Clayton Alexandre Zocarato
‘Entre o apego e o amor: ecos da empatia no silêncio do outro’


às 09:57 PM
Há uma linha tênue, quase invisível, que separa o amor da prisão.
Emocionalmente, caminhamos muitas vezes com os olhos vendados, acreditando que amar é segurar com força, que cuidar é não deixar partir.
Mas o amor verdadeiro não se agarra — ele acompanha.
É presença, não posse.
É liberdade partilhada, não cárcere a dois.
E neste ponto, surge a pergunta que reverbera como eco num vale: o que é amor, e o que é dependência que se veste de afeto?
A dependência emocional é um vazio que grita no silêncio de quem não aprendeu a se bastar.
Não é entrega, é pedido de socorro.
É a ânsia de ser completado por outro quando o próprio espelho está rachado.
O amor, por sua vez, não exige completude — ele reconhece que somos inteiros, ainda que feridos.
Amar não é precisar do outro para respirar, mas desejar que o outro respire livre, mesmo longe do nosso peito.
O verdadeiro amor não pede para ser salvo, ele caminha lado a lado com a autonomia.
Ele acolhe, mas não invade.
Neste entrelaçar de afetos, a empatia surge como ponte.
A capacidade de se colocar no lugar do outro é o que sustenta o amor para além da paixão cega.
Empatia é arte silenciosa de leitura: saber ver o que o outro não diz, compreender os gestos, os medos, as pausas.
É preciso, antes de tudo, ‘ler’ o outro com os olhos da alma.
Não apenas escutar, mas escutar profundamente.
Ver o não-verbal.
Sentir o peso das entrelinhas.
Pois cada ser é um universo particular, com sua própria história, com feridas que talvez nunca cicatrizem, com alegrias que só brilham em certas luzes.
Ler o outro é também reconhecer que não somos espelhos, mas janelas.
Que o outro pensa, sente, age e ama de formas que talvez jamais compreenderemos por completo.
E ainda assim, é preciso respeitar.
Não há amor sem escuta.
Não há escuta sem empatia.
Não há empatia sem humildade.
Nesta leitura sensível do outro, compreendemos também a importância de aceitar as esferas multiculturais que moldam a identidade de cada ser.
O amor que se ancora apenas na semelhança é frágil.
É na diferença que o amor amadurece.
Aceitar a cultura do outro, sua visão de mundo, sua espiritualidade ou ausência dela, seus silêncios e ritos, é um exercício constante de humanidade.
Não se ama tentando moldar o outro à imagem de nossas certezas.
Ama-se aceitando que cada pessoa carrega dentro de si uma biblioteca escrita em língua própria — e que jamais teremos todos os códigos para decifrá-la.
Por isso, o valor do outro não se mede pela utilidade que ele tem em nossa vida, mas pelo simples fato de existir.
O outro é fim em si mesmo.
Nunca meio. Amar é saber admirar à distância, respeitar o tempo do outro, cultivar a presença sem sufocar.
É compreender que ninguém nasce para ser prisão de ninguém, e que amar é, acima de tudo, libertar.
Em tempos onde a pressa devora os vínculos e a solidão veste disfarces digitais, talvez o gesto mais radical seja desacelerar para realmente ver o outro.
Ver com os olhos, com o toque, com o tempo, com o silêncio.
E se for amor, ele não exigirá sacrifícios, mas escolhas conscientes.
Não pedirá por preenchimentos forçados, mas será convite constante ao florescimento mútuo.
Entre o apego e o amor há um espaço sagrado, onde vive a empatia.
Onde se aprende que amar não é depender, mas caminhar junto, mesmo quando os caminhos divergem.
E nesse espaço, talvez, resida o mais humano dos sentimentos: aquele que não prende, mas liberta.
Amar não é ocupar o espaço vazio do outro, mas oferecer abrigo onde ele quiser repousar.
Há quem confunda amor com preenchimento, com anestesia das dores, com a segurança ilusória de um ‘para sempre’ fabricado na urgência de não estar só.
Mas o amor verdadeiro não é remédio para solidão — é partilha da liberdade.
Ele nasce não da falta, mas da abundância.
Não do medo de perder, mas da coragem de permitir que o outro seja o que é, mesmo quando isso nos desafia a desaprender o que sabíamos sobre amar.
A dependência emocional, por outro lado, é um pedido inconsciente de salvação.
É a criança ferida que ainda mora em nós, esperando que o outro venha curar o que nunca pôde ser dito.
Dependência é um tipo de amor órfão, que se agarra com desespero por não saber se o amanhã será possível sem o outro.
Mas o amor, o amor real, não grita por socorro — ele sussurra.
Ele não arrasta, caminha junto.
Ele não invade, convida. Ele não exige, oferece.
E nesse delicado espaço entre ser e estar com o outro, mora a empatia — esse gesto ético de sentir com o outro.
Empatia não é concordar, nem se anular, mas abrir-se como casa sem trancas, permitindo que o outro entre sem precisar pedir licença.
É aceitar que o outro não cabe em nossas gavetas emocionais, nem em nossos rituais aprendidos.
Cada ser humano é um idioma inteiro, com sua própria gramática de afetos, suas pausas, suas exclamações e seus silêncios sagrados.
E amar, nesse sentido, é tornar-se tradutor poético do outro, ainda que jamais se compreenda tudo.
Ler o outro é um ato quase espiritual.
Não basta ouvir as palavras; é preciso escutar o que treme nas entrelinhas.
Perceber que às vezes o silêncio é um pedido de acolhimento, que o afastamento pode ser cuidado, que um olhar desviado pode conter o grito de quem já não sabe pedir ajuda.
A empatia exige presença radical: estar ali, inteiro, mesmo quando não há o que dizer.
E, talvez, sobretudo respeitar que o outro não nasceu para nos explicar seus abismos.
Nas trocas humanas, o que nos liga não é a simetria, mas o reconhecimento da diferença.
O amor que nasce do espelho é frágil; o que nasce do abismo compartilhado é eterno.
Por isso, é urgente compreender as multiculturas do sentir.
Cada pessoa carrega o mundo em sua bagagem invisível: religiões e ateísmos, costumes e resistências, afetos herdados e recusas conscientes.
Amar alguém é também amar o solo que o gerou — suas raízes, suas revoltas, suas flores e suas cicatrizes.
É entender que toda cultura é um modo de respirar o mundo, e que ninguém é obrigado a respirar como nós.
O outro tem valor por ser outro, não por ser nosso.
E é isso que a dependência emocional esquece: ela transforma o outro em função.
Já o amor verdadeiro o reverencia como fim.
Um fim que não precisa justificar sua existência, que não precisa corresponder a expectativas para merecer ternura.
O amor é sempre um sim.
Não um sim submisso, mas um sim escolhido, renovado no tempo, forjado no barro da convivência.
Viver o amor é compreender que não somos donos de ninguém — e que ser companhia é muito mais do que estar presente: é saber quando calar, quando sair, quando voltar.
É saber partir com leveza, se necessário, para que o outro não se quebre ao tentar seguir.
Há uma sabedoria antiga que diz: “Se for amor, será leve, mesmo nos dias pesados”. E talvez seja isso.
O amor que liberta não é aquele que nos isenta das dores, mas aquele que nos ensina a senti-las juntos.
É o que floresce nas margens, que dança mesmo quando a música muda.
É o que não finge eternidade, mas constrói presença.
Amor não é um lugar onde se chega, é o caminho que se trilha com cuidado, onde ambos aprendem a dançar com as sombras do outro.
Que saibamos, então, cultivar essa escuta poética, essa presença sem cárcere, esse afeto sem algemas.
Que ao amar, sejamos casa — e não gaiola.
Que sejamos rio — e não represa.
Que o amor nos encontre inteiros, e não famintos.
E que, acima de tudo, possamos sempre lembrar: amar é reconhecer no outro não um pedaço que nos falta, mas um universo que nos desafia a crescer.
Texto Apresentado, em 26 de junho de 2025, no Sarau Poético – Literário da Escola Estadual de Ensino Médio de Novo Horizonte (SP), ‘Professor Mário Florence’.
Clayton Alexandre Zocarato
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Natural de São Paulo, Capital, possui Licenciatura em História pelo Centro Universitário Central Paulista – Unicep – São Carlos/SP e graduação em Filosofia pelo Centro Universitário Claretiano – Ceuclar – Campus de São José do Rio Preto/SP. Escreve regularmente para o site Recanto das Letras (www.recantodasletras.com.br) usando o pseudônimo ZACCAZ, mesclando poesia surrealista, com haikais e aldravias. É Comendador da Ordem Cultural Beethoven.
Clayton, esta crônica merece ser impressa, emoldurada e colocada no hall de entrada da escola onde você leciona!