Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo: Artigo ‘Tensão presente/ passado’
A pertença e a participação na linguagem, como meio da experiência no mundo é a verdadeira base da experiência hermenêutica. Esta, encontra a sua total realização na condição da linguagem, é uma compilação do passado, na medida em que ouvir é um poder muito maior do que ver: «A linguagem é finita e histórica, é um repositório e um condutor da experiência do ser que se tornou linguagem no passado. A linguagem tem que nos levar a compreender o texto, a tarefa da Hermenêutica é tomar a sério a linguicidade da linguagem e da experiência e desenvolver uma Hermenêutica verdadeiramente histórica. » (PALMER, 1969:215).
a) Estrutura Histórica da Compreensão – Seguramente que a compreensão possui uma estrutura intrinsecamente histórica e: «… não precisamos cair numa atitude psicologizante para defender que a compreensão não pode ser concebida independentemente das relações significativas que tem com a nossa experiência anterior» (PALMEIR, 1969:102), porque esta, como ato histórico, está sempre relacionada com o presente.
Seria demasiado ingénuo falar-se de interpretações objetivamente válidas e rigorosas, porque isso implicaria ser possível uma compreensão que partisse de um ponto de vista exterior à História. O passado não se nos pode opor como objeto de interesse puramente arqueológico, porque a autointerpretação do sujeito é apenas uma luz trémula, na corrente fechada da vida histórica, daí que os juízos prévios do indivíduo sejam mais que meros juízos: eles são a realidade histórica do ser.
Os juízos prévios traduzem a capacidade que temos para compreender a história, porque dentro ou fora das ciências não pode haver compreensão sem pressupostos, resultantes da tradição em que nos inserimos.
A tensão presente/passado é, em si mesma, essencial e frutífera em Hermenêutica. A distância temporal tem, simultaneamente, uma função negativa e positiva, porque tanto permite a eliminação de juízos prévios, como provoca o aparecimento daqueles que nos levam a uma compreensão verdadeira. Os pressupostos não são absolutos, antes sujeitos a mudança e são: positivos, quando conduzem à compreensão; negativos, quando originam mal entendimento.
b) Dialética Questão/Solução, Pretérito/Presente – Qualquer que seja a tentativa de compreender, ela implica, necessariamente, a dialética pergunta/resposta, pelo que entender, significa, precisamente, ajustar permanentemente, a pergunta, ou seja, pôr em jogo os pressupostos próprios para melhor formular a pergunta, o que envolve um jogo dialético entre leitor e texto, que faz parte da experiência mais originária do homem, cujo modo de ser é compreender.
Assim, ao interpretar o objeto (texto) o interpretante parte da sua experiência, que a coloca em jogo, por isso, os objetos históricos e os seus efeitos, participam, e influenciam, o presente, isto é, a compreensão não é uma atividade subjetiva (romantismo), mas uma inserção no processo de transmissão. A experiência hermenêutica implica, antes de mais, a participação e a pertença a uma tradição cultural, nasce da relação entre o familiar (pré-compreensão) e o estranho (texto).
Como Ser no mundo, o homem tem, forçosamente, um comportamento perante esse mundo e que inclui diálogo. É este diálogo que faz para além do ambiente, o mundo do homem. Em consequência, o homem encontra-se numa relação de pertença para com a sua experiência originária do mundo: não é sem o que já foi, sem o que já viveu e experimentou; não é sem a experiência acumulada por si e seus antepassados.
A sua experiência hermenêutica realiza-se dentro de uma tradição, numa atitude de escuta e interpretação. A estrutura dessa experiência assenta no acontecer da linguagem, inserta numa tradição cultural. A História é a que primeiramente interpreta. Importa trazer à linguagem os princípios determinantes da vivência cultural do homem, o qual vive numa relação de pertença com a dialética passado/presente, pergunta/resposta, pondo em confronto os pré-conceitos do interpretante.
Ao falar-se da tradição cultural, como condição do ato de compreender, é interrogar-se pelos últimos pressupostos, que tornam possível o entender e a verdade enquanto tal. Sem a cultura não é mais possível ao homem integrar-se num processo evolutivo; qualquer que seja o apadrinhamento de tal processo; quaisquer que se verifiquem as ideologias que lhe estão subjacentes. O analfabeto, o inculto, tal como o imbecil, não compreendem a verdade do texto, precisamente porque lhes falta o alimento cultural.
Bibliografia
ORTIZ-OSÉS, Andrés, (1983). Antropologia Hermenêutica. Tradução, L. Ferreira dos Santos. Braga: Eros.
PALMER, Richard E., (1969). Hermenêutica. Tradução, Maria Luísa Ribeiro Ferreira. Lisboa: Edições 70
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
Presidente do Núcleo Académico de Letras e Artes de Portugal
Contatos com o autor
Voltar: http://www.jornalrol.com.br
- O poder cognitivo - 22 de novembro de 2024
- Gerir e liderar, com arte e ciência - 7 de novembro de 2024
- O homem contemporâneo na relação do eu-tu! - 31 de outubro de 2024
Natural de Venade, uma freguesia portuguesa do concelho de Caminha, é Licenciado em Filosofia – Universidade Católica Portuguesa; Mestre em Filosofia Moderna e Contemporânea – Universidade do Minho – Portugal e pela UNICAMP – Brasil; Doutorado em Filosofia Social e Política: Especialização: Cidadania Luso-Brasileira, pela FATECBA; autor de 14 Antologias próprias: 66 Antologias em coedição em Portugal e no Brasil; mais de 1.050 artigos publicados em vários jornais, sites e blogs; vencedor do III Concurso Internacional de Prosa – Prémio ‘Machado de Assis 2015’, Confraria Cultural Brasil – Portugal – Brasil; Prêmio Fernando Pessoa de Honra e Mérito – Literarte – Associação Internacional de Escritores e Artistas do Brasil’ 2016; Vencedor do “PRÊMIO BURITI 2016”; Vencedor do Troféu Literatura – 2017, ‘ZL – Editora’ – Rio de Janeiro – Brasil, com o Melhor Livro Educacional, ‘Universidade da Vida: Licenciatura para o Sucesso’; Cargos: Presidente do NALAP – Núcleo Acadêmico de Letras e Artes de Lisboa; ; Condecorações: Agraciado com a ‘Comenda das Ciências da Educação, Letras, Cultura e Meio Ambiente Newsmaker, Brasil’ (2017); Título Honorífico de Embaixador da Paz; Título Nobiliárquico de Comendador, condecorado com a ‘Grande Cruz da Ordem Internacional do Mérito do Descobridor do Brasil, Pedro Álvares Cabral’ pela Sociedade Brasileira de Heráldica e Humanística; Doctor Honoris Causa en Literatura” pela Academia Latinoamericana de Literatura Moderna y la Sociedad Académica de Historiadores Latinoamericanos.