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Entre o apego e o amor

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Clayton Alexandre Zocarato

‘Entre o apego e o amor: ecos da empatia no silêncio do outro’

Clayton Alexandre Zocarato
Clayton Zocarato
Imagem criada por IA do Bing – 27 de junho de 2025,
às 09:57 PM

Há uma linha tênue, quase invisível, que separa o amor da prisão.

 Emocionalmente, caminhamos muitas vezes com os olhos vendados, acreditando que amar é segurar com força, que cuidar é não deixar partir. 

Mas o amor verdadeiro não se agarra — ele acompanha. 

É presença, não posse.

 É liberdade partilhada, não cárcere a dois.

  E neste ponto, surge a pergunta que reverbera como eco num vale: o que é amor, e o que é dependência que se veste de afeto?

A dependência emocional é um vazio que grita no silêncio de quem não aprendeu a se bastar. 

Não é entrega, é pedido de socorro. 

É a ânsia de ser completado por outro quando o próprio espelho está rachado.

  O amor, por sua vez, não exige completude — ele reconhece que somos inteiros, ainda que feridos. 

Amar não é precisar do outro para respirar, mas desejar que o outro respire livre, mesmo longe do nosso peito. 

O verdadeiro amor não pede para ser salvo, ele caminha lado a lado com a autonomia. 

Ele acolhe, mas não invade.

Neste entrelaçar de afetos, a empatia surge como ponte. 

A capacidade de se colocar no lugar do outro é o que sustenta o amor para além da paixão cega. 

Empatia é arte silenciosa de leitura: saber ver o que o outro não diz, compreender os gestos, os medos, as pausas. 

É preciso, antes de tudo, ‘ler’ o outro com os olhos da alma. 

Não apenas escutar, mas escutar profundamente. 

Ver o não-verbal.

 Sentir o peso das entrelinhas. 

Pois cada ser é um universo particular, com sua própria história, com feridas que talvez nunca cicatrizem, com alegrias que só brilham em certas luzes.

Ler o outro é também reconhecer que não somos espelhos, mas janelas. 

Que o outro pensa, sente, age e ama de formas que talvez jamais compreenderemos por completo. 

E ainda assim, é preciso respeitar. 

Não há amor sem escuta. 

Não há escuta sem empatia. 

Não há empatia sem humildade.

Nesta leitura sensível do outro, compreendemos também a importância de aceitar as esferas multiculturais que moldam a identidade de cada ser. 

O amor que se ancora apenas na semelhança é frágil.

 É na diferença que o amor amadurece. 

Aceitar a cultura do outro, sua visão de mundo, sua espiritualidade ou ausência dela, seus silêncios e ritos, é um exercício constante de humanidade.

 Não se ama tentando moldar o outro à imagem de nossas certezas.

 Ama-se aceitando que cada pessoa carrega dentro de si uma biblioteca escrita em língua própria — e que jamais teremos todos os códigos para decifrá-la.

Por isso, o valor do outro não se mede pela utilidade que ele tem em nossa vida, mas pelo simples fato de existir. 

O outro é fim em si mesmo.

  Nunca meio. Amar é saber admirar à distância, respeitar o tempo do outro, cultivar a presença sem sufocar.

 É compreender que ninguém nasce para ser prisão de ninguém, e que amar é, acima de tudo, libertar.

Em tempos onde a pressa devora os vínculos e a solidão veste disfarces digitais, talvez o gesto mais radical seja desacelerar para realmente ver o outro. 

Ver com os olhos, com o toque, com o tempo, com o silêncio.

 E se for amor, ele não exigirá sacrifícios, mas escolhas conscientes.

  Não pedirá por preenchimentos forçados, mas será convite constante ao florescimento mútuo.

Entre o apego e o amor há um espaço sagrado, onde vive a empatia. 

Onde se aprende que amar não é depender, mas caminhar junto, mesmo quando os caminhos divergem. 

E nesse espaço, talvez, resida o mais humano dos sentimentos: aquele que não prende, mas liberta.

Amar não é ocupar o espaço vazio do outro, mas oferecer abrigo onde ele quiser repousar. 

Há quem confunda amor com preenchimento, com anestesia das dores, com a segurança ilusória de um ‘para sempre’ fabricado na urgência de não estar só. 

Mas o amor verdadeiro não é remédio para solidão — é partilha da liberdade. 

Ele nasce não da falta, mas da abundância. 

Não do medo de perder, mas da coragem de permitir que o outro seja o que é, mesmo quando isso nos desafia a desaprender o que sabíamos sobre amar.

A dependência emocional, por outro lado, é um pedido inconsciente de salvação.

 É a criança ferida que ainda mora em nós, esperando que o outro venha curar o que nunca pôde ser dito.

 Dependência é um tipo de amor órfão, que se agarra com desespero por não saber se o amanhã será possível sem o outro. 

Mas o amor, o amor real, não grita por socorro — ele sussurra. 

Ele não arrasta, caminha junto.

 Ele não invade, convida. Ele não exige, oferece.

E nesse delicado espaço entre ser e estar com o outro, mora a empatia — esse gesto ético de sentir com o outro.

Empatia não é concordar, nem se anular, mas abrir-se como casa sem trancas, permitindo que o outro entre sem precisar pedir licença.

 É aceitar que o outro não cabe em nossas gavetas emocionais, nem em nossos rituais aprendidos.

Cada ser humano é um idioma inteiro, com sua própria gramática de afetos, suas pausas, suas exclamações e seus silêncios sagrados. 

E amar, nesse sentido, é tornar-se tradutor poético do outro, ainda que jamais se compreenda tudo.

Ler o outro é um ato quase espiritual. 

Não basta ouvir as palavras; é preciso escutar o que treme nas entrelinhas. 

Perceber que às vezes o silêncio é um pedido de acolhimento, que o afastamento pode ser cuidado, que um olhar desviado pode conter o grito de quem já não sabe pedir ajuda. 

A empatia exige presença radical: estar ali, inteiro, mesmo quando não há o que dizer. 

E, talvez, sobretudo respeitar que o outro não nasceu para nos explicar seus abismos.

Nas trocas humanas, o que nos liga não é a simetria, mas o reconhecimento da diferença. 

O amor que nasce do espelho é frágil; o que nasce do abismo compartilhado é eterno. 

Por isso, é urgente compreender as multiculturas do sentir. 

Cada pessoa carrega o mundo em sua bagagem invisível: religiões e ateísmos, costumes e resistências, afetos herdados e recusas conscientes. 

Amar alguém é também amar o solo que o gerou — suas raízes, suas revoltas, suas flores e suas cicatrizes. 

É entender que toda cultura é um modo de respirar o mundo, e que ninguém é obrigado a respirar como nós.

O outro tem valor por ser outro, não por ser nosso.

E é isso que a dependência emocional esquece: ela transforma o outro em função. 

Já o amor verdadeiro o reverencia como fim. 

Um fim que não precisa justificar sua existência, que não precisa corresponder a expectativas para merecer ternura.

  O amor é sempre um sim.

  Não um sim submisso, mas um sim escolhido, renovado no tempo, forjado no barro da convivência.

Viver o amor é compreender que não somos donos de ninguém — e que ser companhia é muito mais do que estar presente: é saber quando calar, quando sair, quando voltar.

 É saber partir com leveza, se necessário, para que o outro não se quebre ao tentar seguir.

Há uma sabedoria antiga que diz: “Se for amor, será leve, mesmo nos dias pesados”. E talvez seja isso.

 O amor que liberta não é aquele que nos isenta das dores, mas aquele que nos ensina a senti-las juntos.

 É o que floresce nas margens, que dança mesmo quando a música muda. 

É o que não finge eternidade, mas constrói presença.

  Amor não é um lugar onde se chega, é o caminho que se trilha com cuidado, onde ambos aprendem a dançar com as sombras do outro.

Que saibamos, então, cultivar essa escuta poética, essa presença sem cárcere, esse afeto sem algemas.

  Que ao amar, sejamos casa — e não gaiola.

  Que sejamos rio — e não represa.

  Que o amor nos encontre inteiros, e não famintos. 

E que, acima de tudo, possamos sempre lembrar: amar é reconhecer no outro não um pedaço que nos falta, mas um universo que nos desafia a crescer.

Texto Apresentado, em 26 de junho de 2025, no Sarau Poético – Literário da Escola Estadual de Ensino Médio de Novo Horizonte (SP), ‘Professor Mário Florence’.


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