Quando a ficção ousa sonhar com o sagrado

Raïssa Lettiére sabe como poucos combinar a sensibilidade de quem lê o mundo com a ousadia de quem ousa reescrevê-lo.
Com uma carreira sólida no mercado editorial, ela já foi editora-executiva do Grupo Editorial Record — onde hoje atua como consultora de aquisição — e é conhecida por seu olhar apurado para boas histórias.

Mas agora é com sua própria voz que ela se destaca, ao lançar seu primeiro romance, O cochilo de Deus, pelo selo Faria e Silva, da Alta Books.
O título instiga, e com razão.
Afinal, o que aconteceria se Deus, depois de criar o mundo, decidisse tirar um cochilo?
Esse é o ponto de partida inusitado da narrativa: uma espécie de “suspensão divina” em que os humanos ficam livres — e sozinhos — para decidir o rumo da própria existência.
O cochilo de Deus é um romance que vai muito além da provocação.
Ele mergulha fundo em temas pouco explorados na literatura contemporânea: espiritualidade, ausência, sentido da vida, fé, individualismo e solidão.
A autora não busca respostas, mas oferece ao leitor um convite irresistível a pensar — ou melhor, a sentir — as perguntas que sempre nos acompanharam.
A vida, segundo Raïssa, é sua maior inspiração.
E talvez por isso sua escrita seja tão envolvente, cheia de humanidade, com personagens que se revelam entre camadas de memória, acaso e angústia.
Construído como um quebra-cabeça narrativo, o livro entrelaça histórias com tempo e espaço fluidos, fazendo da leitura uma experiência íntima e reflexiva.
“O papel da ficção é resgatar o humano para que a realidade seja suportável
Raïssa Lettiére
E é justamente isso que O cochilo de Deus entrega: uma ficção que acolhe nossas inquietações, que respeita as dúvidas, que nos tira da zona de conforto com delicadeza e inteligência.
Raïssa Lettiére não é estreante no mundo literário.
Em 2021, publicou De folhas que resistem, uma coletânea de contos finalista do Prêmio Candango em 2022.
Além disso, há 25 anos coordena clubes de leitura e, desde 2021, ministra laboratórios de leitura — sempre com a intenção de ampliar horizontes e provocar diálogos profundos entre leitores e textos.
Seu novo romance não é apenas uma obra literária: é um gesto.
Um gesto de quem acredita que pensar o sagrado não precisa ser um exercício dogmático, mas uma abertura poética para aquilo que não se pode explicar.
Em um mundo cada vez mais acelerado, Raïssa propõe uma pausa — talvez um cochilo — para olharmos com mais atenção para nós mesmos, para o outro e para as perguntas que nos movem.
A literatura agradece.
E nós, leitores, também!
REDE SOCIAL DA AUTORA
SINOPSE
No princípio era o verbo.
Palavras, criação e o sobrenatural. Três enigmas que caminham juntos desde que o mundo é mundo.
Raïssa Lettiére tem uma teoria sobre por que é assim.
Em O cochilo de Deus, ela coloca seu texto a serviço dos personagens, e eles, cada um a seu modo, deitam e rolam com a voz da autora.
Enquanto Raïssa se fragmenta em homens, mulheres, cães, jovens, velhos, adolescentes e crianças que viajam entre diferentes países e períodos históricos, nós, leitores, somos chamados a entrar em um emaranhado de histórias que se conectam misteriosamente.
Este é o convite de O cochilo de Deus: propor uma possibilidade utópica àquilo para o qual não há resposta.
Ousado?
Muito mais do que você imagina.
A autora, que é também editora, atenta para um detalhezinho do princípio dos tempos: a diferença entre criar e crear. Uma vogal que pode explicar o que deu errado no plano original.
Um cochilo, um erro de revisão que pode justificar o estado da humanidade nos tempos atuais.
Exagero?
Bem, se no princípio era o verbo, e se esse verbo foi mal traduzido, por que não atentar para a origem?
A mim só cabe dar um alerta. Raïssa Lettiére é um camaleão com um sorrisinho torto que se esconde atrás de uma folhagem e espia, em um deleite peculiar, a nossa reação abestada diante da sua criação.
Ou creação. Isso eu deixo a critério de vocês.
A criação do mundo intriga os seres humanos em todos os tempos e lugares.
Se fomos feitos à imagem e semelhança de Deus, por que somos seres tão imperfeitos?
Qual é a origem e o papel do mal na criação?
O Gênesis poderia conter detalhes sucintos que nós, mortais, em nossa concepção limitada do mundo, não enxergamos?
A partir desses questionamentos, O cochilo de Deus desenvolve sua gênese ficcionalizada após o repouso de Deus no sétimo dia, quando a humanidade assume o protagonismo.
Em um espaço de tempo que abrange os últimos séculos, em que cada personagem é agente de sua própria narrativa, as histórias apresentadas vão se entrelaçando entre períodos diversos.
Com um movimento dinâmico, permeado de ciladas e enigmas, a arquitetura do livro se desenvolve valendo-se de estilos distintos, como distintos são os seres humanos.
E traz a percepção de que as histórias guardam segredos, provocando o leitor a desvendá-los à medida que a leitura evolui, até o momento em que um elemento misterioso se faz portador da revelação de uma possível justificativa para a questão presente no início do livro: Por que, afinal de contas, a humanidade ainda não deu certo?
Assista à resenha do canal @oqueli no YouTube
OBRAS DA AUTORA


ONDE ENCONTRAR
Resenhas da colunista Lee Oliveira
- Mayara Pascotto - 28 de novembro de 2025
- Síndrome Caramelo - 27 de novembro de 2025
- Renan Hart - 26 de novembro de 2025

Lílian Oliveira Henriques, mais conhecida no meio lítero-cultural como Lee Oliveira, é Tecnóloga em Processos Gerenciais, artesã, poetisa e bookstagram, forma de consumo do objeto livro a partir da comunidade literária da rede social Instagram. Proprietária do Instagram @o.que.li, onde escreve resenhas de livros de autores nacionais e/ou independentes, dando luz a essas obras tão importantes para Literatura Brasileira e que, às vezes, não são valorizadas. Acadêmica da FEBACLA, onde ocupa a cadeira 242, tendo por patrona Elizabeth II, entidade pela qual foi
agraciada com as seguintes medalhas: – Medalha de Mérito Acadêmico
– Medalha Mérito Mulher Virtuosa – Medalha alusiva a 10 anos da FEBACLA – Acadêmica Internacional – Medalha Tributo a Chiquinha Gonzaga
– Destaque Cultural Febacliano 2022 – Comenda Sete Maravilhas do Mundo Moderno. É coautora das antologias ‘Um brinde de Natal’ e ‘Rimas, Versos e Bardos’.

