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O julgamento do tempo

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Clayton Alexandre Zocarato

‘O julgamento do tempo: razão e desrazão em diálogo’

Clayton Alexandre Zocarato
Clayton Zocarato
Imagem criada por IA do Grok

(Cenário: Um espaço indefinido, entre ruínas e telas luminosas. No fundo, notícias piscam, protestos ecoam, o som de redes sociais se mistura a ruídos de bombas e aplausos. No centro, duas figuras humanas — Razão e Desrazão — sentam-se frente a frente, uma com um livro antigo nas mãos, outra com um smartphone brilhando no escuro.)

Razão: O mundo tornou-se um espetáculo. O que era reflexão virou manchete, o que era busca virou trend. Já não se lê para compreender — lê-se para vencer.

Desrazão: E por que não? A vitória é o novo critério da verdade. Antigamente, vocês, filósofos, diziam que a verdade libertaria o homem. Hoje, a liberdade é o álibi da mentira.

Razão: Não chame isso de liberdade. É fuga. Desde Sócrates, eu caminho ao lado do homem tentando ensinar que pensar é um ato de coragem. Mas vocês, os filhos da pressa, transformaram o pensamento em meme.

Desrazão: E você, mãe dos códigos, ainda acredita que o pensamento muda o mundo? Marx acreditava. Gramsci acreditava. Mas o capital aprendeu a falar em hashtags. A revolução agora é patrocinada por empresas de tecnologia, e os algoritmos são os novos deuses do destino.

Razão: Os algoritmos são espelhos — refletem a alma de quem os programou. E o homem, ao entregar seu julgamento às máquinas, apenas confessa sua preguiça moral.

Desrazão: Ah, moral… essa palavra enferrujada. Quem ainda acredita em virtude num tempo em que os heróis são processados e os corruptos dão palestras sobre ética? Olhe ao redor: o planeta está quente, a humanidade fria.

Razão: Ainda assim, existe esperança. Veja as ruas: jovens protestando, vozes que não se calam diante da injustiça. Da Revolução Francesa à Primavera Árabe, a chama da resistência não se apagou.

Desrazão: Chama? Eu vejo fagulhas. E logo depois, selfies. A revolta foi domesticada, virou produto. Até a dor tem marketing. As guerras agora são streams ao vivo, e cada cadáver é um ‘conteúdo sensível’.

Razão: A tecnologia não é a vilã — é a escolha que define o uso. Quando Gutenberg imprimiu a Bíblia, muitos disseram que a escrita destruiria o espírito. E, no entanto, foi ela que preservou a memória humana.

Desrazão: Memória? (ri) Nós vivemos no império do esquecimento. O passado é inconveniente, e o presente precisa de filtros. Negamos a escravidão, reescrevemos ditaduras, chamamos censura de opinião. Eu sou o novo senso comum, e você, velha amiga, é apenas uma página esquecida de Kant.

Razão: Mesmo esquecida, eu resisto. Quando a humanidade erra, é a mim que procura para se justificar. Após Auschwitz, Hiroshima e tantas covas rasas, é a Razão que os sobreviventes invocam para tentar entender o absurdo.

Desrazão: E, no entanto, o absurdo volta. Vestido de progresso, de fé, de segurança nacional. Os séculos mudam, mas o vício é o mesmo: o homem ama o poder mais do que a verdade.

Razão: O poder sem razão é tirania. Veja a história — Roma caiu pela arrogância, Napoleão pela ambição, Hitler pelo delírio.

Desrazão: E todos eles tinham filósofos para explicar suas glórias. A filosofia, minha cara, sempre chega atrasada — aparece depois do sangue, com um discurso pronto sobre o sentido da tragédia.

Razão: Talvez, mas sem ela, o sangue seria apenas lama. É a reflexão que transforma a dor em consciência.

Desrazão: Consciência? O mundo anestesiou-se. Freud chamou o inconsciente de rei oculto, mas hoje ele virou refém do consumo. A terapia é uma assinatura mensal, e a culpa, um emoji triste.

Razão: (fecha o livro lentamente) Mesmo assim, há beleza. Ainda há poetas, cientistas, professores, mães que ensinam os filhos a pensar.

Desrazão: Professores? Esses são os novos inimigos. O conhecimento foi colocado em julgamento. A ignorância é mais rentável — forma massas dóceis, fáceis de conduzir. Lembra-se de Galileu? Pois é, agora a fogueira é virtual.

Razão: Então, você admite que a história se repete. A diferença é que agora as chamas são invisíveis, mas queimam mais.

Desrazão: Sim, e o cheiro é de dados, não de carne. O homem ofereceu a alma ao mercado. E o mercado devolveu-lhe um aplicativo.

Razão: Há séculos, Lutero denunciava a venda do perdão. Hoje, vendem-se curtidas, desejos, ideologias. Tudo se compra, inclusive a verdade.

Desrazão: Exato. E eu sou a gerente desse negócio. (ri alto) As redes sociais são o meu império. Eu governo pelo impulso — raiva, medo, vaidade. Ninguém mais lê Rousseau, todos querem ser influenciadores.

Razão: Mas a influência sem reflexão é tirania estética. O belo sem o bom é o veneno da civilização.

Desrazão: E quem quer o bom quando o belo rende mais visualizações? Veja, Razão, você é nobre, mas ingênua. O mundo não quer pensar — quer sentir.

Razão: Sentir sem pensar é o caminho da barbárie.

Desrazão: E pensar sem sentir é o caminho da indiferença. Eis o dilema eterno entre nós.

(Um silêncio. Ao fundo, projeções de guerras, protestos, incêndios florestais e discursos políticos. A luz pisca como se o tempo oscilasse entre séculos.)

Razão: Você se alimenta da crise. Eu, do diálogo. Enquanto houver palavra, há chance de equilíbrio.

Desrazão: Palavra? A língua foi sequestrada. Cada termo virou campo de batalha. ‘Democracia’, ‘liberdade’, ‘povo’ — todos usados até perder o sentido.

Razão: O sentido se reconstrói. Ele nunca morre. Assim como o homem sempre tenta reerguer-se depois da queda.

Desrazão: O homem tenta, mas tropeça. A pandemia mostrou o quanto somos frágeis: negamos a ciência, adoramos conspirações. Você viu? Até a morte virou estatística.

Razão: E mesmo assim, houve solidariedade. Médicos que trabalharam até cair, cientistas que dividiram conhecimento, vizinhos que se ajudaram. A tragédia revela tanto o pior quanto o melhor de nós.

Desrazão: Sim, mas eu fui mais rápida. Entrei nas redes, espalhei medo, cansaço e divisão. O mundo acredita mais nas minhas sombras do que na tua luz.

Razão: Talvez, mas lembre-se: toda noite é sucedida pelo amanhecer.

Desrazão: Bela metáfora. Pena que os homens andam sem janelas. Vivem trancados nas suas bolhas, gritando sozinhos.

Razão: Por isso mesmo eu insisto: é hora de reaprender a escutar. A democracia não é um grito, é uma escuta coletiva.

Desrazão: Democracia… (ri) Essa palavra está cansada. Uns a usam para censurar, outros para se perpetuar. Ela virou moeda de troca.

Razão: Mas ainda é o melhor dos caminhos imperfeitos. Churchill sabia. E mesmo ele, envolto em guerras, acreditava que o diálogo era a única forma de civilizar o conflito.

Desrazão: Ah, o conflito… o meu palco favorito! Sem mim, vocês não evoluem. Admitam: toda invenção, toda mudança, nasce de mim — do caos, da dúvida, do erro.

Razão: Verdade. Mas eu sou a costura. Você rasga, eu reconstruo. O mundo precisa de ambos — mas com equilíbrio.

Desrazão: Equilíbrio… a palavra mais entediante que existe. O ser humano não nasceu para o equilíbrio. Nasceu para o abismo.

Razão: Talvez. Mas é no abismo que ele aprende a voar.

(Luz baixa. A projeção no fundo mostra uma ampulheta virando lentamente. Som de batimentos cardíacos. Razão e Desrazão se encaram em silêncio por alguns segundos.)

Desrazão: Diga-me, Razão… depois de tantos séculos, de tanto sangue e tanta promessa, ainda acredita no homem?

Razão: Não. Acredito na humanidade. É diferente. O homem cai, mas a humanidade se levanta.

Desrazão: E se um dia ela não se levantar?

Razão: Então, ao menos terá tentado. E essa tentativa será a prova de que existiu.

Desrazão: (sorri) Talvez eu devesse poupá-la, então. Afinal, sem ti, eu também desapareço.

Razão: Vê? Até você compreende que somos interdependentes. A história é o nosso espelho — onde tua loucura e minha lógica dançam lado a lado.

Desrazão: Uma dança eterna.

Razão: Até o último acorde da consciência.

(As luzes diminuem. No fundo, a imagem de um planeta em rotação. Vozes indistintas ecoam — discursos, poemas, risadas, orações. O som de uma página sendo virada encerra a cena.)

FIM

 Observação para encenação ou leitura crítica:

Este texto propõe uma reflexão filosófico-jurídica e social sobre o mundo contemporâneo, explorando temas como pós-verdade, democracia, tecnologia, desigualdade, história e memória, sem divisão formal de atos ou cenas. A linguagem é provocativa, mas equilibrada entre o poético e o político.


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