Revelação I
Um poeta vê inspiração em tudo
Até no coiso
No fio de cabelo
De uma donzela
Indesejada pelo seu esposo
Um poeta vê inspiração em tudo
Vê na planta amarela
Pela capacidade de murchar
E acender como sol
E escreve seu brilho
E lhe esconde como milho
O poeta não quer só rimar
Vê mesmo brilho no milho
Cujas cascas
Lhe inspiram letras de amor
Naquele seu abrir
Que parece um bebé nascer
E sua mãe ver seu filho
E da dor se esquecer
.
Um poeta vê coisas onde não há
Ou onde mais ninguém vê
Vê na água
E na seca
Vê no homem
E na mulher
Vê na terra
E no mar
Vê na luz
E no escuro do luar
.
Um poeta vê inspiração
Nos passos de um camalhão
Que a uma árvore sobe
E escreve o seu atingir ao topo
Pode apenas se inspirar com a água
E não com o copo
.
O poeta pode também se inspirar
Por nada
E por tudo
E quando isso lhe move
Não ouve ninguém
Só seu eu lírico
Torna-se mudo
Cego e surdo
.
Um poeta se inspira por uma música alta
Num volume baixo
O poeta é um adulto bebé
Pode apenas se inspirar com cuspe
Que lhe parece ferver
Enfim
O poeta só sabe viver
O poeta não existe
O poeta é
.
Orlando Ukuakukula
Luanda, 26 de Janeiro de 2022, pelas 18h00, no autocarro
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Natural de Luanda, é formado em Ensino da Língua Portuguesa, do Departamento de Letras Modernas, pela Escola Superior Pedagógica do Bengo (ESPB), em Angola. É membro do projecto de investigação científica da Variedade do Português em Angola (VAPA); membro da Brigada Jovem de Literatura de Angola (BJLA) e delegado do município de Cacuaco; coordenador do projecto A Escola & o Livro; colunista do Jornal ROL-Brasil; membro da Academia Intercontinental de Artistas e Petas (AIAP)-Brasil Profissionalmente, é professor e, nas artes, é escritor, cronista, contista, romancista, poeta e declamador. Participou, com mérito, do I Concurso Internacional Poético Cultive-2021, realizado em Genebra-Suíça; co-autor da Revue Suisse D’art et Literature Cultive, com o poema ‘pedaços de Nós’.