Elaine dos Santos: Artigo ‘Esaú e Jacob, de Machado de Assis’
Machado de Assis é um dos autores mais laureados da Literatura brasileira.
Ele é considerado o grande nome do Realismo no Brasil , tendo escrito romances consagrados como ‘Memórias póstumas de Brás Cubas‘ , a história contada por um defunto-autor ou um autor-defunto, e ‘Dom Casmurro‘ , a emblemática história da traição ou não de Capitu (o que menos importa é se ela traiu, o enigma é a grande chave do romance).
No entanto, eu gosto muito de outro romance, trata-se de ‘Esaú e Jacó‘.
No livro do ‘Gênesis‘ , portanto, na Bíblia sagrada, encontramos a história primeira de Esaú e Jacó, que foram filhos de Isaque e Rebeca, netos de Abraão. Esaú, o primogênito, era um caçador habilidoso, enquanto Jacó mantinha uma vida simples e seguia as ordens do Senhor. Isaque demonstrava amar Esaú; Rebeca parecia amar mais Jacó.
Na verdade, desde a concepção, Rebeca percebera um conflito entre os irmãos:
E as crianças lutaram juntas dentro dela; e ela disse: Se é assim, por que estou assim? E foi consultar o Senhor. E o Senhor disse para ela: Duas nações estão em teu ventre e dois tipos de pessoas serão separadas de tuas entranhas; e um povo será mais forte do que o outro; e o mais velho servirá ao mais jovem (GÊNESIS: 25, 22-23).
Esaú, de toda forma, nasceu primeiro, contudo, certa feita, faminto, propôs trocar a progenitura por um prato de comida junto a seu irmão Jacó.
Segundo os estudiosos da tradição cristã. Esaú mostra um grande desapego com os desígnios divinos e mesmo com as tradições humanas, afinal, o filho primogênito é aquele que herda a liderança da família e a autoridade do pai. Quando Isaque, o pai, já estava velho e cego, Rebeca articula para que ele abençoe Jacó com o direito da primogenitura.
Muitos historiadores destacam a impulsividade, a imprudência e o egoísmo de Esaú, contudo, é preciso também ressaltar que o espírito enganador de Jacó aparece no episódio em que, com a ajuda da mãe, recebe a benção da progenitura do pai.
O que se ressalta, para refletir sobre o romance ‘Esaú e Jacó’, de Machado de Assis, é o caráter da gemelaridade, a convivência relativamente fraterna, mas também os espíritos, os gostos, os desejos que se opõem entre os dois personagens centrais da narrativa.
‘Esaú e Jacó’, o romance de Machado de Assis, foi lançado em 1904 e traz o Conselheiro Aires como narrador e personagem – com isso, para quem lida com Literatura num plano profissional, fica claro que se tem uma visão parcial dos fatos: a visão de uma personagem.
O Conselheiro Aires é um observador privilegiado, pois interage com Natividade, a mãe dos gêmeos Pedro e Paulo, protagonistas do romance e que têm temperamentos opostos em tudo. Assim, há um interessante jogo entre semelhanças (eles são gêmeos) e oposições.
Pedro é monarquista (a Monarquia foi suplantada em 1889) e estuda Medicina no Rio de Janeiro; Paulo é republicano e decidiu-se por estudar Direito em São Paulo. Porém, ambos se apaixonam por Flora, o que acirra a rivalidade entre ambos.
Parece claro que o narrador traz a luta ideológica dominante no período entre monarquistas e republicanos – cá estamos diante da Literatura como representação de uma sociedade e do ideário que se acha presente nela – é bom que se diga que Flora não se decide por nenhum dos irmãos, o que evita a opção por um dos sistemas de governo.
Haveria, ademais, uma metáfora sobre a própria política, que interessaria apenas para alguns, mas que é capaz de gerar inimizades entre irmãos. Natividade, a mãe, consegue que, por um ano, os dois irmãos mantenham uma relação fraterna, porém, a sua morte desencadeia novas brigas, a inimizade retorna.
Não nos olvidemos, contudo, que os anos finais do século XIX e o princípio do século XX, foram marcados pela modernização do país. A capital federal, o Rio de Janeiro, desde 1903, tinha um novo prefeito, Pereira Passos , que foi responsável por sua transformação, no que ficou conhecido como ‘Bota-Abaixo‘ ; vivia-se a Bèlle Èpoque à brasileira , tanto em Manaus, como no Rio de Janeiro e em São Paulo, especialmente; entre outros aspectos.
Dessa forma, faz-se possível inferir também que Pedro fosse a metáfora do Brasil do século XIX – do Brasil que se deixava para trás. Ele, inclusive, traz o nome dos imperadores, enquanto Paulo representava o Brasil de um novo século, que seria palco de grandes transformações.
Alguns estudiosos identificam um tom melancólico no romance. É certo que Machado de Assis já havia atingido a maturidade literária e que ultrapassara a idade de 60 anos (1904 é também o ano de falecimento de sua esposa, Carolina , mas a obra é rica, “saborosa” e merece ser lida, ainda mais se considerarmos os tempos de polaridade ideológica.
Elaine dos Santos
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Natural de Restinga Seca (RS), é licenciada em Letras, Mestre e Doutora em Estudos Literários pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Tem formação em espanhol pela Universidad de La Republica, Montevidéu. Possui 29 artigos acadêmicos publicados em revistas nacionais na área de Letras com classificação Qualis, além de participação em eventos com trabalhos completos e resumos. É autora do livro Entre lágrimas e risos: as representações do melodrama no teatro mambembe, adaptação de sua tese de doutorado, e coautora em outros livros versando sobre Direito, História, Educação e Letras. É revisora de textos acadêmicos, cronista com textos publicados em jornais regionais e estaduais e participação em mais de 80 antologias.