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José Bembo Manuel: 'As Hierofanias em Cangalanga: A doida de cahoios'

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Jose Bembo Manuel

As Hierofanias em Cangalanga: A doida de cahoios

Cangalanga: a doida de Cahoios é o título do mais recente espetáculo da Companhia Enigma Teatro, cuja estreiado foi no dia 13 de julho de 2022. A terceira exibição, a 3 de setembro de 2022, foi enquadrada na 7.ª edição do Circuito Internacional de Teatro (CIT-Angola), no Elinga Teatro, em Luanda, depois de já ter sido apresentada no âmbito do Festival Internacional do Cazenga (FESTECA). O texto é uma adaptação de José Mena Abrantes ao romance, intitulado Segredo da Morta, da autoria de António de Assis Júnior, encenada por Tony Frampénio, que é o diretor daquela companhia.

A adaptação de José Mena Abrantes convida o público a (re)leitura de um romance que marca o início da ficção angolana, evidenciando os costumes dos angolanos. Do texto teatral, os entornos estéticos e a ênfase pelos costumes evidenciam a relação entre dois mundos opostos – o material e o imaterial.

Nesse particular, o leitmotiv é-nos revelado, aos poucos, através de mitos, crenças, sonhos e outros símbolos que sustentam a relação entre o sagrado e o profano. De acordo com Mircea Elíade (1992, pp.13-14), “o homem toma conhecimento do sagrado porque este se manifesta, se mostra como algo absolutamente diferente do profano”. Logo, constituem hierofanias os sonhos, os ritos e as canções que muito contribuíram para elevação estética do espetáculo Cangalanga: A doida de cahoios. A exibição, nos dias de hoje, está aberta à várias leituras, porquanto não constitui, atualmente, dúvidas de que estamos numa crise de valores.

A sociedade retratada tem a tendência para viver o mais próximo possível do sagrado ou muito perto dos objetos consagrados. Na cultura angolana, em particular e na africana no geral, essa tendência é compreensível por se acreditar que o sagrado equivale ao poder e, em última instância, à realidade por excelência.

Por via das hierofanias representadas e vivenciadas pelos personagens ajudam, como já afirmamos acima, a revelar o que os olhos de Cangalanga viram. Nesse sentido, o sonho, segundo Chevalier e Gheerbrant (2010, p.618), é um dos melhores agentes de informação sobre o estado psíquico do sonhador.

Na tradição africana, muitas vezes, os sonhos são encarados como reveladores de mensagens dos antepassados, sobretudo quando, em vida, foram vítimas de injustiças e/ou traições. Ou seja, os antepassados voltam e contatam o mundo dos vivos por via dos sonhos para, entre outros fins, ajustar contas e alertar os vivos sobre situações/ problemas mal ou não resolvidos.

Chevalier e Gheerbrant (2010, p.595) afirmam que a serpente visível é uma hierofania do sagrado natural, e, não espiritual, mas material. No mundo diurno, surge como um fantasma palpável, mas que desliza entre os dedos, da mesma forma que através do tempo e do espaço mensuráveis e das regras do raciocínio para se refugiar no mundo subterrâneo, donde provém e onde imaginamos, intemporal, permanente e imóvel na sua completude. Veloz como o relâmpago, a serpente visível surge sempre duma abertura escura, fenda ou racha para cuspir a morte ou vida antes de voltar para o invisível.

É assim que a aparição de uma serpente, que, em seguida, é morta, prenuncia a perdição da senhora Ximinha Belchior – outra personagem – e os sonhos, a morte de oportunistas que se aproveitaram de pertences alheios.

A ideia, entre os angolanos, de que os defuntos, revoltados, podem provocar a morte de prevaricadores ajudou sempre na formação da cidadania e preservação de valores. Pelo que, o texto teatral Cangalanga: A doida de cahoios, evidencia essa particularidade através de sanções impostas à Cangalanga e suas duas amigas, que foram condenadas a morte.

Por fim, as canções selecionadas, associados aos jogos corporais conferem ao espetáculo teatral valores estéticos e culturais típicos da encenação que lhe foi dada. A dualidade actor-texto deixaram perplexos elementos do público, que se sentiram convidados a reler um dos clássicos da literatura angolana – O Segredo da Morta, de António de Assis Júnior. Evoé Literatura Angolana!

Evoé teatro angolano!

Vivas as artes!

José Bembo Manuel

Referências Bibliográficas

  • CHEVALIER, Jean. e Gheerbrant, Alain (2010). Dicionário de Símbolos. Tradução de Cristina Rodriguez e Artur Guerra, Teorema, Lisboa.
  • ELÍADE, Mírcea (1992). O Sagrado e o Profano. Tradução de Rogério Fernandes, Martins Fontes Ltda, São Paulo.

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