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março 13, 2025
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Édipos nossos de todos os tempos

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Elaine dos Santos: ‘Édipos nossos de todos os tempos’

Elaine dos Santos
Elaine dos Santos
Imagem criada por IA do Bing – 05 de fevereiro de 2025
às 08:14 PM

Este texto não é sobre a tragédia grega ‘Édipo Rei’, mas ela serve como base para a reflexão. Quando Édipo nasceu, o oráculo previu que ele mataria o pai, Laio, e desposaria a mãe, Jocasta. Ciente disso, Laio determinou que o bebê fosse assassinado. O homem que deveria matar Édipo apiedou-se, amarrou-o em uma árvore num lugar distante e entregou o seu futuro ao destino.

Cabe lembrar que Édipo significa ‘o dos pés inchados’, os seus pés incharam enquanto permaneceu amarrado à dita árvore. Eis que o bebê foi encontrado e levado para uma cidade qualquer, onde foi adotado pela família real, gozando de amor, educação refinada, todos os deleites de uma amorosa família.

O oráculo, porém, o fez conhecer a previsão: você matará o seu pai e desposará a sua mãe. Atormentado, acreditando que os reis que o adotaram – sem que ele tivesse conhecimento que era adotivo – fossem seus pais, Édipo fugiu.

Vagou pelos caminhos, até que, num determinado ponto, encontrou uma caravana e, por um desentendimento qualquer, entrou em luta corporal com o líder do grupo, matando-o. O homem morto era Laio, seu pai.

Fugiu mais uma vez e andou, andou e andou. Finalmente, encontrou-se diante de uma Cidade-Estado grega em que “a mão da rainha, viúva estava posta em casamento”. Os pretendentes, porém, precisavam decifrar um enigma apresentado por uma esfinge que havia à entrada da cidade: “Qual o animal que, pela manhã, anda em quatro patas; ao meio-dia, anda em duas patas e, no final do dia, anda em três patas?” Édipo não teve dúvidas: o homem.

Assim, Édipo casou-se com a sua mãe, Jocasta, e eles tiveram quatro filhos: Antígona, Ismênia, Etéocles e Polinice. Mas as moiras, figuras mitológicas que tecem os destinos humanas, fizeram chegar ao conhecimento de Édipo e Jocasta que eles eram filho e mãe. Ela suicidou-se, ele perfurou os olhos para não ver o pecado, a tragédia que provocara.

Antígona acompanhou o pai pelo deserto, vagando para ‘purificar-se’ até que ele morresse. Quanto ela voltou ao seu local de origem, Creonte (irmão de Jocasta), que já havia assumido o poder após a morte de Laio, havia entregado a Édipo e reassumira após a desistência de Édipo e a morte de Jocasta, reinava absoluto.

Enquanto Antígona estava fora, os seus irmãos Etéocles e Polinice haviam lutado pelo poder e, numa luta fratricida (quando irmãos matam irmãos), morreram. Diante da luta travada, Creonte considera Etéocles como herói e Polinice, como traidor, tendo provocado a destruição da cidade, proibindo o enterro de Polinice, que deveria ser deixado para os abutres.

Antígona rebela-se evocando a lei das tradições, a lei dos deuses do Olimpo, enquanto Creonte afirma a sua lei, as suas determinações como senhor de Tebas. Antígona, ainda assim, enterra Polinice com as próprias mãos. Ela é presa e, indignada, suicida-se.

Hémon, filho de Creonte e noivo de Antígona, descobre que ela se matou e segue o mesmo caminho. Logo em seguida, Eurídice, mulher de Creonte e mãe de Hémon, fica sabendo sobre a morte do filho e põe fim à própria vida. Embora pense na execução da própria morte, Creonte desiste, deixa que o destino resolva.

Toda vez que, em alguma parte do mundo, eu fico sabendo que alguém atenta contra os direitos humanos, mesmo que isso não seja foco de notícias televisivas ou motivo de polêmicas em redes sociais, eu penso em Creonte, mas tenho muito presente a figura das moiras.

Quando revisitamos a História do Ocidente, afinal, Edward Said ensina-nos que não conhecemos o Oriente, mas apenas uma criação imagética criada pelo Ocidente, encontramos inúmeros déspotas, ditadores, autocratas, gente sem escrúpulos que não teme em impor a sua vontade em detrimento da dor alheia, do sofrimento de miseráveis.

Ao ensinar Literatura para ensino médio e ensino superior, eu chamava a atenção dos meus alunos, que cada movimento literário representava uma transição de ideias entre um tempo e outro, que nada é perene, mas que ações humanas deixam marcas em seres humanos, de carne e osso, a Literatura apenas re-apresenta essas dores.

Quem leu ‘Feliz ano velho’ e, agora, revisita ‘Ainda estou aqui’, o romance de Marcelo Rubens Paiva, ou vê o filme homônimo, não precisa deter-se na totalidade das narrativas, basta que centre os seus olhos na cena – tão falada – em que Eunice vê famílias comuns, que se divertem e sabe que ela nunca mais terá aquela oportunidade.

Não é apenas Eunice que se representa ali, mas tantas mulheres, mães, cujos filhos são mortos em nosso cotidiano, pelo tráfico, pela polícia, pela bala perdida, pelo trânsito violento. Salva-nos a Arte, que nos ajuda a reelaborar o que as moiras seguem traçando sem o nosso conhecimento.


Profa. Dra. Elaine dos Santos

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