Ella Dominici: ‘O silêncio é uma forma de amor’


Em ressonância com Léopold Sédar Senghor
Silêncio.
É nele que o amor se reconhece.
Não no grito, nem no toque,
mas naquilo que pulsa quando o mundo cala.
O silêncio é um corpo que respira entre dois corações —
um sopro antigo, herdado da terra.
Sou mulher feita de luz e sombra,
como a árvore que recorda o chão e ainda assim deseja o céu.
A minha pele carrega memórias de séculos,
areias de mulheres que dançaram sobre a mesma dor e esperança.
Em mim, há o sangue das que não se ajoelharam
e a ternura das que ensinaram o perdão com o olhar.
Tu me olhas, e em teus olhos reconheço a ancestralidade da noite.
Há um continente inteiro entre nós —
mas o amor atravessa oceanos invisíveis.
Teu silêncio me fala em língua de tambores,
onde cada batida é um nome,
cada pausa, uma oração.
Amo-te não como quem possui,
mas como quem devolve ao universo o que era dele.
Teu corpo é território e templo,
é tambor e travessia.
Quando te toco, não busco a carne:
procuro a lembrança da vida.
O amor é uma forma de resistência.
Ser mulher negra é guardar dentro do peito
a geografia inteira do tempo —
é ser pátria e poema,
vento e raiz, voz e eco.
E se o destino me reduzir em cinzas,
como temeu Senghor,
que minhas cinzas fertilizem o solo da ternura.
Que minhas palavras cresçam como flores negras sobre o medo,
e que cada pétala diga: “Eu amei, e por isso vivi”.
Ella Dominici
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Natural de São Paulo (SP), é endodontista por profissão e formada no curso superior de Língua e literatura francesa. Uma profissional que optou por uma ciência da área da saúde, mas que desde a infância se mostrava questionadora e talentosa na Arte da Escrita, suscitando da parte de um mestre visionário a afirmação de ela ser uma escritora nata, que deveria valorizar o dom que recebera. Atendendo ao conselho recebido, na maturidade Ella cumpre o vaticínio e lança o primeiro livro solo de poemas (Mar Germinal), rompendo com a escrita meramente contemplativa, abraçando fragmentos, incertezas e dualidades para escancarar oportunidades a si como ao outro. Dribla o autoritário tempo, flagra mazelas psicológicas em minúsculas e múltiplas impressões exteriores e internas. É membro da AMCL – Academia Mundial de Cultura e Acadêmica Internacional da FEBACLA. Coautora de várias antologias. Publica na Revista Internacional The Bard e se inscreveu no 8º Festival de Poetas de Lisboa, participando da antologia promovida pelo evento


Ella, este poema é uma belíssima homenagem à raça negra! Uma finíssima, preciosíssima Tapeçaria Literária!
Mais uma vez, destacar trechos é, praticamente, destacar o poema integralmente. Contudo, não posso omitir alguns:
“Em mim, há o sangue das que não se ajoelharam/ e a ternura das que ensinaram o perdão com o olhar.”
“Tu me olhas, e em teus olhos reconheço a ancestralidade da noite.”
“Teu silêncio me fala em língua de tambores,/ onde cada batida é um nome,/ cada pausa, uma oração.”
“Teu corpo é território e templo,/ é tambor e travessia./ Quando te toco, não busco a carne:/ procuro a lembrança da vida.”
E fechando com Chave de Ouro:
“Que minhas palavras cresçam como flores negras sobre o medo,/ e que cada pétala diga: “Eu amei, e por isso vivi”.
Queridissimo editor-mor Sérgio Diniz,
Sinto-me feliz com sua maneira de absorver a poética e a mensagem eterna à magnitude timbrada
nas tábuas de nossos ancestrais. Possa a contemporaneidade ressoar vozes de amor e gratidão!