Ella Dominici: ‘Díptico Poético – Argumento e Vento’


às 17:51 PM
I – Ao Argumento
O homem foge à sombra que o consome,
mas traz nas mãos o rio que liberta;
entre prisão e morte ergue o nome
do verbo vivo em sua chama aberta.
Rouxinol e chave, em um só diadema,
sombra e clarão se unem no anel sagrado;
transborda a criação — fulgura o lema
do gesto imenso em sangue revelado.
Na aurora amarga a consciência nasce,
O fruto novo à dimensão se atreve;
real se rompe e o invisível enlace.
E o poeta, exilado, ainda escreve:
do ferro oculto, o fecho se desfaz,
mantendo o mundo aberto em sua paz.
II – À Jovem do Vento
Na encosta ardente, o vento se reclina,
e o campo exala um sopro em mimosas claras;
de súbito, surge a jovem peregrina,
em seus cabelos, as fragrâncias raras.
Passa em silêncio, e a tarde se ilumina,
riscando o céu com sombras que reparas;
seus passos leves — música divina —
deixam no chão auroras sempre caras.
Não digas nada: é crime o gesto ousado.
que o vento a guarde em sopro perfumado,
que a relva cale a lira de seus pés.
Talvez em seus lábios, bruma tão suave,
repouse a noite, em quimera breve,
em promessa oculta que se tece em véus.
Ella Dominici
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Natural de São Paulo (SP), é endodontista por profissão e formada no curso superior de Língua e literatura francesa. Uma profissional que optou por uma ciência da área da saúde, mas que desde a infância se mostrava questionadora e talentosa na Arte da Escrita, suscitando da parte de um mestre visionário a afirmação de ela ser uma escritora nata, que deveria valorizar o dom que recebera. Atendendo ao conselho recebido, na maturidade Ella cumpre o vaticínio e lança o primeiro livro solo de poemas (Mar Germinal), rompendo com a escrita meramente contemplativa, abraçando fragmentos, incertezas e dualidades para escancarar oportunidades a si como ao outro. Dribla o autoritário tempo, flagra mazelas psicológicas em minúsculas e múltiplas impressões exteriores e internas. É membro da AMCL – Academia Mundial de Cultura e Acadêmica Internacional da FEBACLA. Coautora de várias antologias. Publica na Revista Internacional The Bard e se inscreveu no 8º Festival de Poetas de Lisboa, participando da antologia promovida pelo evento


Ella, este díptico poético é um Mapa do Tesouro. Um tesouro etéreo, formado por palavras douradamente adornadas, que se juntam de forma que poucos conseguem avaliar a fortuna imaterial que têm aos olhos, permanecendo a alma em enigmática expectativa. Às almas dimensionais, porém, o enlevo de quem alcançou o infinito!
Um final, como a apoteose de uma orquestra:
“Talvez em seus lábios, bruma tão suave, / repouse a noite, em quimera breve, / em promessa oculta que se tece em véus.”
Sérgio Diniz, gratissima pelo enlevo sentimental e espiritual que seu comentário me causa!