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Senilidade x finitude

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Lina Veira: Crônica ‘Senilidade x finitude’

Lina Veira
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Imagem do Canva, com texto de Lina Veira
Imagem do Canva, com texto de Lina Veira

A enfermeira se aproximou com o aparelho de pressão e uma lista de sequência de remédios para medicar a paciente e moradora da casa de idosas. Eu fiquei ali, observando aquele tratamento com alguém já tão frágil e dependente. Uma senhora de idade avançada, com sua pele marcada pelo peso dos anos, sentada numa cadeira de rodas, toda encolhidinha e bem arrumada como se o inverno fosse à única estação de sua vida. Era como um bebê, e olhava para o chão já sem muita sustentação na sua coluna para olhar para cima, para ver as pessoas ao redor, para olhar para mim. Mas eu estava ali. Apreciando seus cabelos branquinhos, admirando sua senilidade. A poesia de seus calmos movimentos. Onde estariam seus filhos? Seu marido? Seus irmãos? Será que não tinha netos?  Deveria estar à espera de alguém.   Pensava tanto… Não teria coragem de deixar minha mãe num asilo ou numa casa de idosos. Você teria? Com certeza, aquela senhora precisava de todos aqueles remedinhos para ainda estar entre nós. E quantos jovens e adultos sem necessidades são viciados em remédios?

Brasil – a geração mais medicada e viciada em drogas do mundo. Uma estatística que incomoda. É remédio para animar, para acalmar, para transar, para sofrer menos, para não sofrer. É remédio para não pensar, para dormir, para não se deprimir, para não sentir, para ser sereno. É remédio para emagrecer, para esquecer, para não sentir fome; para olhar o mundo sem ver. É remédio deixando morrer nosso instinto de sobrevivência, todo nosso desejo de ser, como um analgésico viciante e mortal, quebrando toda nossa energia armazenada. Só não existe remédio para amar, para ser feliz, para saber viver. Abrir as janelas da casa como se fossem abrir as janelas do seu coração.   Para muitos, sua felicidade está em ver seus filhos crescidos e formados, com seus netinhos correndo pela casa ou ainda com a chegada dos fios de cabelo brancos, sugerindo mais serenidade e paciência com as mudanças, com nosso corpo, e outros.

– Olá Augusta, como passou a semana?

 Minha aluna mais dedicada se aproxima com um simpático sorriso e todo material da aula em mãos.  Ela não gosta que eu a chame de senhora. Outro dia, lhe perguntei por que estava morando ali. E como tantas outras histórias que já conheci: a sua também não foi feliz. Mas ela estava sempre alegre e disposta e me respondeu com um sorriso incrível:

– Olá, professora Lina!  Que bom lhe ver! Está tudo bem…

E continuei contemplando cada mulher naquele abrigo a minha frente. A felicidade por eu chegar, a expressão de cada rosto. Onde estavam seus parentes e laços familiares. Sua memória ainda viva, seus segredos.  vida é tão breve. Não precisamos ficar de cabelos branquinhos para decidir ser feliz. Não é justo chegar aos cinquenta e ainda nos cobrar por não ter sido mãe. Nosso destino está alinhado ao propósito de Deus. Até tentamos desenhar, rabiscamos muito. Mas não dominamos o fim.  Como canta Arnaldo Antunes: “A coisa mais moderna que existe nessa vida é envelhecer”. 

Que nosso analgésico seja o sorriso mais lindo e uma boa ação. Que nossa velhice chegue risonha e sem tantos remédios, mas que, principalmente, nosso lar seja nossa casa, fruto de nossa luta, fruto de nosso sangue, com nossos filhos, netos, parentes, familiares e amigos que acolhemos e ganhamos durante a vida. Porque assim, todo final será mais feliz, mesmo que a gente não consiga ficar de pé com tanto equilíbrio, mesmo se todas as estações parecerem inverno com seus dias cinzas, que possamos estar com quem nos quer bem de verdade, só isso. 

Lina VEIRA

Lina Veira, em 2014, trabalhou voluntariamente como autora em seu bairro, estimulando a memória e atenção das idosas.

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