Osvaldo Manuel Alberto:
‘Minguar de víveres: A luta de uma mulher’
De tanta fome confundimos o prato com o parto. Até o mais velho que sempre diz: parto os cornos, fica sem forças para demonstrar a sua arte.
Não se trata apenas da alteração de algumas letras, é o mais profundo que um ser humano pode sentir.
Tenho tanta fome que a esta hora preferiria dar tantos partos simultâneos, a faltar ou ver flutuar um prato.
Nem que fosse um prato de arroz com cheiro de nada.
Está difícil ter um prato à mesa.
Dê-me um pão, por favor!
Ainda que não queiras colocar no prato, ponha-o no chão.
Na ausência de pão, permitam-me partilhar o osso com o vosso cão.
Já vi partir para eternidade filhos meus, pela ausência de comida.
Já não me interessa o valor nutricional, pouco me importo se me alimento, desde que consiga comer.
Não tenho culpa de ser tão fértil.
Aos meus filhos apelidam de cassua, quando na verdade é má nutrição.
Em nossa cubata não há conta que bata certo.
Os meus filhos não usam bata, nem comem batata. Não é por desgosto, mas pela ausência.
Não posso rir, prefiro parir a ver meu filho partir. A dor de perder alguém por fome é maior do que parir 10 vezes no mesmo dia.
Aos prantos eu te peço:
Permita-me lavar todos os pratos de sua casa, até aqueles que servem de esconderijos dos ratos.
Os ratos, há muito que fugiram do meu casebre, pois não há pão para repartir.
É desta forma que vejo os meus sonhos partirem para lugar incerto, tal como os ratos que nos abandonam mesmo sem insecticida.
O brilho das panelas incomodam, parece bate chapa em bairros novos.
Ouvi falar em branqueamento e repatriamento de capitais, podem aldrabar-nos mais,
Mas não falte o pão, porque o nzala yeya.
Não sou mulher do Mingo, mas a cada dia que passa eu mínguo de víveres.
Osvaldo Manuel Alberto
18.11.2024
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Nasceu nos complexos becos do Cazenga, em Luanda, na então República Popular de Angola, no vigésimo quarto dia, do terceiro mês, do terceiro ano, da década de oitenta, do século XX, às 13 horas de uma sexta-feira mini. É mestre em Terminologia e Gestão de Informação e licenciado em Relações Internacionais, e, atualmente, exerce a função de professor de Matemática e Gestor Escolar. Começou a dar os primeiros passos na literatura em 2001, escrevendo crónicas, contos e poemas. Escreveu no Jornal Nova em Folha, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, em Portugal. Tem vários textos na sua página do Facebook, e obras no prelo, entre científicas, ligadas à gestão escolar [Guia prático do (sub)director pedagógico], e literárias (Paixão perdida no Golungo e A Resistência ao fruto proibido).
Há quem passe fome porque convém à sua espiritualidade, muitos outros porque zelam por um corpo estético. Para estes dois não falta pão, antes, o negligenciam. Mas, há os que querem comer sem o poder ter. Estes choram por falta de pão que os outros desprezam e há os que também morrem porque o mundo não os graça a graça de não morrer sem pão.