Ella Dominici: ‘O Que Mora na Seca do Sonho’
(Serapião de Aurora, alter ego de Ariano Suassuna, alma sertaneja e verbo resistente)


Sou aquele que inventa sede pra beber palavra.
Não tenho nome, tenho sina:
sou o riso que ficou preso no galope do vento,
sou o santo que erra rezando,
sou o ermo que sonha com mar.
Nasci do barro e da conversa.
Minha mãe foi uma nuvem com fome de chuva,
meu pai, um aboio que fugiu do curral.
Aprendi cedo que o verbo nasce de faca:
é cortante, mas abre caminho pro coração passar.
Falo o português que o sol ensinou —
cheio de calor, cheio de teimosia.
E quando a palavra falta,
invento um silêncio de passarinho.
Tenho dentro de mim um sertão que não cabe em mapa.
É um mundo de rezadeiras e vaqueiros,
onde o riso é remédio e a dor é professora.
Por lá, as histórias se deitam no chão,
esperando que alguém as acorde com fé.
Sou o auto e o milagre,
sou o palhaço que filosofou diante do altar,
sou o Cristo que sorriu do alto do gibão.
Sou o cavalo sem freio do pensamento nordestino,
que corre, tropeça, mas não se entrega.
E quando o céu se quebra em trovão,
eu digo: é Deus rindo alto de nós.
Porque até o divino, no meu sertão,
tem um sotaque de barro e poesia.
Ella Dominici
- Ouro derretido à deriva - 4 de dezembro de 2025
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Natural de São Paulo (SP), é endodontista por profissão e formada no curso superior de Língua e literatura francesa. Uma profissional que optou por uma ciência da área da saúde, mas que desde a infância se mostrava questionadora e talentosa na Arte da Escrita, suscitando da parte de um mestre visionário a afirmação de ela ser uma escritora nata, que deveria valorizar o dom que recebera. Atendendo ao conselho recebido, na maturidade Ella cumpre o vaticínio e lança o primeiro livro solo de poemas (Mar Germinal), rompendo com a escrita meramente contemplativa, abraçando fragmentos, incertezas e dualidades para escancarar oportunidades a si como ao outro. Dribla o autoritário tempo, flagra mazelas psicológicas em minúsculas e múltiplas impressões exteriores e internas. É membro da AMCL – Academia Mundial de Cultura e Acadêmica Internacional da FEBACLA. Coautora de várias antologias. Publica na Revista Internacional The Bard e se inscreveu no 8º Festival de Poetas de Lisboa, participando da antologia promovida pelo evento


Ella, a cada texto seu que publico aprendo um pouco mais de Literatura. Tanto quanto da habilidade de usar a IA, a fim de conseguir que ela crie imagens fantásticas!
Que delícia terminar uma sexta-feira de trabalho, publicando uma joia literária como esta!
Ter leitores que elevam a escrita como quem saboreia uma iguaria é sem dúvida o que todos os Escritores e Poetas desejam para continuar por uma literatura resiliente à modernidade e fluidez de tudo o que mais importa: A Palavra.
Gratidão