Ella Dominici: Poema ‘Ensaio sobre o banho’
o banho que molha
tem algo de peculiar
não é banho à toa
entoa na acústica chuva
que escorrega a alisar
corpo de cima abaixo
parte por parte
pedaço por pedaço
de um inteiro tudo
água desliza devagar
entre todo o universo
de um corpo trêmulo
onde há tanto cansaço
o medo se esquiva
afoga-se mágoas
dúvida se dissipa no ar
das bolhas que dão pulos
e que voam de fato
na insustentável leveza
e a liquidez do tudo
rola pelo buraco do ralo
resquícios do antigo
excessos do moderno
reforma na água sutileza
e a solidão deságua
afoga as fósseis frustrações,
Kathársis humoral
se o castigo das pressões
na ducha faz pele rosada
contrasta com carinho luxo
do líquido que ensaboa
flui facilmente na face
feição torna-se terna
na eterna maçã visage
rubra de calor da água
quente caliente
aproveita
faz foto de fantasmas
felizes de aparecer
pois eram figuras falidas
sempre tidos por falácias
figurar no fundo
de um ser é tarefa feita
não para os fracos
mas ao que é profundo
caçador que extirpa miasmas
em seu banho peculiar
ensaboa pensamentos
quiasmas no enxágue
preconceitos
se soltam na kathársis
a jorrar como a água
que levou seu tudo errado
lavou seus mais que humanos
defeitos perfeitos
Ella Dominici
Contatos com a autora
- Correntezas de um rio - 22 de novembro de 2024
- Soneto do mel - 18 de novembro de 2024
- Morenos fios - 11 de novembro de 2024
Natural de São Paulo (SP), é endodontista por profissão e formada no curso superior de Língua e literatura francesa. Uma profissional que optou por uma ciência da área da saúde, mas que desde a infância se mostrava questionadora e talentosa na Arte da Escrita, suscitando da parte de um mestre visionário a afirmação de ela ser uma escritora nata, que deveria valorizar o dom que recebera. Atendendo ao conselho recebido, na maturidade Ella cumpre o vaticínio e lança o primeiro livro solo de poemas (Mar Germinal), rompendo com a escrita meramente contemplativa, abraçando fragmentos, incertezas e dualidades para escancarar oportunidades a si como ao outro. Dribla o autoritário tempo, flagra mazelas psicológicas em minúsculas e múltiplas impressões exteriores e internas. É membro da AMCL – Academia Mundial de Cultura e Acadêmica Internacional da FEBACLA. Coautora de várias antologias. Publica na Revista Internacional The Bard e se inscreveu no 8º Festival de Poetas de Lisboa, participando da antologia promovida pelo evento
Ella, um banho comum, de pessoas comuns, é apenas um banho, que, apesar de perfumar o corpo, limpa apenas as impurezas materiais. Porém, um banho filosófico e poético, é um banho que transcende a visão material, e abre nossa terceira visão para o que a água etérea molha, limpa e perfuma!
Que venham banhos em duchas profundas a todos nós poetas, na reflexão e encontro conosco e com o outro!
Gratitude pelo seu comentário que sempre valoriza nossa literatura no tão amado jornal Cultural Rol.
A poesia, Ella, quando decanta o amor universal, que abraça a toda a humanidade, é o Banho da Alma, perfumando a existência humana!