Ivete Rosa de Souza: ‘Dia do Trabalho’
Desde criança sempre me perguntei o porquê de no Dia do Trabalho, ninguém trabalhava. Uma contestação no mínimo ousada para uma criança, que nem sabia o que era verdadeiramente trabalhar. Mesmo assim, me alegrava ver meu pai em casa, uma vez que continuamente nos víamos muito pouco, porque ele saía cedinho antes mesmo dos filhos acordarem, e voltava à noite, cansado de um dia exaustivo, ou estávamos dormindo, ou ainda, caindo de sono, não havendo, portanto, interação.
Depois de crescida, isso lá por meus 10 a 12 anos, já era responsável por meus irmãos menores. Minha mãe passou a trabalhar fora para aumentar a renda e proporcionar roupas e outras coisas que nos faltava. Comecei a valorizar o trabalho, vendo minha mãe contar o dinheiro que ganhava, limpando casas, lavando e passando roupas, e o que viesse ela faria de bom grado. Meu pai sempre com ar preocupado, assim mesmo conseguiram comprar um terreno, fazer uma casinha com suas próprias mãos, para termos uma vida melhor.
Diante da luta deles tomei a decisão de trabalhar: fui babá, auxiliar de faxina, vendedora de loja de roupas e eletrônicos, até ajudante de açougueiro. Fui aprendendo a sentir o que era a obrigação do trabalho. Só tinha um problema: eu não acatava ordens absurdas, nem aceitava propostas indecentes! Como menina de 14 anos sofri assédio, saí correndo do local, nem meus pertences eu peguei, só parei quando entrei em um distrito policial. O patrão já havia recebido outras queixas e foi preso no mesmo dia.
Dali fui para uma fábrica, depois lojas, após trabalhei na Guarda Municipal, migrando por último para a Polícia Militar, onde permaneci até meu filho nascer e dei baixa. Foram anos de trabalho árduo, estudando à noite, criando família. Hoje são meus filhos que trabalham por seu sustento e por suas casas. Me sinto desobrigada de trabalhar, mas sinto falta do trabalho. Vai entender. Essa vida corrida vicia!
Todas as pessoas precisam do trabalho, precisam ganhar seu sustento para ter uma vida no mínimo modesta, um teto, comida, vestes e um feriado. Que alegria um feriado bem no meio da semana. Ou melhor ainda, no fim de semana emendado.
Nem fazem o trabalho que imaginavam, como eu mesma, que sempre desejei ser jornalista, correndo o mundo escrevendo. Ou uma escritora num rancho afastado da cidade, com os pássaros à volta, gorjeando ao raiar do dia. Cena bucólica de algum filme retrô.
Mas agradeço aos céus por ter e poder trabalhar. Mesmo que não seja aquilo que queria ser ou ter, muitos de nós teremos, após o feriado, um trabalho para retornar, nos garantindo a alegria de saber que podemos trabalhar, progredir e vencer. Até o outro feriado chegar.
Ivete Rosa de Souza
Contatos com a autora
- Deixe-me sangrar - 18 de outubro de 2024
- Pés descalços - 9 de outubro de 2024
- Lua - 2 de outubro de 2024
Natural de Santo André (SP) e ex-policial militar, é uma devoradora de livros. Por ser leitora voraz, para ela, escrever é um ato natural, tendo desenvolvido o hábito da escrita desde menina, uma vez que a família a incentivava e os livros eram o seu presente preferido. Leu, praticamente, todos os autores clássicos brasileiros. Na escola, incentivada por professores, participou de vários concursos, sendo premiada – com todos os volumes de Enciclopédia Barsa – por poesias sobre a Independência do Brasil e a Apollo 11. E chegou, inclusive, a participar de peças escolares ajudando na construção de textos. Na fase adulta, seus primeiros trabalhos foram participações em antologias de contos, pela Editora Constelação. Posteriormente, começou a escrever na plataforma online Sweek a qual promovia concursos de mini contos com temas variados, sendo que em alguns deles ficou entre os dez melhores selecionados, o que a levou à publicação do primeiro livro, Coração Adormecido (poesias), pela Editora Alarde (SP). Em 2022, lançou Ainda dá Tempo, o segundo livro de poesias, pela mesma editora.