagrou uma perspectiva, logo, unitária de Ser. O frio seria o não-calor, a ausência de calor. A leveza, por sua vez, o não-peso, ausência de peso.

Na leitura de Kundera, é a ação descompromissada, que não se compromete com nada e ninguém. É a sensação de liberdade vivenciada por Tomaz – jovem médico aposentado, bonito e atraente, que destina seu tempo livre para curtir a vida -, antes do vínculo afetivo com Tereza, por sua vez oriunda de um ambiente familiar de depravação moral, trabalhando em um bar repleto de alcóolatras e homens de caráter duvidoso.

Em certa ocasião, Teresa viu Tomas em uma das mesas do estabelecimento, com um livro aberto, e não conteve o espanto e admiração.  Para ela, o fato significou uma projeção de luz em meio à escuridão na qual ela estava imersa, um sinal de sabedoria e sensibilidade, ante a crueza e sordidez a que sempre foi submetida.

A vida de Tomas, antes do romance com Teresa, consigna a realização do “amor fati” (Nietzsche), que prestigia uma saga existencial dirigida pelos próprios valores, isto é, autônoma, autêntica, desvencilhada de influências externas.

É a partir deste escorço filosófico, perpassado nas linhas acima, que tenciono pautar algumas considerações.

As instituições do país precisam ser saneadas, com premência, de influências estranhas ao seu “télos”, propósito.

Nossa república encontra-se em um momento de depuração vital.

O saudoso filósofo Heráclito, nos tempos hodiernos, certamente diria que há um tensionamento contínuo e concomitante de forças no “devir” de nossa jovem democracia.

Do lado sombrio, tramam alguns agentes criminosos entre figuras poderosas de governos anteriores, vigentes e empresários, protagonizando, em conluio, ações administrativas e políticas desprovidas do menor senso de proporções, dilapidando o erário com vistas ao enriquecimento pessoal e continuação de um projeto de poder antidemocrático, vil, mesquinho, mesmo que pra tais fins seja necessário infringir o ordenamento jurídico e afrontar o sentimento de moralidade.

Na outra trincheira, há agentes públicos movidos apenas pelo dever de zelar pelas diretrizes e princípios elencados na Constituição, bem como pela salvaguarda do Estado Democrático de Direito, atuando com firmeza e destemor contra aqueles que promovem a atual crise (moral, econômica, política) a partir das propinas, desvios de dinheiro público para campanhas, compras de apoio parlamentar…

Os agentes incrustados em todas as esferas do poder que intentam instaurar um Estado Demagógico de Privilégios têm sustentado tal projeto narcisista e histriônico pelas velhas falácias e práticas da política; pela degradação sistemática da ética; pela encenação teatral, vitimismo, estímulo à cisão social e manipulação barata dos seus sicários; pelas vantagens indevidas hauridas a partir da estrutura ilegítima no provimento de cargos da cúpula do Judiciário e Ministério Público, que deveria ser balizado por critérios objetivos, impessoais, de molde a efetivamente colocar em relevo, nessa sistemática, o mérito, a reputação ilibada e a competência técnica.

O encanto dos sorrisos dissimulados não tem sustentabilidade duradoura. As doces ilusões geradas pelas promessas dos poderosos são desfeitas com o tempo, o qual é o pai legítimo da verdade. “Veritas filia temporis”. Não é mais possível defender a riqueza do povo tendo os bolsos encharcados pela sangria desatinada e perversa dos cofres públicos. Aqueles que perpetram comportamentos desviantes da probidade com a coisa pública estão sendo reconhecidos, lembrados, expostos e denunciados, tanto nas tribunas da imprensa livre como nos tribunais da ordem jurídica pátria.

As velhas falácias e práticas da política estão sendo desmascaradas, resgatando-se o autêntico sentido do sistema significante dos fundamentos da república, máxime a dignidade da pessoa humana e a satisfação de exercer a cidadania, que há de triunfarem no horizonte de nossa nação, cabendo a todos nós que temos vergonha na cara lutar para o Brasil ser liberto de uma promessa vazia, de um futuro que incessante e abjetamente é postergado.

Que de modo fraterno e responsável, com consciência cidadã, lutemos movidos pelo ideal de tornar o país paulatinamente liberto de todo o peso exercido pelas podres instâncias dos poderes político e econômico, as quais se locupletam com o ainda vicejante “status” de opressão e manutenção de obscenidades.

Que o lado da urbanidade, da ordem, da decência, da civilidade, da liberdade, isto é, da Constituição Federal, ajude a refundar a nossa nação, e tenha primazia perante os artífices do caos, os macunaímas manipuladores que modelam ideologicamente as massas com o desiderato de que lutem pelos seus indefensáveis e inconfessáveis fins privados.

 

Pietro Costa

pietro_costa22@hotmail.com

 

 

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