Estudantes das Artes combatem a violência por via do teatro
Desde a Antiguidade Clássica que as artes sempre foram uma importante via para educar, moralizar e legitimar a passagem, às novas gerações de valores e crenças necessárias à manutenção da ordem e equilíbrio do cosmos. A terra de Ngola Kiluanji-kya-Samba (Angola), embora seja caracterizada pela oralidade, possui vários ritos que marcam, cultural e sociologicamente, a passagem de testemunho, a resolução de problemas sociais e políticos e a instrução e educação das novas gerações.
Infelizmente, em muitas paragens do Globo, procrastinam-se as manifestações artísticas; porquanto as suas dimensões didáticas, sociais, e culturais podem ser uma poderosa arma de combate.
Aqui, o teatro, um dos parentes pobres das artes, que excedem hoje o número de sete, sobrevive graças à resiliência e ao amor, para que, de forma teimosa, possa resistir ao apagamento que lhe foi imposto.
É nesse espírito, que o estudante da faculdade de Artes, da recém-criada Universidade de Luanda, Manuel Bernardo Sumbo, criou o Projecto Plantarte Angola e, na companhia de Tomalunda Pedro, o sonho de massificar a cultura por via do teatro e afastar os adolescentes e jovens da delinquência, do uso de drogas e da prostituição.
Em alusão ao Dia Mundial do Teatro, o Plantarte levou ao subúrbio do Hoji-ya-Henda, a I Temporada de Teatro, num palco e sala alternativos. Ao todo, foram seis espectáculos, exibidos por iguais números de grupos, entre 12 e 27 de março de 2022.
A quase inexistência de espaços culturais e de financiamento para as artes, parece ser também uma das estratégias para materialização da violência simbólica (Pierre Boudieu), que se impõe aos anestesiados beneficiários diretos das políticas públicas.
Os seis grupos envolvidos na I Temporada de Teatro, organizada pelo Plantarte Angola, constituídos por adolescentes e jovens, passaram durante os seis dias de exibição por ruas melindrosas, e os meliantes puseram tréguas às suas desavenças. O teatro tem muita força; muita força o teatro mostrou no Casarão da Cultura, no Hoji-ya-Henda; um espaço a céu aberto, habituado à partys e a testemunhar rixas de delinquentes, sentiu o perfume da mãe de todas as artes.
Os espectáculos, marcados essencialmente pela sátira e ironia, foram desde a comédia, drama e o sociodrama. Os grupos Twana Teatro, Xabadá Uiza, Yetu a Yetu, Colectivo Horizonte Ngola Kiluanji, Nelca Teatro e o Ndanji Teatro juntaram-se ao Plantarte Angola e contribuíram para a reflexão e à volta do imaginário sociopolítico angolano.
Apostar na resistência à violência (Hannah Arendt e Walter Benjamin), num contexto de conturbadas relações sociais e cegueira das intituições públicas e privadas no incentivo às iniciativas culturais, merece os aplausos de todas e todos. Que a II edição traga mais e melhores incentivos!
José Bembo Manuel
martinsbembo@gmail.com
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Natural de Luanda (Angola), é licenciado em Ensino da Língua Portuguesa pela Escola Superior Pedagógica do Bengo (Angola) e docente Assistente Estagiário afeto ao Departamento de Letras Modernas da Escola Superior Pedagógica do Bengo. Membro do Conselho Editorial e Revisor Linguístico da ESP-Bengo Editora desde 2018 e revisor da RAEU – Revista Angolana de Extensão Universitária. Com as artes no sangue, é ator do Grupo Twana Teatro há 14 anos. Revisou a obra ‘Língua Portuguesa: subsídios para o seu ensino em Angola’, da autoria de Márcio Undolo (1ª edição, Editora ECO7, janeiro de 2019. Co-organizou o ‘Manual de Auxílio às Famílias de Crianças com Necessidades Educativas Especiais’ (1ª Edição, ESP-Bengo Editora, 2018).