outubro 05, 2024
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Ranielton Dario Colle: 'O rio'

Ranielton Dario Colle: ‘O rio’

Eu seguia pelo mato fechado. Estava escurecendo, e eu tinha medo, mas tantos outros lá atrás dependiam de mim…

Às vezes, não obstante, tinha vontade de desistir. O facão na mão ia abrindo caminho, mas estava cada vez mais difícil de enxergar as coisas à minha frente, e o barulho dos bichos da floresta começavam a me dar medo: se eu não visse uma cobra e a pisasse sem querer, ou se alguma onça faminta se aproximasse, eu estaria perdido! Ou melhor, nós estaríamos perdidos… eu, minha esposa e as crianças que havia deixado no acampamento com a caravana, quilômetros atrás quando sai à procura de água.

Decidi então tentar colocar fogo em um galho para iluminar o caminho e espantar as bestas selvagens, o que consegui ao cabo de meia hora. Eu poderia ignorar os barulhos estranhos, mas não poderia ignorar os bugres que talvez encontrasse, e já estava arrependido de não haver trazido comigo nem mesmo um mosquete carregado. Porém, tínhamos pouca munição e pólvora, e precisávamos economizar…

Além disso, para as outras coisas que mexiam com a minha cabeça de forma incontrolável e que eu já havia ouvido falar como o Boi Tatá, o Saci, e o Negrinho do Pastoreio parecia que nossas armas eram inúteis.

Isso porque, muito embora eu seja um homem de ciência, a escuridão da mata e o pio das corujas, misturado a toda espécie de sons desconhecidos e súbitos, me assustavam e eram capazes de atiçar minha imaginação; os sons coincidiam com o dos tantos relatos que já ouvira acerca dessas criaturas fantásticas.

Então, como eu disse, eu sou um homem da razão e do intelecto, um devoto da ciência e da história, todavia, por via das dúvidas, sou também um homem católico e temente a Deus, como todo homem decente, e por isso trazia comigo o crucifixo benzido pelo bispo e que abençoara nossa viagem ao novo mundo, além de uma garrafinha de água benta: afinal nunca se sabe quando o demônio ou um negro pode se pôr em nosso caminho.

Com o galho em chamas na mão como uma espécie de tocha, decidi seguir em frente pois estava muito escuro para voltar e eu poderia me perder facilmente, pois era uma noite escura onde a lua e as estrelas se recusavam a dar as caras. O melhor que eu tinha a fazer era encontrar um descampado, juntar uns galhos, fazer uma fogueira que espantaria os seres selvagens e desconhecidos dessa terra, e tentar dormir…

Seguindo meu plano, após ter-me ajoelhado e rezado pedindo a proteção divina, eu me deitei e tentei dormir. Sonhos difusos misturavam os meus primeiros anos na terrinha, a fome, as histórias que ouvia de meus pais sobre a grande peste que seus antepassados testemunharam e todas as promessas ouvidas por gerações acerca de um novo mundo que estávamos começando a construir. Lendas e verdades.

Acordei com um pedaço de galho me cutucando. Abri os olhos. Lá estava ela, com sua pele amarelada e um sorriso inocente. Ao seu redor, outros como ela, de ambos os sexos e expondo suas vergonhas, jovens e belos, me viam e riam. Falavam em um idioma que eu não podia compreender, no entanto não pareciam ameaçadores. Eram bugres. E apesar de sua cordialidade me levaram prisioneiro até um amontoado de construções rústicas de onde eu conseguia ouvir um barulho de água corrente. Um rio. Estávamos próximos de um rio. Eu precisava voltar e buscar os outros!

Uma fogueira! Uma ideia! Eu não consigo tirar os olhos dela. Essa bugrinha me enfeitiçou… passaram os dias, as semanas, eu era seu prisioneiro e ela olhava para mim e ria. Ficamos juntos. E fizemos um sexo selvagem como o das bestas e dos animais do campo, sem nenhuma palavra entre nós. Só nós, nossos corpos dentro de uma daquelas ocas. Gemidos e grunidos. E seu sorriso encantador. E quando acabou eu tive tanto prazer que acreditei que o demônio tivesse possuído a minha alma. Eu precisava fazer alguma coisa, me redimir. Então, a empurrei para longe de mim e sai correndo, nu.

Quando acordei estava no acampamento da caravana:

– Oi amor, está se sentindo melhor?

– Hã? Onde eu estou?

– No acampamento, você não lembra?

– Não… quanto tempo eu fiquei fora?

– Só uma noite… você chegou correndo e febril no amanhecer no dia seguinte ao que saiu

– Não é verdade amor, você está delirando há dias. As crianças estavam preocupadas.

– Bem… de qualquer forma eu sei onde fica o rio, amanhã vamos reunir os outros e partiremos.

– Graças a Deus! Estamos todos ficando sem água, alguns dos outros saíram, mas não encontraram nada e ficaram com medo de ir mais longe por causa do que aconteceu contigo… vou lá falar com os outros. Descanse mais um pouco, querido. Depois eu trago as crianças.

Então eu fechei os olhos e a vi sorrindo para mim, aquela bugrinha linda, aquela diaba que enfeitiçou meus sonhos. No dia seguinte fomos até o rio…

Sergio Diniz da Costa
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