Descaso, falta de empatia e de humanidade
Neste mês de setembro – mês de prevenção ao suicídio – decidi escrever sobre um assunto que não é muito abordado: o descaso nas emergências dos hospitais em relação aos pacientes que tentam suicídio.
Tragicamente, parte da equipe de saúde que trabalha em hospitais públicos ou privados em nosso país, maltrata os pacientes que tentaram o suicídio e precisam de atendimento de urgência. Na consciência desses mal preparados profissionais, as situações de lesões autoprovocadas são vistas como “aberrações”, pois eles foram ensinados e treinados para salvar vidas em risco por doenças ou por eventos de caráter acidental. Assim, pensam que a tentativa de suicídio é resultante de uma escolha. Destarte, esses episódios não provocam identificação de seus autores como doentes ou vítimas. Ocorre julgamento. Falta de empatia. Dificuldade ou mesmo desinteresse em compreender as razões de a pessoa não querer mais viver. Ausência de humanidade.
Trago à baila um caso concreto, ocorrido no mês passado, numa unidade pública de saúde na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, com uma pessoa conhecida. Vou chamá-la de Maria, para preservar sua identidade. Maria, jovem com um transtorno psiquiátrico e em acompanhamento médico e psicológico, teve uma grave crise e cortou profundamente um de seus braços para aplacar a dor e a angústia que a dominavam. Foi levada por parentes à emergência mais próxima. Lá, foi atendida por uma médica que – acreditem – ao costurar sua lesão afirmou-lhe: “Aí não dá certo, não. Da próxima vez corta a veia femoral ou a veia jugular.” (apontando-lhe a localização de ambas). Sim, leitores; exatamente isso.
Infelizmente não se trata de caso isolado. Há nas redes sociais relatos semelhantes a esse. ‘Conselhos’ sobre como praticar um suicídio efetivo ou represálias pelo paciente ocupar um leito de hospital. Frases cruéis como: “Está fazendo isso para chamar a atenção?”; “Isso que dá fazer merda, agora aguenta.” (esta última dita em procedimentos feitos sem cuidados ou mesmo sem anestesia); “Da próxima vez, me procura antes, que eu te dou um medicamento que é ‘tiro e queda’ para se matar.”; ou a clássica “Isso é falta de Deus.”.
O trauma, a humilhação, o desprezo e o horror que tais atitudes causam em pacientes já tão fragilizados, acabam por piorar – e muito – o sofrimento da doença psíquica a que já vêm sendo submetidos. Há uma falha na formação desses profissionais. Deveriam ser orientados a saber como abordar essas pessoas para entender o motivo desse ato tão violento. Deveriam saber que o suicídio é uma emergência médica advinda de um quadro psiquiátrico. Deveriam saber que ninguém quer morrer, mas, sim, terminar com a dor insuportável.
Mais compaixão e menos julgamento, por favor.
Patrícia Alvarenga
patydany@hotmail.com
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Natural do Rio de Janeiro/RJ, é escritora e poeta. Trabalha como Analista (área processual) do Ministério Público do estado do Rio de Janeiro. É Bacharel em Letras (UFRJ) e Direito (Uerj), pós-graduada em Educação (UFRJ). Dra.h.c. e Pesquisadora em Literatura. É autora do livro de poemas ‘Tatuagens da Alma – Entre Versos e Reflexões’, editora AIL, publicado neste ano, que foi escolhido como semifinalista do concurso ‘Livro do Ano 2021’, pela Literarte (o resultado do certame ainda não foi divulgado até a presente data). Participou do projeto ‘Parede dos Imortais’, na Casa dos Poetas, em Petrópolis-RJ, através da Associação Internacional de Escritores e Artistas. É coautora de, aproximadamente, 25 coletâneas. Detentora de prêmios literários, títulos e comendas, é também Embaixadora da Paz da Organização Mundial dos Defensores dos Direitos Humanos – OMDDH.
Membra vitalícia de seis academias literárias: ACILBRAS, FEBACLA, AIML, AIL, ALSPA (fundadora) e AILAP (fundadora). É ativista cultural nas redes sociais e participa de inúmeros saraus literários. Redes sociais:
Instagram: @patriciapoeticamente. Facebook: Patrícia Alvarenga