Alexandre da Silva Camêlo Rurikovich Carvalho
A coroação de Dom Pedro II: Legitimação política e construção simbólica do Segundo Reinado


julho de 1841, na Capela Imperial do Rio de Janeiro. Imagem criada por IA
Resumo: A coroação de Dom Pedro II, realizada em 18 de julho de 1841, constituiu um marco na história política e simbólica do Império do Brasil. O evento consolidou a autoridade do jovem monarca, encerrando o turbulento período das Regências e inaugurando o Segundo Reinado, caracterizado pela estabilidade e pela busca de uma identidade nacional. Este artigo analisa o contexto histórico, a cerimônia de coroação, seu significado político, religioso e cultural, além do legado histórico que essa solenidade deixou para a formação do Estado brasileiro. Baseando-se em fontes históricas e interpretações de renomados historiadores, o estudo evidencia a coroação como um ato de afirmação da monarquia e da unidade nacional no século XIX.
Palavras-chave: Dom Pedro II; Coroação; Segundo Reinado; Monarquia; História do Brasil.
1. Introdução
A coroação de Dom Pedro II foi um dos acontecimentos mais emblemáticos da história imperial brasileira. Realizada na Capela Imperial, no Rio de Janeiro, em 1841, a cerimônia teve um caráter político, religioso e simbólico profundo, reafirmando a continuidade do projeto monárquico iniciado com a independência do Brasil em 1822. Após a abdicação de Dom Pedro I, o país atravessou um período de instabilidade política e social, conhecido como as Regências (1831–1840). A antecipação da maioridade do herdeiro do trono, Dom Pedro de Alcântara, proclamada pelo ‘Golpe da Maioridade’, foi uma resposta das elites à necessidade de restaurar a ordem e garantir a centralização do poder. Nesse contexto, a coroação assumiu um papel de legitimação do jovem imperador e de reafirmação da unidade nacional.
2. Contexto Histórico e Político
A abdicação de Dom Pedro I, em 1831, abriu um vácuo de poder que desencadeou um dos períodos mais conturbados do Brasil imperial. A ausência de um monarca e a inexperiência dos regentes resultaram em um cenário de fragmentação política, marcado por revoltas regionais, como a Cabanagem, a Balaiada, a Sabinada e a Farroupilha. A solução encontrada pelas elites políticas foi o retorno precoce da figura monárquica, declarando Dom Pedro II maior de idade aos 14 anos. Segundo José Murilo de Carvalho (2007), a coroação foi ‘o ato máximo da legitimação da autoridade imperial, revestido de um simbolismo religioso e político que fundava a monarquia constitucional brasileira em bases próprias.’
3. A Cerimônia de Coroação
A majestosa solenidade realizou-se em 18 de julho de 1841, na Capela Imperial do Rio de Janeiro, em meio a grande pompa e devoção. O cerimonial, cuidadosamente inspirado nas tradições monárquicas europeias, foi adaptado ao contexto brasileiro, conferindo-lhe um caráter singular e simbólico. Presidida por Dom Romualdo Antônio de Seixas, arcebispo da Bahia e Primaz do Brasil, a cerimônia contou com a presença das mais altas autoridades do Império — ministros, senadores, deputados, oficiais do Exército e da Marinha — além de representantes do corpo diplomático estrangeiro.
No ponto culminante do rito, Dom Pedro II, trajando o manto de veludo, foi ungido com o óleo sagrado, coroado com a Coroa Imperial do Brasil e investido com o cetro e o globo, insígnias da soberania e da responsabilidade divina do poder. Do lado de fora, o povo manifestava entusiasmo e júbilo com celebrações, desfiles, salvas de canhão e iluminações públicas, transformando o Rio de Janeiro em um cenário de festa nacional. O acontecimento foi amplamente registrado pela imprensa, cronistas e artistas da época, tornando-se um dos momentos mais solenes e representativos da história do Império brasileiro.
4. Significados Religiosos e Simbólicos
A coroação de Dom Pedro II foi também um ato religioso. A unção simbolizava a legitimidade divina do poder, herança das monarquias cristãs. O manto verde e dourado representava a nobreza e a soberania; a coroa, o peso do poder; e o cetro, a união entre o Estado e o povo. Segundo Lilia Moritz Schwarcz (1998), ‘a figura de Dom Pedro II passou a ser moldada como a de um monarca ilustrado e moralmente exemplar, que personificava a razão e o equilíbrio de uma nação em formação.’
5. Impactos e Consequências da Coroação
A coroação de Dom Pedro II marcou o início de uma nova era na história política do Brasil — o Segundo Reinado (1840–1889) —, período caracterizado por estabilidade institucional, prosperidade econômica e notável florescimento cultural. O ato de coroação, ao consagrar a autoridade do jovem monarca, simbolizou o fim das turbulências do período regencial e o início de um governo pautado pela ordem, pela legalidade e pelo fortalecimento do Estado nacional.
Sob o reinado de Dom Pedro II, o Brasil consolidou sua unidade territorial, superando as revoltas provinciais e reafirmando a autoridade central. O imperador exerceu papel fundamental como mediador entre as forças políticas — liberais e conservadoras —, garantindo o equilíbrio entre o trono e o parlamento e assegurando a continuidade da monarquia constitucional.
Além do campo político, a coroação teve repercussões significativas na esfera social e cultural. O imperador, conhecido por seu profundo apreço pelas ciências, letras e artes, incentivou a criação de instituições culturais e educacionais, como o Imperial Colégio Pedro II, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e a Academia Imperial de Belas Artes. Tais iniciativas visavam promover o desenvolvimento intelectual do país e consolidar uma identidade nacional baseada na valorização do conhecimento e do progresso moral e científico.
No plano internacional, o reinado de Dom Pedro II projetou uma imagem positiva do Brasil perante as nações civilizadas, reforçando sua posição como um império estável e respeitado na América do Sul. A diplomacia imperial foi marcada por uma postura conciliadora e prudente, resultando em tratados e alianças que preservaram a soberania nacional e fortaleceram os laços com a Europa.
Do ponto de vista simbólico, a coroação contribuiu para construir o imaginário imperial brasileiro, no qual o monarca era visto como um pai da nação, guiado por princípios de justiça, moderação e sabedoria. A figura de Dom Pedro II tornou-se o eixo moral do império, associada ao progresso, à civilização e à identidade nacional. Sua imagem — serena, culta e devotada ao serviço público — consolidou-se como um modelo de virtude política e moral, perpetuando-se no imaginário popular mesmo após a Proclamação da República.
Em síntese, os impactos da coroação ultrapassaram o âmbito cerimonial: constituíram um marco de legitimação política, afirmação cultural e consolidação institucional, cujo legado moldou profundamente a trajetória do Estado brasileiro e a formação de sua memória histórica.
6. Legado Histórico e Cultural
A coroação de Dom Pedro II, mais do que um evento político e religioso, tornou-se um marco simbólico duradouro na memória coletiva do Brasil. Sua imagem, coroado e envolto no manto imperial, foi amplamente reproduzida em retratos oficiais, litografias, moedas, selos, pinturas e documentos de Estado, transformando-se em um ícone visual da autoridade, da estabilidade e da identidade nacional. Essas representações tinham a função de legitimar o poder monárquico, difundindo a figura do imperador como símbolo da unidade e da continuidade histórica do país.
A Coroa Imperial, o Manto Real, o Cetro e o Trono de Ouro tornaram-se elementos centrais do imaginário político do Império. Cada um desses objetos, cuidadosamente confeccionado, carregava um simbolismo próprio: a coroa representava a soberania e a eternidade do Estado; o manto, a nobreza e o dever régio; o cetro, a justiça e o equilíbrio; e o trono, a autoridade e a responsabilidade do monarca perante seu povo. Atualmente, esses artefatos são preservados no Museu Imperial de Petrópolis, onde permanecem como relíquias da monarquia e testemunhos materiais de um período de esplendor e refinamento cultural.
No campo artístico e cultural, o legado da coroação estende-se à consolidação de um ideal de civilização que marcou profundamente o século XIX brasileiro. Sob o patrocínio de Dom Pedro II, floresceram as artes plásticas, a literatura, a música e as ciências. O monarca foi um mecenas de artistas, poetas e intelectuais, apoiando figuras como Machado de Assis, Carlos Gomes, Gonçalves Dias e Pedro Américo. Sua dedicação ao saber e à cultura conferiu ao Império uma aura de erudição e progresso que ultrapassava as fronteiras nacionais.
Do ponto de vista historiográfico, a coroação também desempenhou um papel na construção da identidade nacional. Historiadores, cronistas e memorialistas do século XIX, como Francisco Adolfo de Varnhagene Pedro Calmon, exaltaram o evento como um rito de passagem civilizatório, que transformou o Brasil em um império consolidado e respeitado. Segundo Calmon (1952), “naquela manhã de julho, a nação assistia não apenas à coroação de um menino, mas ao nascimento de um império moderno e consciente de sua missão histórica.”
A coroação, portanto, cristalizou-se como um mito fundador do Segundo Reinado, um símbolo da maturidade política e da ambição civilizatória do Brasil monárquico. Sua iconografia e memória foram incorporadas à cultura nacional, inspirando comemorações, estudos e representações artísticas até os dias atuais.
Em síntese, o legado histórico e cultural da coroação de Dom Pedro II transcende o ato cerimonial: representa a fusão entre o poder e a cultura, entre a fé e a política, entre a juventude do monarca e a maturidade da nação. É o retrato de um momento em que o Brasil se reconheceu como império — não apenas por suas instituições, mas por sua consciência histórica e identidade própria.
7. Considerações Finais
A coroação de Dom Pedro II foi um ato de consolidação da monarquia constitucional e de afirmação nacional. O evento simbolizou a união entre tradição e modernidade e inaugurou um período de prosperidade e estabilidade institucional. Compreender a coroação é compreender a construção da legitimidade política e simbólica do Brasil no século XIX, quando o país buscava afirmar-se entre as nações civilizadas e fortalecer sua identidade própria.
Ao unir rituais de inspiração europeia com elementos do catolicismo luso-brasileiro, a cerimônia representou também a continuidade histórica da monarquia, adaptada às condições de um império tropical e independente. A imagem do jovem monarca coroado tornou-se um emblema de esperança e confiança no futuro, refletindo o ideal de uma nação guiada pela razão, pela ordem e pelo progresso.
A longo prazo, a coroação de 1841 consolidou a legitimidade da Casa de Bragança no Brasil e estabeleceu as bases de uma cultura política marcada pela estabilidade e pela valorização da figura imperial como centro de unidade nacional. O evento, amplamente divulgado pela imprensa e pelas artes, foi transformado em símbolo de soberania e de amadurecimento político.
Assim, a coroação de Dom Pedro II permanece como um dos acontecimentos mais representativos da história brasileira — não apenas pelo esplendor do cerimonial, mas por sua profunda significação na formação da identidade nacional. Ela expressa a síntese entre o ideal monárquico e o projeto civilizatório de um Brasil que, ao coroar seu jovem imperador, também coroava o próprio sonho de nação.
Referências
CALMON, Pedro. História de D. Pedro II. Rio de Janeiro: José Olympio, 1952.
CARVALHO, José Murilo de. Dom Pedro II: Ser ou não ser. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 6. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2021.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
VAINFAS, Ronaldo (Org.). Dicionário do Brasil Imperial (1822–1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.
Biblioteca Nacional. Documentos Históricos da Coroação de Sua Majestade Imperial o Senhor Dom Pedro II. Rio de Janeiro, 1841.
Museu Imperial de Petrópolis. Coleção da Coroa Imperial e Relíquias do Segundo Reinado. Petrópolis, RJ, 2024.
Alexandre da Silva Camêlo Rurikovich Carvalho
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Natural de Nova Iguaçu (RJ), é licenciado em História, tecnólogo em evento, pós-graduado em História do Brasil, pós-graduado em História antiga, medieval e contemporânea, pós-graduado em ciências políticas, pós-graduado em Filosofia, pós-graduado em patrimônio histórico, artístico e cultural, jornalista, filósofo, produtor cultural, escritor, coautor de mais de 40 obras literárias, autor de dezenas de pesquisas e artigos históricos, Doutor em Filosofia Univérsica, Ph.I – Philosophos Immortalem, Doctor of Philosophy in Peace da International University of Higher Martial Arts Education, Agente de representação diplomática dinástico-cultural com status de Embaixador Honorário da Organização Internacional de Diplomacia Cultural, Detentor de centenas de títulos, medalhas e condecorações concedidas por instituições no Brasil e no exterior, Presidente da Federação Brasileira dos Acadêmicos das Ciências, Letras e Artes – FEBACLA, Diretor do Centro Sarmathiano de Altos Estudos Filosóficos e Históricos e Grão-Chanceler Internacional da Paz.


Meu caro historiador Alexandre Carvalho, o seu texto apresenta elevada qualidade acadêmica e historiográfica. Estruturado de forma clara, coerente e metodologicamente consistente, o artigo examina a coroação de 1841 como evento central de legitimação política, religiosa e simbólica da monarquia brasileira.
Está plenamente demonstrado o seu domínio sobre o contexto histórico do período regencial e do Segundo Reinado, articulando fontes primárias (como documentos históricos e registros da cerimônia) com interpretações de renomados historiadores — José Murilo de Carvalho, Lilia Schwarcz, Pedro Calmon, entre outros. A narrativa é fluida e bem fundamentada, conciliando análise política e leitura simbólico-cultural do ritual de coroação.
Trata-se de um texto coeso, erudito e historicamente relevante, que contribui significativamente para a compreensão da construção simbólica do Estado Imperial brasileiro e da figura de Dom Pedro II como eixo de unidade e civilização.
Parabéns.
Cel. Carlos Furtado
Historiador e Bacharel em Direito._
Pós-graduado em Segurança Pública e Defesa Social e em Direito Humanos, Cidadania e Gestão da Segurança Pública. Mestrando em Meditação de Conflitos
O seu artigo nos esclarece da importância dessa figura ímpar Dom Pedro II voltada as Letras e Artes, sobretudo à Educação. Parabéns!