Videoteca Mofada. A era do VHS.
“Tenho um monte de DVDs e um monte de vídeos e ainda gravo filmes que passam na TV nas fitas, para aumentar minha coleção.”
Quentin Tarantino
Nos ano 90, as noites de sexta-feira eram aguardadas, não apenas pela antecipação do final de semana, mas pela “passadinha” na videolocadora para escolher os filmes que seriam devolvidos apenas na segunda. Devidamente rebobinados, ressalte-se, o contrário seria motivo de multa e cara feia por parte do atendente que, não raro, era o proprietário. Decerto, inexistia óbice à locação das fitas durante a semana, mas o consumo diário de cinema e séries que atualmente se descortina com os serviços de streaming, não era tão palpável. Logo, era mais comum, além de atrativo ao bolso, a visita às centenas de títulos dispostos nas prateleiras por gênero, numa sexta ou sábado.
Não apenas a escolha, muitas vezes interminável, marcada pela indecisão ao segurar um estojo de fitas em cada mão, marcava a rotina dos amantes de cinema. As conversas e debates sobre os lançamentos, atores, gostos e tendências, de igual forma, era um ritual ansiado pelos personagens, colóquio do qual o cliente já saia com os títulos da semana seguinte em mente. Bons tempos! Quem nunca se viu diante de uma pequena frustração ao abrir um estojo e se deparar com uma fita mofada? Ou Pior! Quando o cabeçote do videocassete sujava, impossibilitando – aos não muito versados no manusear do aparelho – a continuidade da sessão até que o “vídeo” fosse enviado à manutenção. Nem se fala!
Contudo, gostosa lembrança de quando após minutos e até mesmo horas de vasculhar empolgado pelas prateleiras empoeiradas, encontrávamos um título raro, desconhecido, ou há muito procurado! E quando a capa era laminada, com efeitos 3D, ainda que rudimentares, ou mesmo, compunha uma sequência que em conjunto formava uma ilustração da franquia, como o estojo do Poderoso Chefão e a série 007. Impossível se esquecer da versão em alto relevo da capa do Jurassic Park, simulando um fóssil. Era uma festa! Parecia impregnar com ainda mais magia o ato de locar e assistir aos filmes.
Felizmente, ou não, a sociedade, seus costumes e tecnologia, são mutáveis, e as locadoras fizeram com que por certo período, a visita às salas de cinema perdessem um pouco do colorido, dando lugar às sessões de cinema em casa. De igual forma, a chegada dos anos 2000 e a popularização do DVD, foi tomando o lugar do VHS nas prateleiras. Na sequência, previsivelmente, a consequente disseminação da pirataria, de valor acessível, contribuíram para a derrocada das videolocadoras. Atualmente, o próprio formato em DVD, digital versatile disc ou digital video disc, tende a se extinguir, pela mais comum utilização do blu-ray, de resolução e capacidade superior, em cotejo às facilidades do streaming com transmissão em HD. Inclusive, nota-se um fenômeno de constantes liquidações nas lojas especializadas, o que sinaliza o fim da era de comercialização das mídias físicas.
Era quase ritualístico quando o saudoso crítico de cinema Rubens Ewald Filho (1945 – 2019), aparecia anunciado as coleções de títulos acessíveis para aquisição e uso doméstico, coroando o vídeo com o famoso “agora você pode ter um seleção de filmes como essa, em sua própria casa…!” Alguns estabelecimentos ainda resistiam à passagem das décadas, principalmente nas grandes capitais, e ainda trabalhando com as fitas entre seu acervo de dvd´s e blurays. No entanto, o efeito do tempo é inexorável sobre todas as vertentes.
Eis o preço da contemporaneidade e inovações tecnológicas. Alguns prazeres se perdem, novos surgem, e outros renascem. É o caso da onda de colecionismo ligada a LP´S e, por óbvio, às amadas fitas de vídeo. Multiplicam-se os grupos nas redes sociais para venda, troca e discussão sobre o VHS´s, remontando à era oitentista e noventisma. O grande cineasta Quentin Tarantino, que teve o período como empregado de uma videolocadora como sua primeira e maior escola de cinema, até hoje, segundo entrevistas, não se mostra empolgado com o streaming e opta por algo mais tangível. À sombra dessa ideia, seja em mídia física, serviços televisivos, ou mesmo pela internet, o importante é o estímulo e consumo de todas as formas de arte – entre elas, o cinema – as quais além de alimento ao intelecto, também são apetecíveis à alma.
Coluna dedicada aos amigos Juarez Letaef, Vanderlei Camargo (que ainda dispõe de invejável coleção de vhs) e Leandro Zonetti, parceiros que dão valor ao colecionismo e à sétima arte.
Marcus Hemerly
marcushemerly@gmail.com
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Nasceu em Cachoeiro de Itapemirim/ES, em 1989. Formado em Direito, é servidor do Poder Judiciário do Estado do Espírito Santo. Autor da obra “Verso e Prosa: Excertos de Acertos”, originalmente publicada em formato físico, coautor em antologias poéticas e de contos. Membro de Academias Literárias, recebeu prêmios e comendas, tais como: “Prêmio Monteiro Lobato”, “Prêmio Cidade de São Pedro da Aldeia de Literatura”, “Grande Prêmio Internacional de Literatura Machado de Assis”, “Medalha Patrono das Letras e das Ciências, Dom Pedro II”, “Medalha Notório Saber Cultura” e foi um dos vencedores do concurso internacional de poesias “Covid Times Poetry” promovido pela ONG “WHD – World Humanitarian Drive”. Foi agraciado com o Título de Doutor Honoris Causa em Literatura, pelo Centro Sarmathiano de Altos Estudos Históricos e Filosóficos, com a Comenda Olavo Bilac Príncipe dos Poetas, pela Federação Brasileira dos Acadêmicos das Ciências, Letras e Artes (FEBACLA), o título de Cavaleiro Comendador da Ordem de Gotland, pela Soberana Casa Real e Imperial dos Godos de Oriente, dentre outras honrarias. É colunista de cinema e literatura, contribuindo para sites e jornais eletrônicos