outubro 05, 2024
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A Queda do Cão Cidadão

José Bembo Manuel
‘Sátira sociopolítica na obra
A Queda do Cão Cidadão, de Dias Neto’

José Bembo Manuel
José Bembo Manuel
Capa do livro 'A Queda do Cão Cidadão'
Capa do livro ‘A Queda do Cão Cidadão’, de Dias Neto

A sátira é caracterizada pela ridicularização dos defeitos e vícios de uma época, de uma instituição ou de uma pessoa. Serve-se muitas vezes da ironia e do sarcasmo para induzir à reflexão sobre determinados actos morais, denunciando-os quase de forma eufemizada. 

É a sátira o principal marcador que Dias Neto orienta a produção literária de Dias Neto. Depois de O Taxista, A Festa dos Porcos e Um Camaleão no Executivo, brinda-nos, em 2023, com a A Queda do Cão Cidadão. Trata-se de uma narrativa constituída por dez contos, sendo o título da obra o título do sexto conto.

Trata-se de uma leitura sociocrítica e histórica de Angola e dos angolanos. Nesse sentido, o conto “Quarto de Fezes”, republicado nesta obra, é um dos mais representativos. O ‘Quarto’ parece-nos representar ANGOLA e as ‘Fezes’, os MALEFÍCIOS E VÍCIOS criados e difundidos desde o alcance da independência, sendo denunciados e combatidos pelo Presidente João Manuel Gonçalves Lourenço. 

A minoria que concentra as riquezas do país, é, no conto, metonimicamente, representada por um rei “seus integrantes gostavam de chamar o rei da terra de goloso. Diziam que era pançudo porque comia sozinho as comidas que o solo daquela terra oferecia…” (Neto, 2023, p.54).

A tão propalada liberdade de expressão e da imprensa abriu portas para a inserção de comentaristas apartidários ou da sociedade civil. Esse dado real foi ficcionado nos seguintes termos “De Táxi em táxi, levavam a notícia que aventava que o jornal “ Notícias do Reino” estava a dar cadeiras ao revus, o que significava que também o jornal estava a acusar o rei da terra de ser um pançudo guloso” (Neto, 2023, p.54).

A nova estratégia de comunicação do Presidente da República, por via das Conferências de Imprensa, é igualmente ficcionada como se pode ler em “…o novo Presidente traçou uma estratégia: convocou todos os papagaios e todos os pombos-correios para uma conversa amena na varanda do palácio” (Neto, 2023, p. 56).

Denotam-se também no conto as rixas entre os lourencistas e eduardistas a volta das riquezas acumuladas “porém, havia um pequeno grupo que engordou com o cheiro das fezes do antigo presidente da sua prole. Este ficou muito chateado, pois, ao lançar uma Guerra contra aquele quarto, o novo president queria vê-lo à mingua ou mesmo morto, porque aquele cheiro nauseabundo lhe dava vitalidade” (Neto, 2023, p.56).

Afirma-se que o Estado é o principal agente de violência. No caso do novo rebento de Dias Neto, a violência aparece de várias formas – privada ou institucional. No já mencionado conto, as nuances memorialísticas dos eventos relacionados aos 15 +2 são transpostos no ficcional. No conto “O Caso Suspeito”, a violência institucional é simbolicamente representada pela actuação da polícia que se esquece da função pedagógica que deve assumir e serve-se da força, deixando várias vítimas. 

Por isso, na narrativa, Kota Beguê e Três e Meio, agastados com a actuação policial sobre as zungueiras, em particular, e aos cidadãos em geral, sugerem a privatização da Polícia Nacional conforme se pode ler em “apercebendo-se de que o Governo ia privatizar muitas empresas estatais, e uma vez que se alegava que com o acto tais empresas teriam melhor rendimento, decidiram escrever para o president a sugerir que o Governo incluísse também a Polícia no rol de empresas a privatizer” (Neto, 2023, p. 48).

Fica evidente na obra a relação do escritor com a realidade que o circunda. Práticas pouco comum na administração pública angolana aparece, ironicamente, descrita através de presenças assinaladas no local de trabalho de um “trabalhador” morto. Satiriza-se a chico-espertice de muitos funcionários e trabalhadores que, em conluio com técnicos dos Recursos Humanos, mais passeiam do que trabalham.

A morte de Guimarães, o morto-trabalhador, é do quanto trabalho há a fazer para se aumentar o comprometimento das pessoas depois de conquistadas as vagas de emprego e dos respectivos fiscalizadores.. Neste sentido, aqueles que combatem a corrupção e o furto são rotulados como os carrascos dos infractores. “Continuei ainda na imaginação e dessa vez, coloquei nela o Caetano, o fiscal que nos era um verdadeiro carrasco” (Neto, 2023, p. 13). 

A violência simbólica, desenvolvida pelo Estado Angolano, outro eixo de leitura da obra, empurra para pobreza milhares de famílias e alimentam a coisificação do homem e as futilidades como forma de entreter o povo e a prostituição.

Na narrativa A Queda do Cão Cidadão, de Dias Neto, encontram-se também contos que tematizam essas realidades. Por exemplo, no conto Tempo dos Bolsos, questiona-se a relevância dos concursos de miss diante dos concursos artístico-literários, olhando para os incentivos e prémios de um e outro 

“- Confrade, ela ganhou este carro no concurso?

  • Não sei dizer. Sei apenas que para os concursos de leteratura nem um carrito de três cilindros dão como prémio”. (Neto, 2023, p.25). 

O caenchismo é, n’A Queda do Cão Cidadão, o passaporte para flertar com senhoras endinheiradas, ou seja, para que jovens desempregados e de costas viradas com a formação académica possam, a troco da satisfação de desejos íntimos de banqueiras e empresárias, possam viver no luxo e ter estabilidade social conforme se lê em “Mas estas damas andavam a estudar como?! Aquele Marcelão que nem sabe escrever o seu próprio nome. Assim conquistou como a gerente do banco? – retrucou o musculoso do IPad” (Neto, 2023, p. 38)

O conto ‘A Queda do Cão Cidadão’ satiriza a arrogância e a prepotência de servidores da administração pública, que desumanizam os serviços, humilhando e frustrando utentes. Por outro lado, a arrogância de superiores hierárquicos e a incompetência no desenvolvimento de muitas de suas tarefas animalizam o tratamento.

A obra, pela dimensão pedagógica que encerra, pode ser utilizada a partir do terceiro ciclo do Ensino Primário, fazendo jus ao princípio segundo o qual é de pequeno que se torce o pepino e aproveitando o carácter humanizador do texto literário. 

REFERÊNCIA

Neto, Dias (2023). A Queda do Cão Cidadão, Palavra e Arte, Luanda


José Bembo Manuel


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