Naquele tempo
A tarde daquele domingo frio se arrastava como as gotas de chuva nas janelas do apartamento de Adriana, quando sua mente a levou para o final dos anos 70, época em que vivera parte de sua infância. Entre memórias olfativas de massinha de modelar, docinhos de gelatina e patê de presunto, lembrou-se do cheiro de chiclete de seu primeiro par de sandálias da marca ´Melissa`, modelo ´Aranha`. Havia sido um esperado presente de aniversário de seus pais. A cor, ela lembra até hoje, era chamada de ´coca-cola`. Como se sentia feliz e segura com aquelas sandálias! Ah…. em qualquer passeio, tinha que desfilar com elas, antes que seus pés crescessem e não coubessem mais em sua ´Melissinha`.
A paixão foi tão grande que, quando adulta, Adriana não teve dúvidas em dar o nome de Melissa para sua primogênita. Que nome lindo, leve e que lhe remetia a tantas lembranças queridas! Sua segunda filha foi chamada de Milena, para combinar com o nome da irmã mais velha. E, assim, suas duas ´bonecas` de verdade, Melissa e Milena, tiveram, também, seus pares de sandálias ´Melissa`.
Adriana lembrou-se, ainda, das festinhas de aniversário, onde as meninas usavam blusas bordadas com paetês e meias de ´lurex` com as famosas sandálias. Eram um evento e tanto! Dançavam tentando imitar as atrizes da novela ´Dancing Days`, que tanto sucesso fazia naquele ano de 1979, na pista de dança em que qualquer sala se transformava, quando eram tocadas as músicas do estilo ´discoteca`.
Era preciso tão pouco para ser feliz naquele tempo! Os amiguinhos dançavam, pulavam, brincavam e depois comiam bolo cheio de glacê com docinhos que, como até hoje, eram disputados pela garotada. A decoração era simples e divertida, com enfeites comprados no supermercado ou mesmo confeccionados em casa, distribuídos sobre uma mesa com a toalha mais bonita da casa. Balões coloridos e a vitrola tocando os ´hits` completavam a festa!
Adriana pedia à mãe – quando possível – para dar de presente para suas amigas a bonequinha ´Fofolete`, que todas as meninas amavam. Ela mesmo se orgulhava de ter três unidades, que guardava, com todo cuidado, nas suas caixinhas tipo de fósforo.
Tempos bons… Havia a inocência e a alegria ínsitas à infância. Havia tranquilidade nas cidades e segurança para sair. Havia as brincadeiras de rua, os carros com as janelas abertas, repletos de crianças na parte de trás, as buzinas dos automóveis com sons diferenciados (e bizarros!). Havia casas, jardins e quintais. Havia os gibis, os desenhos animados e o programa dos ´Trapalhões`. E, principalmente, havia esperança no Brasil, que era ´o país do futuro`.
Patrícia Alvarenga
patydany@hotmail.com
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Natural do Rio de Janeiro/RJ, é escritora e poeta. Trabalha como Analista (área processual) do Ministério Público do estado do Rio de Janeiro. É Bacharel em Letras (UFRJ) e Direito (Uerj), pós-graduada em Educação (UFRJ). Dra.h.c. e Pesquisadora em Literatura. É autora do livro de poemas ‘Tatuagens da Alma – Entre Versos e Reflexões’, editora AIL, publicado neste ano, que foi escolhido como semifinalista do concurso ‘Livro do Ano 2021’, pela Literarte (o resultado do certame ainda não foi divulgado até a presente data). Participou do projeto ‘Parede dos Imortais’, na Casa dos Poetas, em Petrópolis-RJ, através da Associação Internacional de Escritores e Artistas. É coautora de, aproximadamente, 25 coletâneas. Detentora de prêmios literários, títulos e comendas, é também Embaixadora da Paz da Organização Mundial dos Defensores dos Direitos Humanos – OMDDH.
Membra vitalícia de seis academias literárias: ACILBRAS, FEBACLA, AIML, AIL, ALSPA (fundadora) e AILAP (fundadora). É ativista cultural nas redes sociais e participa de inúmeros saraus literários. Redes sociais:
Instagram: @patriciapoeticamente. Facebook: Patrícia Alvarenga