Quero liberdade
Ouvi esse pedido de uma menina de não mais de 15 anos; ao menos a mim parecia ter isso ou menos. A mãe sentada a seu lado, na sala de espera um consultório médico, ouviu com paciência a filha por cerca de uns quinze minutos; e a garota persistia: “Poxa mãe, você não deixa ir a nenhum lugar. Nunca posso fazer nada. Caramba, eu preciso ter meu espaço, minha liberdade!”
A mãe, que até aquele momento ouvia todo aquele turbilhão de pedidos, interrompeu a garota. “Você quer liberdade? Eu te dou, depois que você responder ‘sim’ a todas as minhas perguntas.”.
A menina abriu um sorriso amarelo e falou:
– Está bem, manda aí.
A mãe com voz suave continuou:
– Primeira: para se ter liberdade, tem de ter dinheiro ou emprego; você tem?
Com olhar triste a menina disse ‘não’, e completou: “Mas se você me desse?”.
Ignorando a pergunta a mãe continuou:
– Segunda: para se ter liberdade é preciso cuidar de si mesmo; digo isso pois você tem que preparar seus alimentos, lavar suas roupas, pagar sua escola etc. Você pode fazer isso? A menina sequer levantou os olhos; balançou a cabeça negativamente.
– Terceira: já que você não trabalha, não tem dinheiro, não cuida de suas próprias coisas, você tem onde morar?
Nisso, a garota já estava envergonhada; tristemente disse: ”Não.”.
– Quarta: você é menor de idade, não tem emprego, dinheiro, casa para morar, está sozinha no mundo, o que você faz? Agora com um sorriso, a moça olhou para a mãe:
– Volto para casa.
– Quinta: se você saiu de casa para ter liberdade, por que quer voltar para casa?
– Ah mãe, me desculpa; eu já entendi.
E se calou. Entraram para a consulta, fui ao outro consultório. Não as vi quando sai. Fui fazer algumas compras, me lembrando da conversa, pensando em meus filhos: quantas vezes fui a filha, agora sou a mãe, mas, com muita tristeza de não poder mais voltar aos braços da minha, ou ouvir as broncas de meu pai, essas que sempre acabaram em risos, e que entre nós era pura magia.
Ivete Rosa de Souza
iveterosad@gmail.com
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Natural de Santo André (SP) e ex-policial militar, é uma devoradora de livros. Por ser leitora voraz, para ela, escrever é um ato natural, tendo desenvolvido o hábito da escrita desde menina, uma vez que a família a incentivava e os livros eram o seu presente preferido. Leu, praticamente, todos os autores clássicos brasileiros. Na escola, incentivada por professores, participou de vários concursos, sendo premiada – com todos os volumes de Enciclopédia Barsa – por poesias sobre a Independência do Brasil e a Apollo 11. E chegou, inclusive, a participar de peças escolares ajudando na construção de textos. Na fase adulta, seus primeiros trabalhos foram participações em antologias de contos, pela Editora Constelação. Posteriormente, começou a escrever na plataforma online Sweek a qual promovia concursos de mini contos com temas variados, sendo que em alguns deles ficou entre os dez melhores selecionados, o que a levou à publicação do primeiro livro, Coração Adormecido (poesias), pela Editora Alarde (SP). Em 2022, lançou Ainda dá Tempo, o segundo livro de poesias, pela mesma editora.